[Akitando] #77 - A COVID-19 matou minha Startup? | Entendendo Criptomoedas

2020 April 15, 10:30 h

DESCRIÇÃO

ERRATA pré-lançamento: antes do video sair eu já vi que os dados que eu falei no video estão desatualizados. Fonte: https://www.crescat.net/crescat-capital-quarterly-investor-letter-q1-2020/

Semana passada (08/04/2020) eu fechei minha empresa de corretora de criptomoedas OmniTrade (https://livecoins.com.br/corretora-de-bitcoin-brasileira-encerra-atividades-entenda/).

No episódio de hoje vou aproveitar pra conectar uma breve atualização do cenário da crise econômica de agora pra explicar qual a relação de moedas como o dólar e criptomoedas como o bitcoin.

Então na segunda parte aproveito pra explicar as origens da OmniTrade, como ela foi construída, quais eram os planos e sobre o fechamento em si. E sim, o título do video ficou meio "click-bait", sorry por isso :)

Links:

SCRIPT

Olá pessoal, Fabio Akita

O video desta semana acabou atrasando. Eu ia finalmente fazer um video sobre minha coleção de teclados mecânicos mas vai dar mais trabalho do que eu pensei. E além disso eu acabei pedindo mais um de última hora que chegou segunda e ainda estou testando. Hoje faz exatamente 1 mês desde que eu comecei a quarentena, vou dar uma atualização de como estou vendo o curto prazo desta crise econômica pra dar contexto sobre o segundo assunto. Acho que 90% das pessoas que assistem meu canal provavelmente não sabiam que eu tenho 2 empresas e uma delas era uma corretora de criptomoedas, a OmniTrade, que terminamos de fechar semana passada e vou aproveitar pra contar um pouco da história dela.

Semana passada eu participei de duas lives, se vocês não assistiram vou deixar os links nas descrições abaixo. Provavelmente vão ser as duas únicas por agora, porque embora eu queira evitar o assunto, obviamente o maior interesse de todo mundo agora é sobre o desenrolar da crise econômica e da pandemia. Como eu já divaguei muito sobre o assunto nas lives, nos próximos vou evitar falar muito porque na real, não tem muito mais a dizer e detesto ficar me repetindo.

Disclaimer que vale a pena repetir, eu não sei tudo! Eu não sou e nem tenho interesse em ser um ativista ou qualquer coisa assim e defender alguma causa com unhas e dentes. Vira e mexe eu digo pra amigos que eu sou só uma "testemunha da história". Quer dizer que eu não tenho vocação nem vontade de tentar mudar a história. Se isso acontecer foi um efeito colateral e não um objetivo. Eu sou só curioso pra saber se o que vem a seguir é o que eu imaginava, e eu até acho interessante quando a história me surpreende, porque é algo raro de acontecer.

Claro que eu também gostaria que o mundo fosse utopicamente melhor, mas eu sou um pragmático realista. Eu não faço contas baseados em sonhos, eu faço contas baseado na realidade, por pior que ela seja. Por isso não é importante pra mim que todos concordem com o que eu digo. Eu não derivo nenhum prazer de discutir com quem discorda. Pelo simples fato que se eu estiver errado, eu tenho Skin in the Game, ou seja, vou ter que cortar na minha própria carne. O tema de hoje é um exemplo disso.

Pronto, disclaimers feitos, uma pequena atualizada sobre minha visão da crise pra usar de contexto no tema. Tenham paciência por enquanto. O que eu e alguns economistas falamos durante 2018 e 2019, sobre uma crise eminente na economia que nos levaria a uma recessão, não aconteceu. Apesar da coincidência ser interessante, não é correto dizer que foi uma previsão. Nós não conseguimos prever que na realidade ia ser pior, mas muito pior do que nossos piores cenários. Muita gente ainda acha que quando a pandemia for controlada, tudo vai voltar ao normal. Infelizmente eu acho muito improvável. Existem duas coisas que me preocupam bastante.

O primeiro é a irracionalidade de todas as discussões públicas até agora. Só pra variar as pessoas estão indo perigosamente na direção de abrir mão das liberdades individuais em troca de uma falsa segurança que nunca existiu nem vai existir. Eu avisei dois vídeos atrás que momentos assim tendem a exaltar regimes totalitários e procurar salvadores da pátria. Especialmente momentos de pânico generalizado e desinformação massiva. O problema é que agora vai haver um consenso global em crenças erradas. Eu juro que eu quero estar redondamente enganado nisso. Vou recomendar um video importante que mostra a linha do tempo dos eventos que nos trouxeram até este ponto. Ninguém aprendeu nada antes, pelo visto vamos continuar não aprendendo, e vamos fazer pior da próxima vez.

O segundo motivo é econômico. Os mercados já foram massivamente infectados pelos bancos centrais e os dados que temos agora estão distorcidos. Vou dar um exemplo. Se você observar o comportamento de ações, fundos e tudo mais vai ver que no geral, tivemos o grande crash depois do carnaval, mas tirando os casos mais óbvios como companhias aéreas, quase tudo tá se recuperando. Olhem nos gráficos como S&P 500, NASDAQ, IBOVESPA, qualquer um, tem subido no geral. Na média, metade das perdas já foi milagrosamente recuperado. Mas lembram no video sobre a crise que eu falei que na minha pessoa física eu tinha perdido quase meio milhão? Pois é, eu Não realizei as perdas obviamente, e eu já recuperei mais da metade, sem fazer absolutamente nada.

Se você olhar isso superficialmente poderia imaginar que os mercados tão respondendo positivamente, que na verdade a crise não é tão ruim quanto parece, e logo logo vamos voltar à normalidade. Eu realmente preferia que fosse só isso. Infelizmente não é assim que se lê isso. Seria o caso se esses dados representassem um mercado livre sem interferência. Mas os bancos centrais do mundo já interferiram. Estão jogando centenas de bilhões no sistema financeiro o tempo todo. O Japão sozinho aprovou 1 trilhão de dólares, os Estados Unidos 2.2 trilhões. O Brasil mesmo vai fazer isso. É o que eu falei sobre eles estarem "imprimindo dinheiro", entre aspas.

Vou ser extremamente grosseiro pra simplificar. Quando os bancos centrais "imprimem dinheiro", eles aumentam a oferta de dólar em circulação e eu já expliquei sobre oferta e procura. Aumente a oferta de alguma coisa e seu preço cai. Imprimir dinheiro aumenta sua oferta e desvaloriza seu valor. O efeito mais óbvio é que isso geraria inflação, que é o aumento dos preços dos produtos por exemplo. Por isso que não adianta só sair distribuindo dinheiro como muitos acham, isso só faria os preços aumentarem. E obviamente não adianta congelar os preços, isso só faria os produtos desaparecerem.

Mas temos outro problema. Não vamos ter inflação agora porque literalmente ninguém tá podendo consumir, seja porque já ficou desempregado, seja porque tá se precavendo caso fique desempregado, ou seja simplesmente porque tá num lockdown rígido e não pode sair de casa e os comércios não podem abrir. Nesse caso o risco é outro: deflação. É o caso onde nem abaixando os preços o consumo sobe. Existem países que já estavam em deflação antes da crise, vide o Japão que desesperadamente tenta aumentar o consumo faz décadas sem sucesso. Numa lógica simplista, porque você gastaria seu dinheiro hoje se amanhã você pode comprar um pouco mais com o mesmo dinheiro já que ele não desvaloriza? Parece bom, mas não é, isso cria estagnação.

Ma agora estamos numa combinação rara: podendo aumentar a liquidez imprimindo dinheiro e sem aumentar demais a inflação no curto prazo. Mas a inflação vai chegar, só que depois da pandemia. Só tem um lugar onde o efeito de inflação tá se refletindo já agora, e é nos mercados financeiros. Pense em ações como produtos de prateleira. As ações estão inflacionadas de novo. É a mesma coisa que veio causando a bolha que eu falei até antes da crise. Só que em vez da liquidez ser causada por imprimir dinheiro era por diminuir a taxa de juros, em ambos os casos isso leva à inflação das ações.

Eu não quero entrar em detalhes sobre os mecanismos porque tem gente mais qualificada que eu pra explicar isso, mas quando eu falo "imprimir dinheiro" não estou falando literalmente em imprimir papel moeda e sim em Quantitative Easing ou QE que a grosso modo é o governo colocar no balancete dele ativos do mercado. Imprimir dinheiro na prática é como adicionar uma linha no "Excel" do banco central. Problema é que você não pode pensar nisso de forma absoluta, como papel moeda trocando de mãos, é um linguajar contábil. Pesquisem sobre isso.

Esse lockdown ou quarentena global é super sério. Dependendo de que estimativas você olhar o mundo já perdeu até este momento todo o crescimento estimado de PIB do ano, no caso mais otimista algo na ordem de 4 a 5 trilhões de dólares. No caso mais pessimista, pode multiplicar isso por quanto quiser porque tá difícil ver o fundo do poço. Seu chute vai ser tão bom quanto o meu. Estima-se que um terço da população do mundo tá em algum nível de restrição de quarentena.

Tenta colocar esse número na cabeça, não existe situação assim na história a não ser em períodos de guerra mundial. Isso não vai acabar bem. E se você não está acompanhando dias atrás os Estados Unidos divulgaram o nível de pedidos de seguro desemprego e até dia 28 de março mais de 6.6 milhões de pessoas entraram com pedido. O normal são milhares, e em poucas semanas chegou em milhões. Isso não aconteceu na crise de 2008, nem de 2001, nem de 1987, é um nível catastrófico e muitas empresas já estão fechando. Eu quero que vocês gravem este gráfico que mostra seguro desemprego desde os anos 80 até agora e o pico no fim do gráfico que é este ano. Os efeitos dessa crise já estão se tornando permanentes. Essa vai ser a nova realidade.

Pronto, sem me alongar demais vamos parar por aqui no meu big picture e descer pro meu mundinho bem menor. Eu naturalmente não confio em papel moeda. Muito menos a do Brasil. Como eu já disse antes, eu vivi os tenebrosos anos 80 e senti a hiperinflação na própria pele. Por outro lado eu sempre vivi num mundo pós segunda guerra, mais especificamente pós-Bretton Woods e pós-desvinculação do padrão ouro, ou seja, um mundo de dinheiro virtual e câmbio flutuante. Significa que eu suspeito de basicamente tudo embora eu precise conviver com isso.

Por outro lado eu sou economicamente conservador, eu não tenho vocação pra trader nem investidor de risco. Eu gosto de risco mas até certo ponto, por isso nenhuma promessa de tech startups unicórnios me atrai. Os venture capitalists não gostam muito de mim aliás. Nem eu sou imune, claro, certamente já me balançou em algumas épocas, mas tudo sempre parece um golpe. Nem estou dizendo que existe a intenção, só que o marketing é extremo demais. Ironicamente foi por isso que me interessei por criptomoedas. E eu sei o que você pensou, mas aguentem até o fim. Eu não vou tentar vender criptomoedas como nenhum salvador da pátria não.

Por volta de 2009 ou 2010 apareceu as conversas em torno de moedas digitais e bitcoin e eu cheguei a minerar, na época que um bitcoin valia centavos. E obviamente eu também fui um daqueles que tinha bitcoins lá no começo e não guardou a carteira. Pois é! De repente hoje valeria alguns milhões, vai saber. Cagada minha não ter dado atenção.

Daí acho que foi lá pelo começo de 2017 que amigos meus começaram a falar de criptomoedas de novo. Parei pra pesquisar e vi que a coisa aumentou bastante. Mais interessante porque eu vi vários desses programadores hipsters influencers de rede social fazendo questão de ser religiosamente contra criptomoedas. Sem apresentar nenhuma lógica, pra variar. E isso me deixou mais curioso ainda, porque se irrita os ideológicos certamente tem alguma coisa que vale a pena eu explorar. Lembram que eu falo que eu não sigo nenhum influencer? Pois é, mas quando muitos influencers fazem questão de falar contra que eu fico mais interessado.

A tecnologia em si é razoavelmente simples. Você consegue ler o lendário paper original do Satoshi Nakamoto, que completou 10 anos ano passado, em uma hora e entender. Aliás, pra entender criptomoedas no nível técnico você precisa no mínimo saber o que eu já expliquei sobre criptografia nestes dois vídeos no canal, dêem uma estudada. Existem centenas de vídeos, posts de blog e até livros já hoje em dia explicando o funcionamento de um ledger digital e eu não vou perder tempo explicando tudo de novo. Pesquise por conta própria e se ainda não fez isso, pra efeitos deste video, assuma que funciona.

Aqui eu podia começar a explicar o que é um ledger, o que é uma transação, como é feita a assinatura e mineração de blocos e bla bla bla mas isso já existe super bem explicado em centenas de lugares, é só pesquisar um pouco. Em vez disso deixa eu rapidamente passar por quatro das principais coisas que as pessoas lêem no título de notícias e não pensam nem dois segundos a respeito.

A primeira coisa é sobre a lentidão em assinar blocos, a tal “mineração” que na prática é o trabalho de validar as transações de um bloco antes de adicionar no blockchain e através disso desbloquear mais um pouco de bitcoins como prêmio. No caso do Bitcoin isso pode levar 20 minutos a mais. Isso impossibilita usar Bitcoin numa maquininha de pagamento no caixa de uma loja por exemplo, é verdade. Mas isso não me preocupa. Existem alternativas pra isso. De forma simplória pense num boleto. Ela precisa de 1 dia pra processar e confirmar, é parecido. Você não usa boleto num caixa de supermercado, pra isso você usa outras coisas como seu cartão de crédito, que é rápido porque você não usa dinheiro e sim outra invenção, chamada crédito.

A administradora de cartão não checa se você tem dinheiro na sua conta e sim se tem direito a crédito por sua boa reputação de bom pagador. No fim do mês ele emite uma fatura e daí de fato você paga ou não. Todo mundo pensa que dinheiro é tudo igual mas não é, uma coisa é o papel moeda na sua mão, outra coisa diferença é a representação virtual no saldo da sua conta bancária, outra coisa totalmente diferente é o crédito no cartão e assim por diante. São todos formas de dinheiro virtual.

A segunda coisa é o custo dessa mineração, particularmente o controverso uso de energia. Sinceramente, isso é mais político que prático. O título de matérias é sempre algo do tipo "nossa, a mineração de bitcoins usa o mesmo tanto de energia pra iluminar as casas de uma pequena cidade". Daí vira trending topic no Twitter. Eu falo que se algo similar ao Twitter existisse nos anos 40 a gente não teria computadores hoje. Um dos primeiros grandes computadores comerciais foi o ENIAC. Ele era tão veloz que podia executar 5 mil operações de adição por segundo. Ele tinha uns 15 metros de comprimento e consumia tanta energia e dissipava tanto calor que você podia aquecer um pequeno lago do lado dele.

Eu já consigo ver os tweets de 1945 "esse tal de computador é uma abominação, um único computador poderia iluminar dezenas de casas numa pequena cidade". E adivinhem, os processadores modernos de hoje fazem bilhões de operações por segundo a uma fração da energia de um ENIAC. Qualquer calculadora moderna é mais rápida que isso. Vou contar uma novidade pra vocês que viveram embaixo de uma rocha em Marte nos últimos 100 anos: a tecnologia evolui rápido, o tempo todo.

A terceira coisa é a aversão a criptomoedas porque ela é usada pra coisas obscuras, sequestros, tráfico de drogas, espionagem e sei lá mais o que. Se isso te preocupa vou te contar qual é a moeda virtual mais usada no crime organizado e no mercado negro. Se chama dólar. O tanto de dólar que circula só em tráfico de drogas, por ano, provavelmente supera o valor de todos os bitcoins que existem hoje. Se usar uma moeda que tá envolvida com crimes é uma ofensa à sua pessoa, use lógica. Eu recomendaria que você deixe de usar qualquer moeda e volte a fazer escambo.

A quarta e última coisa é relacionada e dessa vez é meio real, que criptomoedas estão associados a golpes de pirâmides. Esta é a mais difícil de explicar mas deixa eu tentar. Da mesma forma como usos ilícitos, você não precisa de criptomoedas pra criar fraudes. Dólares e qualquer outra moeda servem. Produtos consumíveis servem, sei lá shake pra emagrecer por exemplo. Quantas pirâmides existem que todo mundo chama de marketing multinível?

Não existe nada inerente na tecnologia de blockchains que as tornam necessariamente fraudulentas. O problema é o uso do nome. De fato a maior parte dos negócios associados a criptomoedas que ganharam mais notoriedade são ligados a fraudes, em particular pirâmides. E aqui eu vou ser advogado do diabo. Fraudes como essas existem porque as pessoas consomem as fraudes. Isso vale pra tudo. Vira e mexe eu cutuco os tais coaches quânticos e tals mas metade do problema é que eles existem pra atender uma demanda. Por mais bizarro que pareça, existe uma demanda que tá disposta a pagar pra ser enganado, em busca de sonhos irreais a preços baratos.

O comportamento do bitcoin depois de 2017 não está muito diferente dos mercados tradicionais de agora depois do crash pós-carnaval. Muitos cínicos apontaram que nesse crash o Bitcoin caiu também, só que tudo caiu. O Ouro caiu. No fim de 2017 o bitcoin perdeu uns 500 bilhões de dólares de sua valuation. Os mercados tradicionais agora perderam uns 2 trilhões de dólares. Todo mundo quer acreditar que criptomoedas são inerentemente bolhas e fraudes, só que se você afirmar isso precisa adicionar os mercados tradicionais. Os produtos financeiros, securities, ETFs, bonds e tudo mais, tecnicamente se comportam de forma parecida com criptomoedas, são os mesmos conceitos e os mesmos mecanismos.

A grande diferença entre um bitcoin e um dólar é o mecanismo na sua fundação. Você nunca se perguntou porque o dólar é a moeda dominante e de maior valor no comércio internacional? Eu recomendo que vocês pesquisem sobre isso na história, mas existiu uma data pra isso, julho de 1944 depois da segunda grande guerra mundial, quando 730 delegados de 44 nações se reuniram no Hotel Mount Washington em Bretton Woods, New Hampshire nos Estados Unidos pra uma conferência pra definir a política monetária do mundo. E foi aí que definiram o dólar como a moeda de base, que na época era lastreado em ouro, sendo os Estados Unidos o país com a maior reserva de ouro.

Os acordos de Bretton Woods levaram uns 15 anos pra serem implementados. Mas seguindo a história, com o crescimento acelerado nos anos 60, a demanda pela liquidez de dólar e a limitação do lastro em ouro se tornou um fator limitante e que deixava os Estados Unidos vulneráveis. Pra não divagar demais, vou deixar um link nas descrições abaixo sobre isso, mas foi em agosto de 1971 que nascia a primeira moeda totalmente virtual do mundo quando o então presidente Richard Nixon removeu o lastro em ouro do dólar. Nenhum governo estrangeiro que tinha dólares podia mais converter de volta pro ouro e o dólar se estabeleceu com o lastro do mundo.

Entendido isso vamos voltar: qual a diferença do bitcoin pro dólar? Tiranda a parte óbvia que o mundo todo tá dependente de dólar, ou seja, suas dívidas são referenciadas em dólar, a diferença técnica - e aqui depende do entendimento de tecnologias de criptografia -, é que bitcoin foi construído pra se comportar mais ou menos como ouro. Ele tem uma quantidade limitada que vai sendo minerada cada vez mais devagar e um dia ele simplesmente vai esgotar e o que foi minerado é tudo que vai existir, sem exceção. Não existe a opção de se criar mais bitcoins do que o limite programado nele.

Além disso, assim como ouro ou outro material físico que eu posso transferir a propriedade só passando de uma mão pra outra, também uma unidade de bitcoin, ou uma fração dela que denominamos Satoshis, podem ter sua propriedade transferida de uma carteira pra outra carteira, sem cópia, sem duplicar, é uma transferência um pra um, e esta é a grande novidade dos blockchains que não é intuitivo de imediato.

Pense assim, um dos grandes problemas não resolvidos desde o surgimento da internet é sobre como lidar com propriedades 100% digitais. Porque é extremamente fácil e barato fazer cópia de qualquer coisa, da mesma forma quando você copia um arquivo do seu HD pra um pen drive. A cópia é idêntica à original, você não saberia distinguir qual foi o original. Diferente de cópias analógicas como fitas cassette ou VHS onde cada nova cópia deteriora em qualidade. Foi a grande controvérsia das plataformas de pirataria como Napster, Limewire, eDonkey até os dias de hoje com Mega ou Torrent.

Pior ainda, como representar dinheiro ou moedas virtuais? A única forma conhecida de controlar algo assim é confiar em uma autoridade centralizadora que todo mundo confia. Por exemplo, se você joga League of Legends você transaciona na plataforma com Riot Points, que é basicamente uma moeda virtual. Ela tem valor porque só se pode comprar coisas na plataforma com essa moeda virtual. E sua confiança na moeda é igual à sua confiança na empresa Riot Games. O mesmo vale pra qualquer outra plataforma virtual.

Com o dólar é basicamente a mesma coisa. O valor do dólar deriva no seu valor de moeda de troca internacional e como lastro de todas as dívidas do mundo. Pergunta pra Rússia se quando ele vende gás pra China ele prefere ser pago em dólares ou em Yuan. Ou pergunta pra Arábia Saudita se quando ele vende petróleo pra China, ele prefere ser pago em dólares ou Yuan. Aliás, eu pergunto pra você, se tivesse a opção do seu salário ser pago em dólares ou em Yuan, qual você escolheria? Essa confiança é equivalente a confiar no FED, o banco central americano, a única entidade que tem soberania pra imprimir mais moeda e controlar a política monetária. O que é o dólar? A grosso modo, é um número numa planilha, mais especificamente um livro razão ou, em inglês, um ledger.

E um blockchain é só isso: um ledger com garantias que um transação escrita e verificada neste ledger não pode ser modificado nunca mais. A grande diferença do ledger de bitcoin e o ledger do dólar é que no caso do blockchain, não existe uma única pessoa que é capaz de controlar e modificar esse blockchain, é a garantia do algoritmo utilizado, a idéia que conhecemos na ciência da computação como consenso bizantino. Uma das aplicações disso é coordenar sistemas distribuídos. Na prática garante que é altamente improvável reescrever uma transação nesse ledger. Uma vez escrito ele está de verdade na pedra.

No caso do dólar, o FED é o único que controla o ledger e ele pode escrever o que quiser. Que é o que ele tá fazendo agora com o tal Quantitative Easing, escrevendo novos dólares no seu livro razão e boom, 2.2 trilhões aparecem. Claro que não é simples assim, como já expliquei antes, não dá pra ficar criando moeda à vontade porque quanto mais dólares se coloca no mercado sem razão, mais ele desvaloriza o valor da moeda, por exemplo gerando inflação.

E nesse caso, por que existem tantos golpes e fraudes em cima do Bitcoin? Aí já não é culpa da tecnologia de blockchain. O problema é que uma vez tendo um lastro de valor, podemos criar dezenas de produtos financeiros que não ficam registrados no blockchain, basicamente os mesmos que podemos criar em cima dólares. Por exemplo, ações de uma empresa é um produto financeiro. Só que em vez de usar a base de dólares podemos usar a base de bitcoins ou qualquer outra moeda virtual, criptomoedas ou não. Sabe seus pontos de milhagens ou qualquer ponto de fidelidade? São moedas virtuais.

Mas de novo, por que temos tantos problemas de golpes e fraudes em cima de criptomoedas? Porque em termos de produtos financeiros ainda estamos aprendendo o que funciona e o que não funciona. O grande conceito é como o que eu falei do seu cartão de crédito. Quando você paga sua conta no supermercado, nenhum dinheiro trocou de mãos, só a promessa de troca. O dinheiro não saiu da sua conta e nem entrou na conta de banco do supermercado. Só em determinadas datas uma administradora de cartão de créditos faz o pagamento pros lojistas e faz a cobrança via uma fatura pra você. O conceito é que tanto você, consumidor, e o lojista confiam na administradora como intermediador. Se a administradora falir, o lojista fica sem o dinheiro, teoricamente, por isso confiança é um fator fundamental. A gente confia numa VISA porque ela existe faz décadas e dá impressão que vai existir mais algumas décadas.

A mesma coisa na Bolsa de Valores. As corretoras intermediam as compras e vendas entre a Bolsa e você, mas as corretoras em si não são donas das ações e, principalmente, não são donas dos order books ou livros de oferta, o que comumente se chama de "pedra". A grosso modo funciona assim. Toda vez que uma Petrobrás quer vender ações ela registra na B3. Todas as corretoras enxergam a mesma quantidade e começam a receber ordens de compra de seus clientes. "Compre a 50 reais" ou "Compre a 60 reais", é como um leilão e todos esses pedidos são enviados pro mesmo lugar: pro livro de ofertas da B3. Toda oferta colocada por toda corretora é enxergada por todas ao mesmo tempo. Bolsa é um grande leilão, ordens de compra e ordens de venda sendo colocadas num mesmo lugar o tempo todo. É como se fosse um Mercado Livre ou eBay de ações.

Não importa qual corretora você usar, teoricamente você enxerga exatamente o mesmo livro de ordens da B3 pras mesmas ações e outras classes de ativos. O que varia é o nível de serviço e coisas como taxas de administração. Teoricamente, mesmo se uma corretora falir, você não perde suas ações, porque sua propriedade é registrada na B3. É uma puta burocracia mudar a custódia das ações quando você sai de uma corretora e vai pra outra, mas isso é possível.

Muita gente pensa em corretoras de criptomoedas como se fossem corretoras do mercado tradicional como XP ou BTG ou EasyInvest. Porque corretora de cripto tem mais ou menos a mesma interface com vários pares de moedas em negociação como Bitcoin pra Real ou Bitcoin pra Litecoin e um livro de ofertas com ordens de compra e ordens de venda. Porém a grande diferença é que não existe uma entidade como uma B3 que detém a unificação da liquidez, ou seja, não existe um livro de ofertas centralizado. Cada corretora de cripto é também a própria bolsa de valores.

É isso que é um Mercado Bitcoin, Foxbit, ou Coinbase e Binance lá fora: bolsas de valores de criptomoedas e corretoras. Só que o nome disso ia ficar muito longo então comumente chamamos só de Exchanges, que não é muito correto. A minha empresa OmniTrade era a mesma coisa. Agora por que eu abri a OmniTrade em primeiro lugar? Dois motivos basicamente. Eu disse antes que amigos meus começaram a falar sobre bitcoins, trading e tudo mais. Até então eu já tava em mercados tradicionais, seja em bolsa de valores aqui no Brasil e eu já tava dolarizado e em fundos nos Estados Unidos. Felizmente eu tive oportunidade de começar a diversificar faz algum tempo.

Assim como todo mundo eu ouvi todas as histórias que vocês ouviram, sobre o consumo massivo de energia pra minerar, diversos casos sobre uso de bitcoin em crimes, as diversas pirâmides e golpes e tudo mais. Nada disso me interessou, mas a tecnologia por trás eu achei Muito interessante, inteligente e elegante. Se você estudou o mínimo de ciências da computação e um básico de economia, não era difícil enxergar além do hype e das fake news. A base de tecnologia é sólida. Uma evidência disso é que ela está publicamente exposta faz 10 anos e mesmo com o incentivo econômico de lucrar muito, nenhum hacker de nenhum lugar do mundo conseguiu quebrar ainda. Veja meus videos de criptografia e até de Supremacia Quântica pra entender porque. Certamente pode ser melhorado, como tudo em tecnologia, mas a fundação fazia sentido e o resto das notícias era só isso, barulho.

Mas era um fato que a maioria das exchanges, principalmente naquele ponto eram muito ruins. Eu diria lamentáveis. E a maioria de históricos não muito confiáveis. Eu não via um no Brasil que eu olhasse e gostasse da performance e tecnologias, e que tivesse histórico decente. O correto em criptomoedas é não confiar em nenhuma exchange, deixar numa carteira privada sua e ponto final. Porém é muito pouco prático se você que fazer trading. Aliás, eu já aviso aqui, não me perguntem qual eu recomendo porque eu realmente não recomendo nenhuma. Faça sua própria pesquisa assim como eu fiz a minha.

De qualquer forma o que eu queria fazer era realmente brincar na volatilidade. Pra maioria da população, o que todo mundo gostaria de ter é estabilidade, ir dormir com seu dinheiro valendo X e acordar no dia seguinte ainda valendo o mesmo X. Em mercados de risco como ações ou cripto ou qualquer classe de ativos isso não é verdade, você pode ir dormir rico e acordar pobre ou vice-versa. Por isso a gente fala pra quem for amador e não puder perder o que está investido, nem tentar. Sério, fica longe.

E mais ainda em corretoras de cripto porque elas são lojas online onde você não tem como saber sequer se eles tem mesmo os produtos que estão vendendo. Você só vai saber se tem mesmo o que comprou quando tentar sacar pra fora dela. Mas as ofertas ficam dentro da corretora, a volatilidade é alta, ou seja, o preço varia pra cima ou pra baixo o tempo todo. Não dá tempo de transferir o que você tem na sua carteira fora pra dentro de uma exchange a tempo de executar uma ordem de compra que chamou sua atenção. Eu disse que o tempo de mineração de um bloco leva no mínimo 20 minutos no caso de Bitcoin e pode ser horas dependendo do dia.

Por isso muitas pessoas optam por deixar uma boa parte dos seus bitcoins depositados na corretora, o que é cômodo mas um grande risco. Mais do que isso, eles acabam se alavancando. Eu expliquei sobre alavancagem no meu video de COVID, dêem uma olhada. É muito risco pra se assumir considerando que você precisa confiar numa corretora de origem desconhecida que nem tem muito tempo de vida. Toda vez que eu depositava dinheiro ou criptomoedas numa corretora eu ficava extremamente ansioso não se o preço do bitcoin ia subir ou descer, mas se amanhã a porcaria da corretora ainda ia existir e não sumir com meu dinheiro.

Isso foi meu período como trader entre mais ou menos abril a dezembro de 2017. No segundo semestre, meu sócio Rodrigo na Codeminer 42 que é a nossa empresa principal de desenvolvimento de software, me contou que um conhecido dele estava tentando fazer uma nova corretora fazia meses e ainda não tinha conseguido. Obviamente eu imaginei tudo de errado que ele tava fazendo e o Rodrigo brincou se eu não conseguia fazer em menos tempo. Isso foi uma conversa enquanto íamos pra algum cliente enquanto estávamos num Uber.

Então por volta de Outubro de 2017 eu resolvi encarar o desafio. Encontrei uma plataforma open source chamada Peatio. Naquela época e mesmo hoje ela é incompleta mas era um esqueleto muito bom. Se você procurar hoje, nem tente usar do jeito que tá, tem bugs, erros conceituais, e eu reescrevi toda a lógica de comunicação com os servidores de blockchains, todas as verificações de tratamento de filas, daemons, máquinas de estado, integrações e tudo mais. Ele foi feito pra fazer uma corretora pequena que delega a custódia das criptomoedas pra algum serviço de terceiros como a BitGo.

Aliás, aqui vale começar a entender o que está por trás desse ecossistema. Como eu disse sobre a B3 uma corretora tradicional é responsável pela custódia das ações que você compra, não é como no final do século XIX que você literalmente guardava os papeis de ações de empresas num cofre em casa. Assim como o dólar, ações também são digitais hoje em dia. Mas existe essa responsabilidade de custodiar essa propriedade que é regulamentada pela Comissão de Valores Mobiliários, a CVM. Um banco por exemplo, custódia seu dinheiro, pra você não ter que guardar papel moeda embaixo do colchão.

Em criptomoedas, pra você poder negociar dentro de uma corretora primeiro precisa depositar dinheiro ou criptomoedas e com isso ter um saldo pra negociar. Significa que a corretora precisa custodiar seus ativos. No caso de reais tudo bem porque você transfere da sua conta de banco pra conta de banco da corretora. Mesmo se a corretora for chinfrim o dinheiro teoricamente tá num banco grande tipo Caixa Econômica ou Banco do Brasil e não vai simplesmente sumir por erro técnico. Aliás, preciso comentar rapidamente que a integração de APIs de bancos tradicionais é uma grande porcaria e os bancos digitais não me impressionaram nem um pouco também.

Enfim, não existe o equivalente banco pra criptomoedas. Você transfere da sua carteira direto pra carteira da corretora. E aqui é um risco enorme porque se tiver um erro técnico ou vulnerabilidade no código mal feito das corretoras, um hacker ou algo assim poderia roubar essas criptomoedas e isso aconteceu dezenas de vezes em diversas corretoras não só no Brasil como em vários países do mundo tipo Coréia do Sul ou mesmo Japão. Por isso começaram a surgir empresas que se especializaram em ser o custodiante das criptomoedas de forma que corretoras não precisassem se preocupar tanto.

A estratégia é simples. Pra poder cumprir com o volume diário de saques que acontecem normalmente, as corretoras mantém um certo tanto no que chamamos de hot wallets, que são carteiras que a plataforma acessa automaticamente. Mas pra se proteger de eventualmente um hacker invadir a plataforma, mantém-se a maior parte em outro lugar, num cold wallet, que a plataforma não tem acesso automático e normalmente precisa de duas ou mais pessoas de verdade pra assinar a transferência entre as duas carteiras manualmente.

Porém, uma BitGo obviamente precisa lucrar e pra isso ela cobra uma taxa de administração dessa custódia. É meio como um seguro que você paga porque corretamente assume que não sabe como proteger essas coisas. Quem achou que sabia se deu mal e foi roubado por hackers. Eu no meu caso decidi que não ia usar um custodiante e custodiar eu mesmo. E é nesse caso que plataformas open source que você vê por aí não vão te ajudar.

Eu montei minha própria infraestrutura no Google Cloud, fiz clusters separados pra plataforma web que os clientes acessam, outro cluster completamente isolado e sem acesso pela internet pública com os servidores de blockchain de cada criptomoeda como Bitcoin, Ethereum, XRP, Dash e outros, cada qual rodando num container isolado. E a comunicação entre a plataforma web e os blockchains sendo intermediado por um sistema separado de filas e daemons que recebem as ordens antes dos blockchains. Portanto mesmo se alguém achasse uma vulnerabilidade na plataforma web, não teria nenhum acesso direto a nenhum dos blockchains. E quando eu falo blockchains, me refiro às hot wallets, que são cópias dos blockchains de cada moeda com a capacidade de assinar transações usando a chave privada da nossa carteira hot.

Por que eu fiz isso? Porque eu realmente senti que eu tinha know-how suficiente. Está virando um padrão eu dizer isso, mas eu não sou nenhum especialista em segurança, no sentido que meu trabalho principal não é esse. Mas eu estudo e pratico segurança em projetos reais desde a época da bolha da internet de 2001. Vamos dizer que eu sei uma coisa ou duas sobre segurança. E de quebra eu queria mesmo exercitar Kubernetes então aproveitei pra aprender Kubernetes e subir a estrutura que eu tinha em mente, e isso foi meu mês de dezembro de 2017.

Nesse ponto eu já não tava programando sozinho. Alistamos vários programadores da Codeminer pra me ajudar, alguns refizeram o front-end, alguns me ajudaram a corrigir mais bugs que fomos encontrando na plataforma open source, atualizando diversas bibliotecas e práticas de código antigas, adicionando testes automatizado pra muita coisa que não tinha e no final ele ficou razoavelmente melhor e internamente diferente do que era o open source original.

Em janeiro de 2018 a bolha já tinha estourado. Mas tudo bem, por um lado eu achei que seria bom porque muitas das corretoras ruins ou realizando más práticas iam sumir com o tempo então continuei desenvolvendo e foi quando decidimos contratar uma empresa terceira de auditoria de segurança, que passou o mês realizando testes pra ver se havia alguma vulnerabilidade que eu não tinha visto. Nenhum sistema online é 100% seguro e se eu fosse o invasor havia alguns caminhos bem tortuosos que eu podia tentar pra invadir, mas a chance era improvável demais dada a infraestrutura e contingências que colocamos.

Daí por volta de fevereiro o desenvolvimento da primeira versão tava completo e a auditoria voltou que depois de um mês de tentativas pelo menos nenhum bug grosseiro foi encontrado. Então lançamos ao público sem muito barulho. Nosso pensamento na época e desde então foi o seguinte: o mercado ainda estava infestado de piramideiros e corretoras ruins. Vamos acreditar no mercado, que em 1 ou 2 anos, agora que a histeria da bolha estourou, pra deixar ele se auto-regular. Enquanto isso ficaríamos operando sem muito barulho e construindo credibilidade por não oferecer produtos ruins e estando sempre solventes, que era outra coisa que poucos ofereciam: garantia que tudo que você deposita vai conseguir sacar sem nenhum problema. Isso é tanto verdade que agora que fechamos devolvemos tudo aos clientes. Isso é quase uma novidade nesse mundo onde várias empresas de criptomoedas fecham e nunca devolvem tudo dos clientes.

No mínimo agora eu tinha onde depositar as minhas próprias criptomoedas e dormir tranquilo sem acordar no dia seguinte e descobrir que a maldita corretora foi hackeada ou faliu. E durante os meses seguintes fomos melhorando mais bugs, performance, escalabilidade, segurança e adicionando mais criptomoedas. Não sei se eu era o único mas com certeza era um dos poucos que custodiava tudo nos meus próprios servidores de blockchain.

Agora tem outro problema. Liquidez. O problema do ovo e da galinha de qualquer corretora é que todo novo cliente entra numa plataforma dependendo do livro de ofertas. Se não tiver ninguém negociando, ninguém entra. Mas se ninguém entrar nunca vai ter ninguém negociando. Por causa disso muitas corretoras simplesmente mentem no livro de ofertas e adicionam volumes completamente falsos. Se você não entende tudo que eu falei até agora, não iria conseguir diferenciar, mas se parar pra observar não é tão difícil encontrar os padrões de um livro falso. Volume falso então chegava a ser vergonhoso.

Não digo que é só no Brasil não, em diversos países da Ásia como na China você via várias falsificando os volumes na cara dura. É uma falsa liquidez com o objetivo de atrair pessoas de verdade e ir substituindo as ordens falsas por ordens de verdade. Se fossem só ordens falsas mas que representam um volume de verdade ainda vá lá. Eu diria que o mercado tradicional faz a mesma coisa, particularmente no mercado de opções que tem bem menos liquidez que no de ações. Liquidez é sempre o problema.

Pra não ter que fazer números falsos nas plataformas ainda existe outra opção, os market makers. Literalmente eles criam o mercado e garantem a liquidez, ou seja, se ele colocar uma ordem de venda de 1000 reais, e alguém quiser comprar nesse preço, ele vai conseguir fechar a ordem. Existem várias pessoas e empresas que fazem isso no Brasil e fora. Porém eles cobram uma margem de lucro pra eles, taxas de serviço. E não vou dizer qual, mas uma das mais conhecidas começa cobrando na faixa de 20 mil reais por mês pra preencher seu livro de ofertas e oferecer liquidez.

Como nosso objetivo não era crescer rápido, ainda mais que todo mundo ainda tava no choque do estouro da bolha de 2017, preferimos crescer organicamente. Eu e meu sócio colocamos nossas próprias criptomoedas e fomos crescendo um cliente de cada vez. A gente não tinha pressa porque a OmniTrade sempre foi um negócio razoavelmente enxuto. Pra chamar gente massivamente precisaríamos gastar ordens de grandeza mais dinheiro do que gastamos pra construir a plataforma só em marketing, só que mesmo assim a reputação de criptomoedas estava nos chinelos graças aos piramideiros e a toda a publicidade negativa nos noticiários. Como você reverte a má reputação se na TV, jornais, revistas e tudo mais todo mundo associou criptomoedas com piramideiros?

Como sempre, nós sabemos que depois de um crash, uns dois anos depois os mercados tendem a começar a se recuperar. Povo tem memória curta, então toda a má reputação ia começar a se dissipar, e se fizéssemos um bom serviço e continuássemos a evoluir a plataforma, a gente encontraria uma janela de oportunidade no futuro. Nós não tínhamos a necessidade de forçar a barra bem naquele timing horroroso. Além disso, em maio de 2020 aconteceria o evento de halving, que em termos simples é o aumento automático da dificuldade de minerar bitcoins, diminuindo a oferta, o que naturalmente segue com um aumento do seu valor, o que poderia ser gatilho pra uma nova corrida de crescimento.

Então 2018 foi um ano de observação e aprendizado. Foi em agosto de 2018 que eu abri este canal e resolvi postar alguns videos das minhas observações dos mercados. Eu queria ver com meus próprios olhos como a Europa, Ásia e Estados Unidos estavam se comportando e por isso fui pra Seoul, Ilha de Malta, São Francisco e documentei nos primeiros videos deste canal que vocês podem assistir na playlist de Blockchain que vou deixar nas descrições abaixo. E eu ainda vi muito oba oba, muito confete e muita promessa. O mercado ainda não aprendeu com o crash de 2017 e por isso durante toda a vida deste canal você não me viu jogando mais lenha nessa fogueira.

Enquanto isso, meu negócio principal é a CodeMiner. Eu falei rapidamente dela no video de Aprendendo a Aprender. Também falei que a gente costuma jogar desafios pros estagiários e juniors. Um desses desafios era participar da manutenção da OmniTrade. Como eu falei brevemente, a infraestrutura é complicada pra um iniciante, com diversas peças móveis e vários conceitos que pouca gente conhece tanto sobre blockchains quanto finanças. E sempre tivemos um backlog de melhorias, novas funcionalidades, e por dois anos quase todo estagiário que entrou na Code teve que se exercitar puxando alguma tarefa da OmniTrade. Só o setup do projeto todo já é mais complicado que a maioria dos projetos web por aí então era um bom exercício.

Outro conceito que eu já falei em outros videos, como no Começando na Carreira de TI é que eu acredito que tanto um estagiário quanto um sênior devem ser capazes de chegar numa solução similar de código. A diferença é que um sénior já teve anos de experiência e de 20 caminhos diferentes, ele sabe que 18 não vão funcionar, daí ele foca nos 2 de maior chance. Um estagiário não sabe e ele é obrigado a testar todos. A razão pela qual código de estagiário tem má reputação é porque esperam que ele chegue na solução certa no mesmo tempo que um sênior chegaria e sem ninguém revisando. Obviamente vai dar errado. Simplesmente coloque ele perto de alguém mais experiente que vai eliminar 18 tentativas que ele já sabe que não funciona, e que revise o código depois, pra rejeitar as tentativas erradas; e se o estagiário tiver o perfil que falei no video anterior, ele chega num resultado razoável.

Portanto, por 2 anos a OmniTrade também serviu como um bom laboratório pra todos os programadores da empresa. Vários excelentes programadores que estão hoje atendendo meus clientes dos Estados Unidos passaram por isso. Portanto a plataforma representou uma melhoria de qualidade pra Codeminer. A estrutura ficou tão azeitada que eu tirei as mãos, que é outro sinal de maturidade quando o programador original pode parar de mexer e a plataforma não quebra. Se um sistema depende excessivamente do programador original, ele provavelmente está mal feito. Um teste de saúde de todo bom sistema é rotacionar os programadores, fica a dica.

Mesmo não investindo em marketing pelos motivos que expliquei, mesmo não tendo nenhuma equipe de desenvolvimento em tempo integral porque era usado tempo da Codeminer, mesmo não pagando serviços de custodiantes nem de market makers, ainda assim os custos operacionais da OmniTrade chegavam perto de 50 mil reais por mês. É um custo de mais de meio milhão de reais por ano que saía do meu bolso e do meu sócio Rodrigo.

Aliás, isso pode parecer bastante coisa, mas lembrem-se de quanto está o real comparado com dólar. Isso dá míseros 200 mil dólares por ano, que nos Estados Unidos é o salário anual de um bom programador em Silicon Valley. Eu poderia chutar que existem corretoras que pagam bem mais que isso por uma plataforma inferior. Mas chegamos em 2020 e vocês já sabem o que aconteceu.

Foi uma pena fechar porque havia mais coisas que não tentamos porque não precisávamos naquele momento. A arquitetura que montamos aguenta até um nível de escala. Pra um nível mais massivo do tipo pra suportar uma Coinbase ou Binance, precisaria de outra arquitetura. Mas não fazia sentido fazer a mais complicada antes do tempo. Outra dica: você não precisa da solução mais complicada no dia um e sim, se você der certo você vai reescrever uma parte ou todo o seu software, é inevitável. Não me venha com conversas de amador de “vamos fazer ‘certo’ da primeira vez” porque isso é garantia de gastar demais e fazer errado.

Mesmo antes desta crise, o mercado de criptomoedas continuou com os malditos piramideiros, poucos sobreviveram, e continua custando caro tentar se diferenciar dos golpistas. Pra fazer a OmniTrade ir pro próximo nível precisaríamos gastar ordens de grandeza mais do que já gastamos só em marketing. E em 2020 obviamente não vamos fazer isso, e não parece que vamos poder fazer em 2021 já que esta crise nem começou ainda. Pior, assim como a empresa de todo mundo, esta crise põe em risco a minha empresa principal, a Codeminer. Felizmente até hoje não tivemos que demitir nenhum programador, mas como eu disse, esta crise não tem data pra acabar.

Portanto a coisa racional a se fazer é cortar todos os custos não essenciais e neste ponto, a OmniTrade não é essencial pra sobrevivência da Codeminer, então a decisão que precisa ser tomada rápido, é clara. O que já foi investido chama-se custo perdido. E o que vamos deixar de gastar agora chama-se "fazer caixa" que é a prioridade número um de todo empresário no mundo. Quando não se tem uma data pra acabar a crise, nem todo o caixa do mundo pode ser suficiente.

Como não somos nenhuma corretora gigante, não foi tão difícil desligar a plataforma. Primeiro desligamos as negociações. Comunicamos todos os clientes de inúmeras formas e alguns tentamos inúmeras vezes, até ligando um a um quem não estava respondendo. Até o dia de hoje, praticamente todos fizeram saques, ainda temos uma pequena lista de pessoas que não encontramos de jeito nenhum, mas os saldos de todos estão na cold wallet e vamos continuar devolvendo até o último. Eu tenho zero interesse em ficar com o dinheiro dos outros.

Com tudo isso dito, alguns podem se questionar se eu parei de acreditar em criptomoedas. E a resposta é não. Voltando à situação atual, eu disse que os bancos centrais estão se vendo numa situação ruim onde estão sendo obrigados a imprimir mais dinheiro, desvalorizando ainda mais as moedas. E nós estamos só na primeira onda da pandemia. Muitos acreditam que podemos estar pra entrar numa segunda onda. A recuperação aparente dos mercados financeiros não é uma garantia e eu diria que a probabilidade maior é que nós ainda vamos ver mais um crash brutal nas próximas semanas ou meses. O crash pós carnaval fez os mercados perderem uma média de 40% do seu valor. Eu ainda acho que vamos chegar a 50% antes de enxergar o fundo.

Eu ainda estou segurando os bitcoins que eu comprei em 2017. Comprei mais em 2018 e um pouco em 2019. Não só criptomoedas, estou comprado em ouro também, imóvel, dólar, fundos e ações. Eu diversifiquei o quanto eu podia e mesmo assim pode não ter sido suficiente. E aproveito pra dizer, eu não sou analista financeiro, por isso não me façam perguntas do que você devia fazer com seu dinheiro ou investimentos, porque eu não pretendo responder. Eu mesmo não tenho certeza dos meus, e eu tenho amigos que tem anos de experiência no mercado financeiro. Faça sua lição de casa.

No caso particular de bitcoin, o próximo grande evento pra ficar de olho é o halving, que acontece mais ou menos a cada 4 anos. Só aconteceram dois na história até agora, em novembro de 2012 e em julho de 2016. O próximo vai acontecer daqui 26 dias a contar de hoje, 15 de abril de 2020. Aqui eu diria que “se ficaram com dúvidas pra mandar nos comentários abaixo”, porém o video do COVID-19 que eu fiz acabou viralizando e atraiu todo tipo de gente fazendo comentários inúteis. Eu leio praticamente todos os comentários que vocês fazem e aquilo virou improdutivo por isso desativei. Se acontecer a mesma coisa com este vou desativar também então atenha-se a comentários de verdade. Enfim, se curtiram o video mandem um joinha, assinem o canal, cliquem no sininho pra não perder os próximos episódios e não deixem de compartilhar com seus amigos. A gente se vê na próxima, até mais!

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