[Akitando #141] Conversando sobre TDAH, Autismo, Ansiedade e Depressão | Tirando a Camisa de Força

2023 April 25, 09:00 h

Assunto delicado mas importante. Muitos não sabem que podem ter transtornos neurológicos como TDAH, Autismo, que podem ser a razão de crises de ansiedade, depressão. E isso pode estar afetando seu aprendizado, sua carreira e seus relacionamentos. Vamos entender o que de fato são esses transtornos, como eles se manifestam, como funcionam e o que você poderia fazer.

Capítulos

Links

SCRIPT

Olá pessoal, Fabio Akita

Imagino que o thumbnail deixou vocês preocupados de alguma forma, e tenho certeza que alguns vieram aqui pra saber que merda que o Akita vai cagar regra. Então deixa eu já começar com um enorme disclaimer: este video, de maneira nenhuma, deve servir de base pra diagnóstico de ninguém. Então qual o objetivo?

Quero falar um pouco sobre desordens psicológicas, que é um assunto muito importante, que afeta seu aprendizado, sua carreira, relacionamentos e sua vida em geral. Este video provavelmente vai ser o único onde vou falar sobre esse assunto, então vai ser denso como de costume.

"Porra Akita, você não é psicólogo nem nada, vai cagar regra até nisso?" Tem toda razão de pensar assim! Não é um assunto pra ser discutido sem cuidados. Nada do que vou dizer hoje é recomendação, muito menos substitui consultar um especialista licenciado. Nem este video, nem nenhum que você encontrar online, especialmente nos TikToks da vida, representa qualquer tipo de solução, só informação.

Lifehacks são divertidos de compartilhar, mas a intenção de hoje não é isso também. É aumentar awareness ao problema. Embora eu não goste da palavra em português, é contribuir na "conscientização". Tentar ajudar a tirar o estigma e alguns mitos. Tudo isso tem base científica e tem toneladas de pesquisa pra entender.

Minha experiência e interesse existem porque ao longo de anos, sempre acabei me relacionando com pessoas neurodivergentes. E eu não gosto de não entender o que está acontecendo. Mais do que isso, eu mesmo sou neurodivergente. Sim, eu fui diagnosticado com T.E.A. transtorno do espectro autista, nível 1, por psicólogo, um ano atrás. Portanto também significa que eu queria entender um pouco mais de como minha própria cabeça funciona.

(...)

Faz anos que esse assunto fica flutuando na minha cabeça. Por um lado, eu sempre sou super cético. Alguns assuntos, categoricamente podemos dizer que é pseudociência, seja astrologia, homeopatia, os MBTI da vida. Sendo eu um boomer, muitos problemas psicológicos e psicologia em geral, na minha cabeça, sempre pareceu encaixar mais com pseudociência que ciência. Tenho certeza que muitos dos meus pares, povo da faixa de 40 anos pra cima, ainda pensam assim. E é um dos motivos que resolvi explicar um pouco disso.

O que está mais na moda falar é TDA ou TDAH, que em inglês é ADHD, o famoso transtorno ou desordem de déficit de atenção. Procurando no YouTube vem centenas de videos sobre isso. Comparando com meu próprio conhecimento antes de pesquisar sobre, sei que é muito fácil entender esse transtorno da maneira errada. Pra começar, todos vocês assistindo, ou são considerados neurotípicos ou neurodivergentes.

Neurotípico é um termo usado pra descrever pessoas cujo desenvolvimento neurológico ou padrões de comportamento são considerados típicos ou "normais" pra determinada idade ou cultura. Vocês não costumam ter diferenças significativas em processamento sensorial, interações sociais ou estilos de comunicação.

Neurodivergente, por outro lado, é um termo usado pra descrever pessoas cujo desenvolvimento neurológico e padrões de comportamento são considerados "atípicos" pra faixa etária ou cultura. Isso pode incluir condições como TEA ou transtorno do espectro autista como no meu caso, ou coisas como TDAH, dislexia e outras condições de processamento cognitivo, sensorial ou emocional.

Importante explicar, coisa que eu também não entendia, que neurodivergência não é uma patologia, uma doença, mas uma variação nas funções neurológicas. Significa dizer que o perfil psicológico é diferente do que é considerado "típico". Pessoas neurodivergentes sofrem com problemas mas ao mesmo tempo podem ter formas únicas de esforço, perspectiva e jeitos de interagir com o mundo, que tem muito valor. Vou chegar nesse ponto.

O problema é que, sem as informações adequadas, quem sofre disso pode realmente achar que é uma doença. E como não é visível como uma perna amputada, essa pessoa pode sentir muita vergonha, muita culpa. E isso vai evitar que ela procure o tratamento adequado. Todos os transtornos psicológicos são espectros. Significa que não existe um tratamento geral pra todo mundo. Não existe fórmula mágica. E ao sofrer as consequências desses não entendimento, muitos podem cair em problemas maiores depois. Deixa eu ilustrar.

Vamos começar com algumas perguntas. Você costuma ter pensamentos de que não é bom o suficiente? Inclusive no sentido de supervalorizar seus fracassos e subestimar ou desvalorizar seus sucessos? Na sequência, isso te leva a pensar que fracassa tanto que ninguém liga pra você ou vão deixar de ligar pra você? Afinal, porque alguém iria ligar pra alguém fracassado né? Daí você costuma ter a sensação de, "pra que me esforçar", é melhor ficar sozinho, não? Talvez doa menos. Pior, você se sente constantemente cansado, indisposto, até com aquela sensação que tá meio doente? E aí pensa, lógico, nem eu me aguento comigo mesmo, quem vai querer ficar perto de alguém como eu?

Se pensa até aqui, provavelmente já deve ter pensado algo como "além do mais, ninguém entende como eu me sinto". E é verdade, muitas das pessoas ao seu redor não tiveram que passar pelo que você passou, mas seu pensamento vai além, você acha que ninguém vai ser capaz de te ajudar, nem mesmo ajuda profissional. Você acha que seu caso é único, seu fracasso vai ser constante, seu esforço parece inútil?

Pior do pior, quando outras pessoas te vêem nesse estado, ficam te falando "vai fazer exercícios, vai comer melhor, vai fazer alguma coisa", e você vê todo mundo conseguindo fazer atividades que você não consegue e, de novo, isso aumenta sua sensação que é tudo culpa sua, certo? Você se sente culpado de ser incapaz de se tirar dessa situação desesperançosa, e se afasta mais ainda das pessoas. FInalmente, isso te leva à inevitável conclusão de que nada mais importa, nada do que você tenta fazer jamais vai ser suficiente, e claro, você nunca vai melhorar.

Já pensou dessa forma repetidas vezes? Ao ponto de ficar debilitado, sem querer fazer nada, faltando faculdade, faltando trabalho, faltando eventos sociais ou familiares? Ficando o dia todo maratonando Netflix, maratonando TikTok, ou no seu LOL ou Valorant da vida, horas e horas sem parar? Ou simplesmente escondido na sua cama o dia todo? Você está ficando pra trás, todo mundo parece tão distante lá na frente e você sente que não tem o que fazer?

Se sim, é possível que você esteja experimentando sintomas de depressão. Coisas como TDAH, autismo ou outros transtornos, se não forem tratados, podem te levar a pensar dessa forma. E de novo, não estou tentando te dar um diagnóstico, mas se sente assim, no mínimo deveria procurar um especialista, porque ao contrário do que parece na sua cabeça, essa situação é ruim, mas não tanto quanto pensa e o principal, isso não é permanente. Agora deixa eu explicar porque alguns chegam nessa linha de pensamento.

Vamos pegar TDAH por exemplo, transtorno de déficit de atenção. A primeira impressão é que se trata de uma pessoa que tem dificuldade de prestar atenção em alguma coisa. Só que não é isso. Se uma criança é diagnosticada com TDAH, alguns pais podem discordar, porque eles vêem que essa criança consegue ficar o dia inteiro jogando os Fortnite ou Roblox, nem precisa comer, está em hiperfoco. Mas não consegue prestar atenção na aula ou estudos. Então ela não tem déficit de atenção, só é preguiçosa mesmo.

Antes de continuar, deixa eu fazer mais um disclaimer. Existem sim, pessoas que que por diversos motivos se tornam maliciosas, mau caráter, desonestas e tudo mais. Vou pular esses casos, não é esse o foco de hoje. Assuma por um segundo que a criança do exemplo, não tem razão pra ser desonesta. Vou assumir que você assistindo é honesto.

E sim, de fato essa criança hipotética tem capacidade de hiperfoco em algumas atividades e não em outras, e isso é um déficit de atenção. Déficit não significa que ela tem atenção baixa o tempo todo, significa que, comparado com uma pessoa típica, tem uma montanha russa de atenção: algumas vezes super abaixo, algumas vezes super alto, e o principal: não tem controle sobre isso. Por isso é um transtorno ou desordem, não é uma incapacidade.

Algumas pessoas romantizam o tal hiperfoco, mas pra pessoa com TDAH não parece tão legal assim porque não é um super poder que pode ativar quando bem entender. Uma das melhores metáforas que encontrei foi assim: digamos que essa pessoa tem um compromisso muito importante às 6 da tarde. Fodeu. Ela vai passar o dia todo ansiosa com esse compromisso e vai ser incapaz de fazer qualquer outra coisa durante o dia até essa hora. Ou, se conseguir começar a fazer, é possível que esqueça do compromisso original.

Por que? Faz de conta que sua cabeça tem um editor de textos. Os neurotípicos conseguem salvar o documento parcial, deixar de lado, e abrir outros documentos pra trabalhar. Já uma pessoa com TDAH não tem a funcionalidade de salvar. Ou ela mantém o documento aberto até as 6 da tarde, ou se fechar, pode perder. Não é exagero, é assim que funciona.

Todo mundo tem algum grau de inatenção, hiperatividade ou impulsividade, que são características de TDAH. O problema é quando o transtorno afeta negativamente a vida da pessoa, ou seja, ela começa a se tornar incapaz de funcionar como gostaria, vai mal na escola, vai mal no trabalho, vai mal nos relacionamentos. E não é um episódio isolado, onde podemos identificar um momento de estresse, como ser despedido do emprego. É frequente durante a vida, desde a infância. É nesse caso que realmente precisa procurar tratamento.

Uma pessoa que, de vez em quando, esquece alguma coisa, de vez em quando faz alguma coisa impulsiva, de vez em quando fica distraída, isso é normal, é típico. Todo mundo passa por eventos estressantes vez ou outra que levam a isso. Você não "ganha TDAH" só porque passou por uma situação estressante. Tendo sido diagnosticado ou não o TDAH já existia desde que era criança.

E é por isso que TDAH é também um transtorno muito mal diagnosticado. Ao mesmo tempo muita gente que não sofre do transtorno acha que tem, e muita gente que tem, acha que não tem. Um exemplo disso são crianças com QI mais alto. Ironicamente, pessoas mais inteligentes, podem sofrer mais com esse tipo de transtorno. Por exemplo, imagine uma criança com TDAH que é forçada a participar da chatice de uma sala de aula normal. Ela tem dificuldade de prestar atenção.

Aí o professor nota a pessoa desatenta e chama ela pra responder uma pergunta da aula. O aluno se assusta, mas ele já sabe, o TDAH deixou ele distraído, tava mais focado girando caneta nos dedos. Mas ele é altamente inteligente, rapidamente lê a lousa, olha onde o livro do amigo do lado, tenta achar a resposta via pura dedução. Por acaso acerta, o professor faz o "hum", e volta a dar aula.

Via força bruta, ele bypassou o prejuízo da inatenção. É um jeito dela não ser diagnosticada com tendo TDAH. Pessoas neurodivergentes, não só TDAH, nós costumamos ter diversas técnicas pra meio que "mascarar", pra passarmos despercebidos num mundo feito pra neurotípicos. É algo que fazemos inconscientemente, como um mecanismo de defesa.

Deixa eu voltar num ponto que falei antes: transtornos psicológicos, no mundo Ocidental, costumam ser percebidos como uma chave de liga e desliga: ou a pessoa tem, ou não tem. É tipo tem câncer ou tem diabetes. É tudo ou nada. E faz sentido, esse tipo de doença, por todo o século XX, sempre foram as prioridades, são problemas literalmente mortais, se não tratados.

Por causa disso, problemas psicológicos sempre foram uma categoria de menor prioridade e menos atenção. Muita pesquisa nova e importante tem acontecido nos últimos 20 anos, ainda é um campo em desenvolvimento. Não sabemos tudo, mas por esse lado, nem coisas como câncer sabemos tudo ainda. Não nos impede de tratar e ter sucesso nos tratamentos. Digo isso pra tomar cuidado porque muitos ainda usam uma cartilha antiquada, de décadas atrás pra falar desses transtornos.

O que sabemos hoje é que esse tipo de transtorno é um espectro, um intervalo, e não um valor discreto. É como no meu caso de autismo. Por muito tempo, na minha cabeça, autismo era como um Dustin Hoffman em Rain man, talvez o mais famoso de todos. O meu grau de autismo não é alto, é o que antigamente se chamava de Asperger, hoje é grau 1 de autismo, o Rainman provavelmente era grau 3. Mesmo esses "graus" são só guias, de novo, não é uma chave com 3 valores discretos. É como um termômetro, o que é quente ou frio? São espectros, uma gradação.

Uma pessoa com TDAH não é alguém 100% inatento, 100% impulsivo e 100% hiperativo. São graus que variam dinamicamente dependendo da situação e diversas condições fisiológicas. E falando em fisiologia, a gente costuma pensar nesses transtornos como algo que é exclusivo dentro da mente da pessoa. Por isso muitos pensam: "só lida com isso e resolve". Mas o problema é físico tanto quanto é mental. E é aqui que quero quebrar a noção de que isso é tudo um problema inventado. É um problema físico e mensurável. Diversas pesquisas neurológicas já objetivamente mediram, por exemplo, usando ressonância magnética do cérebro.

Falando bem a grosso modo, nosso cérebro não é uma máquina simples e ainda não sabemos tudo dela. Mas já conhecemos o funcionamento de diversas regiões diferentes. Vamos entender algumas. Temos a insula que é uma região do cérebro localizada bem fundo no córtex cerebral, e tem diversas funções como processamento de emoções, habilidade de sentir e entender o estado interno do corpo, cognição social.

Temos a amygdala, que é diferente da amigdala na garganta, que em inglês é tonsil e eu sempre me confundo. No cérebro ela tem estrutura no formato de uma amêndoa, localizada fundo dentro do lobo temporal, e tem um papel importante no processamento de emoções, particularmente medo, ansiedade e agressão. Guarde essa informação, vai ser importante.

O nucleus accumbens é o sistema de recompensa do cérebro, localizado no prosencéfalo basal, responsável pelo processamento de prazer, recompensa e a tal da motivação. Mais pra cima, na região do lobo frontal temos o cortex prefrontal dorsolateral, que se envolve nas funções executivas, como memória de trabalho, a nossa RAM, flexibilidade cognitiva, tomada de decisões.

Finalmente, na frente temos o córtex frontal orbital, também no lobo frontal. Ele se envolve em tomada de decisões, regulação das emoções e comportamento social. Pra ilustrar, imagine que a região da insula e amygdala são responsáveis por te dar medo ou ansiedade.

Alguém estranho se aproxima de você, do nada, no meio da rua deserta, a noite. Adrenalina é produzida em segundos e você sente fisiologicamente: sua pulsação aumenta, sua respiração aumenta, sua visão periférica fecha, pupilas dilatam, você foca. É a reação de fight or flight, seu corpo sentiu uma ameaça, e te coloca em estado de fugir ou lutar.

Mais informação chega no seu cérebro à medida que você reconhece esse estranho, e na verdade era um conhecido seu, que você não tinha percebido. Possivelmente, seu córtex frontal orbital entra em ação e faz a computação cognitiva de mais alto nível, analisando se é mesmo uma situação que oferece risco ou não. E ao decidir que não, pode pedir pra regular a amygdala e desligar o alarme, vamos assim dizer. Não quer dizer que é exatamente assim que acontece, mas de novo, só pra ilustrar como esses componentes poderiam funcionar juntos.

Outra situação é que você quer entrar em forma, resolve fazer uma dieta. Seu centro de gratificação, o nucleus accumbens, junto com o cortex frontal, vão computar e avaliar o que todo mundo chama de "bom senso". Se comer um doce agora, vou ficar gratificado agora, mas vou me arrepender amanhã. Daí ele põe na balança, e toma a decisão correta de, "ok, não preciso comer esse doce agora". Pra neurotípicos, esse tipo de reação é normal, você sente uma pequena ansiedade, mas os sistemas de regulação entram em ação e você não tem nenhum tipo de sofrimento extra.

Não é o que acontece na cabeça de um neurodivergente com TDAH. Embora existam diversas pesquisas, ainda não é um consenso sobre exatamente os mecanismos, mas pra simplificar, entende-se que existe uma correlação entre pessoas com TDAH e alguma desregulação de receptores de dopamina em diversas regiões do cérebro. Justamente o neurotransmissor que é produzido quando temos alguma experiência boa, como comer um doce. A produção de dopamina é uma das formas de reinforçar comportamentos que tem benefício pra nossa sobrevivência. É como a gente se auto-treina.

Mas não só isso, dopamina está envolvido em outras coisas como controle de movimentos, em particular movimentos voluntários. Também é importante pra processar informação relacionado a recompensa e punição. E também se envolve na regulação de humor e emoções. Você consegue entender que se isso é desregulado, começa a fazer sentido pessoas que são "desastradas", ou tem dificuldade de aprender, ou tem mudanças de humor estranhas.

E cuidado que existe outra desordem ligada a mudanças de humor, como desordem bipolar, que é diferente de TDAH e se trata diferente também, nem os medicamentos são os mesmos, aliás, medicamento de TDAH pode piorar bipolaridade. Por isso não devemos nos auto-avaliar e muito menos se auto-medicar.

Problemas graves de desregulação de dopamina tá relacionado a doenças consideradas mais sérias como Parkinson ou Esquizofrenia, vícios, mas em outro grau do espectro, também com TDAH. Outro aviso, cuidado, desregulação de dopamina é um fator, mas não é a causa de TDAH. Some a isso que algumas pesquisas escaneando o cérebro de diversos pacientes notou que de fato, regiões como insula e amygdala tem volume menor, e ao contrário do bom senso, isso pode causar hiperatividade nessas regiões.

Significa que os sinais de medo e ansiedade são amplificados muito além do normal, somado a um centro de recompensa desregulado, e pra piorar, tendo menos influência, menos regulação do córtex frontal orbital, que ajudaria a desligar esses alertas. Assim começa o tal transtorno do ponto de vista fisiológico. De novo, não é um problema inventado, é consequência dessa desregulação química.

Um fato que todos precisam entender é que emoções não existem à toa. Toda emoção são reações químicas e neurológicas que cumprem alguma função de sobrevivência. São ferramentas que foram sendo adaptadas e ajustadas ao longo de centenas de milhares de anos. Sentir medo ou ansiedade são características normais, mas no mundo moderno, esse sistema ainda não conseguiu se readaptar.

Um dos efeitos colaterais é esse déficit de regulação emocional. A pessoa com TDAH tem uma amplificação da sensação de medo e ansiedade em momentos ou situações que uma pessoa neurotípica não sentiria quase nada. Ela pode reagir de forma muito mais agressiva do que o momento exigiria. Isso deixa a pessoa mais irritável também e, claro, essas coisas somadas levam a problemas de relacionamento. Não só romântico, mas familiar, no trabalho.

Entendendo isso vamos imaginar um cenário. Uma criança que ninguém sabe que tem TDAH. Todo mundo tá conversando sobre filmes, sei lá, e essa criança não consegue acompanhar. Pro cérebro dela, começa a entediar rápido, ela se isola mentalmente. A cabeça está viajando em diversos pensamentos e por causa da impulsividade, do nada, ela interrompe a conversa e começa a falar de outro assunto nada a ver, tipo, de videogame. Mas não é que ela quis ser rude porque não tava gostando da conversa. Na cabeça dela acho que nem tava notando que estavam conversando, ela só quis começar a falar, por impulso.

Repita episódios assim ao longo dos anos na escola. Não só inatenção, impulsividade, mas hiperatividade, irritabilidade. Todo mundo acha essa pessoa esquisita. Não convida mais pra eventos sociais. Todo mundo achando ela esquisita, se torna o alvo favorito pra bullying. Essa criança não entende porque é o alvo ou porque acham ela esquisita. Em alguns casos, pode se safar se for do tipo que consegue ser tipo o palhaço da sala, a pessoa engraçada que consegue fazer os outros rirem.

Mais comum vai ser ela começar a notar o padrão. Os bullies só aparecem quando tem outras crianças por perto. Todo bully gosta de uma platéia. Então ela entende que ter pessoas por perto é uma situação de perigo. E isso é reinforçado. Portanto, toda vez que se vê perto de um grupo de crianças, dá meia volta, se esconde. Ela começa a ficar boa em evitar grupos porque o sistema de defesa deixa ela ansiosa perto de outras pessoas. Você se torna um adulto que se considera anti-social, que tem ansiedade perto de estranhos. Eis uma forma de como isso poderia surgir.

Antes de continuar, eu falei anti-social no sentido de se afastar das pessoas, mas não confundir com transtorno de personalidade anti-social que é um padrão de não se importar com as outras pessoas, não ter empatia ou remorso. Esse tipo de transtorno fala de pessoas que são mentirosas, manipuladoras, roubam, agridem, e coisas assim. É completamente diferente. E se pra alguns isso pareceu narcisismo, isso é outro transtorno diferente. E de novo, é por isso que ninguém deve sair se auto-diagnosticando.

Enfim, ansiedade não é só adrenalina alta por alguns minutos. Outra substância importante na reação de fight or flight é cortisol. Se numa situação de perigo no meio da floresta de antigamente, adrenalina é o boost de energia nos primeiros minutos pra você conseguir dar no pé, cortisol é a energia que vai durar 24 horas pra manter você correndo até conseguir se afastar do perigo. Imagina, tem um tigre no meio da floresta, você tem que conseguir fugir sem parar um segundo. Adrenalina e cortisol são justamente os tais hormônios de estresse.

Mas não pára nisso. Correndo no meio do mato cerrado, você vai se arranhar, se cortar, e isso pode infeccionar. Imagina que trágico conseguir correr do tigre só pra morrer depois por infecção? Ao mesmo tempo que os hormônios de estresse ativam, em paralelo seu sistema imunológico também entra em ação. Milhões de células brancas dormentes se ativam e se preparam pra combater infecções.

Mas estamos no século XXI. Hoje não tem uma situação de correr na floresta por horas e se machucar. Sua ansiedade social perto de outras pessoas, tá amplificado, mas felizmente você não vai se tornar comida de tigre. Mas e o cortisol e sistema imunológico que ativaram? É só se acalmar que desligam e tá tudo bem? Ah, se fosse fácil assim.

O cortisol extra vai garantir que você não vai conseguir dormir. Insônia, pode causar hiperatividade no meio da noite. Só que você precisa dormir, porque precisa acordar cedo pra faculdade ou pro trabalho. Agora fodeu. Sua ansiedade aumenta porque não consegue dormir. Quanto mais ansioso ficar por não conseguir dormir, mais acordado vai ficar, e é uma sensação amplificada, e com desregulagem, ou seja, difícil de desligar. E é por isso que pessoas hiper ansiosas tem dificuldades de dormir.

Mas a má notícia continua, o sistema imunológico foi ativado, tá pronto pra lidar com machudados e infecções, que não acontecem. Ele vai começar a atacar você mesmo, causando inflamação e danos em tecidos. Sabe problemas digestivos, gastrite, manchas ou machucados por sua pele? Pode ser isso. É seu sistema atacando você mesmo.

E finalmente, essas respostas também modificam seu metabolismo, podendo te tornar resistente a insulina, aumentando o armazenamento de glicose como células de gordura, fazendo você ganhar mais peso do que deveria. É seu corpo te preparando pro pior no meio da floresta, só que você não vive no meio da floresta. Muitos de vocês que sofrem desses transtornos podem ter problemas físicos que aparecem do nada, mas está tudo relacionado. Entenderam como uma coisa pode ligar na outra?

TDAH é uma disfunção do sistema executivo no cérebro. O sistema executivo é tipo nossa CPU, a unidade lógica, responsável por organização de tarefas, organização de tempo, tomada de decisões, tudo que neurotípicos consideram "normal", só que ele está desregulado. Numa hora tá tudo bem, tá estudando, trabalhando, mas qualquer coisa pode distrair, ou causar parálise de análise, ou overanalysis, que muitos poderiam chamar de procrastinação ou falta de motivação.

Isso vocês já ouviram várias vezes. Todo mundo fala, "evite procrastinar". Fácil falar né, se fosse fácil, todo mundo evitaria. Ou então "tente ser mais motivado". Mas o que significa isso? Eu acabei de falar, medo, por exemplo, é uma reação instintiva, veio com milhares de anos de sobrevivência. Mas o que é motivação? É um neurotransmissor? É uma região do cérebro? Na realidade não, motivação é uma propriedade emergente de outros fatores.

Por exemplo, pra neurotípicos, pode ser uma simples recompensa. Se eu te der 1000 reais, você trabalha essa semana. Se eu te der 2000 reais você trabalha duas semanas. Pra muitas pessoas, esse motivador externo é suficiente pra engajar numa atividade e completar até o objetivo que tem em mente, digamos, 4000 reais, então ela se motiva a trabalhar 4 semanas.

Mas eu disse que o nucleus accumbens e a dopamina de uma pessoa com TDAH estão desregulados. O mesmo tipo de recompensa externa que funcionou pra um neurotípico não ativa as mesmas propriedades no cérebro de uma pessoa com TDAH. De repente ela resolve, sei lá, pintar os cantos das páginas do caderno, cada seção com uma cor. Algo assim, que pra um neurotípico, não faz o menor sentido.

Qual programa de organização devo usar? Notion? Obsidian? Um neurotípico pega a primeira folha de papel, lista o que precisa e é isso. Uma pessoa com TDAH primeiro precisa ver se dá pra customizar, deixar mais colorido, mais chamativo, e ela pode gastar horas nisso, antes de conseguir começar a escrever o primeiro item da lista. E quando começar, talvez lembre que tinha outro programa que queria testar, e vai instalar e customizar o outro. 3 programas depois, ainda não escreveu a primeira linha da lista. Isso acontece, e não é por sacanagem, nem procrastinação, é porque o sistema de recompensas dessa pessoa funciona diferente.

Deixa eu voltar rapidamente à questão dos pais, incrédulos de que o filho tenha déficit de atenção, porque eles sabem que o menino consegue ficar em hiperfoco, 12 horas por dia, na frente do fortnite. Só pode ser procrastinação. Lógico, como disse antes, pode ser mesmo, mas considere a pessoa com TDAH. Games foram feitos pra esse tipo de pessoa, porque foram desenhados com o objetivo de demandar toda a atenção. Toda hora tem alguma coisa nova, não entedia, tudo chama atenção: pontuação, itens, armas novas, fases novas. São horas e horas de distração que seu cérebro fica viciado mesmo.

Mesmo jogos que se chamam de "open world", com um sandbox pra você fazer "o que quiser", na verdade não são "open" de verdade, como a vida real. Eles tem objetivos principais e sidequests, organizados em listas, com objetivos bem definidos e recompensas no final de cada item. Foi sem querer, mas esses tipos de jogos foram feitos sob medida pra cabeça de alguém com TDAH.

Eu não tenho dados pra suportar isso, mas tenho uma hipótese sobre cursos online. Pessoas com TDAH possivelmente consumam mais pela mesma razão que se viciam em videogames: são gamificados. Tem listas de items bem definidos, tarefas e objetivos bem definidos, passo a passo bem definido, recompensas constantes com sensação de avanço. É como limpar a lista de sidequests de um jogo open world. Você fica viciado. Programas de organização, como um Notion, que permite infinitas customizações, mesma coisa. Eles chamam atenção, e viciam, pelos motivos errados.

Motivação não tem uma resposta única. Ela vai ser diferente pra cada pessoa. Você pode tentar entender os componentes fisiológicos, os neurotransmissores, as técnicas, mas pra variar, não tem receita mágica. Pergunte pra qualquer pessoa que você considere motivada. "Por que trabalha com tanto afinco?" E vai notar que nenhuma delas consegue dar uma resposta exata, vai fazer aquela cara de "ahh, sei lá, eu só faço", se for honesto. Ou vai ter uma historinha empacotada, o que ela acha que você quer ouvir: "ah, eu faço isso pra construir um mundo melhor".

Pra muitas pessoas, neurotípicas, costuma ter um componente lógico ou um desejo. Claro que eu quero trabalhar muito pra ficar rico pra me aposentar bem. Claro que eu quero estudar muito pra conseguir o melhor emprego na melhor empresa. Claro que eu quero ficar marombado, pra fazer mais sucesso na balada. Ou qualquer coisa assim. Mas de novo, pra neurodivergentes, o sistema lógico tem menos influência, e o sistema de recompensa está desregulado, então esse "claro", não é tão claro assim.

O problema é que a pessoa já tem os problemas de inatenção, irritabilidade e impulsividade. Ela afasta ou pelo menos sente, que afasta as pessoas. Não consegue ir bem no trabalho. Tem dificuldades de criar relacionamentos duradouros, e ao mesmo tempo sente que não tem motivação, leu que isso se chama procrastinação. Seus resultados são ruins e isso causa vergonha, porque ela olha pros pais e amigos e vê olhos de decepção. Seu sistema de medo e ansiedade são desregulados, em breve ela chega a uma conclusão: eu não sou suficiente. Eu nunca vou ser suficiente. Eu sou um fracasso, uma decepção. É assim que pode surgir sensitividade a rejeição e até uma disforia, que pode levar à depressão, como ilustrei no começo.

Em situações de ansiedade, como ansiedade social, tipo ir numa festa ou evento, todo mundo tem inseguranças, será que tenho roupa pra ir? Será que vou falar alguma bobagem e as pessoas vão rir de mim? Será que vou conseguir falar com alguém? Existem 3 formas que as pessoas lidam com isso. A primeira, e mais óbvia, é que se esse medo for grande demais ela pode só Evitar, avoidance, e desistir de ir. Ou então se forçar a ir, mas quando chega a mente desliga, dá zone out, ela tá lá, mas não tá lá. É um cognitive mental check out.

Ou pode Suprimir, que é diferente do check out, você vai, mas vai brigando com você mesmo, tipo "eu aguento, eu aguento", o sofrimento em silêncio, com a esperança de "espero que ninguém perceba", o "fake it until you make it", vou falsificar que tô gostando até uma hora conseguir gostar.

E finalmente, o ideal, que é enfrentar o medo, ir, processar, e aos poucos se adaptar, vendo que não era tão ruim quanto o medo inicialmente dizia que ia ser. Processar o medo como sendo irracional e compreender que não era o fim do mundo. Ninguém riu de você. Ninguém judiou de você, você tá bem. Pessoas neurotípicas fazem um pouco dessas três formas e tendem pra essa terceira opção, que é onde se amadurece. Todo mundo tem medo e ansiedade, mas aos poucos aprendemos a processar.

Mas pessoas com TDAH, exageradamente tomam o primeiro caminho: avoidance. Evitam a situação de ansiedade completamente, mas ao fazer isso ela está desistindo de coisas que são boas pra ela. Não só uma festinha. Deixa de explicar pro professor que passou mau e se podia fazer outra prova. Deixa de explicar pro namorado ou namorada que não tá bem. Deixa de pedir aumento no trabalho. E tudo isso retro-alimenta a sensação de fracasso, de insuficiência, e de novo, vira mais combustível pra sensitividade de rejeição e pra eventual depressão.

Motivação parece ser uma coisa que é só você ter um desejo muito forte, tipo quero ser rico ou quero muito ser famoso. E se a pessoa não tem motivação é porque ela não deseja forte o suficiente. Mas desejo e motivação são duas palavras diferentes por um motivo: elas não são iguais. Uma pessoa com ansiedade e TDAH como descrevi até agora, sem tratamento, tem chances de crescer sozinha, em total solidão ou pelo menos se sentindo solitária. Não tem nada que essa pessoa deseje mais do que ter uma companhia que não a faça se sentir insuficiente. Não tem nada que ela queira mais. Se fosse simples assim, ela já teria conseguido. Solidão não costuma ser uma opção, é uma consequência. E vocês já devem ter pelo menos ouvido falar o que solidão extrema pode causar.

Pra piorar, pessoas com TDAH parece que costumam desvalorizar seus sucessos e aumentar seus fracassos. Aumentar fracassos, achar que porque fez uma prova ruim, vai repetir o semestre, e por isso vai fracassar na faculdade, e por isso nunca vai conseguir um bom emprego, e por isso nunca vai ter uma boa carreira e por isso sua vida acabou, agora, já. É sua insula e sua amygdala hiperativa aumentando seus medos e ansiedades muito além da imaginação. Pra quem é neurotípico, pode parecer uma linha de pensamento absurda, mas pra um neurodivergente é absolutamente real.

Mas desvalorizar seus sucessos é mais sutil. É um mecanismo de defesa. O que eu falei do Evitar, avoidance. A pessoa desvaloriza o sucesso de agora porque se fracassar depois, na cabeça dela, vai ser menos dolorido. Se eu acertei hoje, mas fracassei amanhã, então eu sou um fake, uma fraude? É assim que pode nascer Síndrome do Impostor. Ou seja, o sistema dessa pessoa hiper-aumenta as consequências de um fracasso e minimiza os sucessos. Como você acha que ela vive?

Não estou querendo ser fatalista, e nem tratar esse assunto com desrespeito, mas é só pra explicar uma das formas de porque algumas pessoas chegam no pensamento de acabar com a própria vida. Pra neurotípicos não faz nenhum sentido. Mas se seu sistema de defesa está hiperativo, seu sistema de recompensa está desregulado, você não consegue tirar prazer das coisas porque seu sistema de recompensa tá desregulado. Sua irritabilidade e inatenção te afasta das pessoas, e seus resultados são cada vez piores, ao ponto onde, na sua cabeça, se sente totalmente incapaz e sozinho, e com a certeza que não existe solução. Não é difícil entender porque esse pensamento aparece.

E ao contrário do que filmes e ficção costumam mostrar, onde uma pessoa que decide desistir da vida faz toda uma preparação, escreve e envia cartas, inventa até jogos e tudo mais, faz parecer que nós conseguiríamos ver os tais "sinais" com antecedência e conseguir interceder. Mas não é bem verdade isso. Segundo pesquisas com sobreviventes, na maior parte dos casos, o que se sabe é que do momento que a pessoa tomou a decisão, o ato em si, costuma ser questão de poucos minutos, não dias. Lembrem-se de outra característica de TDAH: impulsividade. Impulsividade é justamente tomar uma ação por impulso, sem consideração pelas consequências.

Impulsividade é que leva uma pessoa com TDAH a tomar decisões impensadas, pedir demissão, desistir da escola, dirigir como doido num momento de frustração. E falando tudo isso, se você se relacionou com as características de TDAH talvez esteja se sentindo aflito, ansioso, desesperançoso. Mas calma. Até aqui foi pra explicar, pra quem não sabia, como a cabeça de alguém com TDAH poderia funcionar, pra entender que não é uma escolha, é uma consequência. Agora temos que entender, por que é assim?

Não existe uma teoria exata que todos concordam, e até 1995 o consenso era que TDAH era como uma doença mesmo, um defeito. Mas na antropologia surgiu uma teoria interessante que pode ajudar a dar perspectiva. De novo, é uma teoria. Vamos lá. Muitos de nós, temos dificuldade de entender o conceito de tempo. A Revolução Industrial, que moldou o mundo moderno como conhecemos hoje, começou na Inglaterra no final do século 18. De lá pra cá se passou só uns 250, talvez 260 anos. Dois séculos e meio. Parece um puta tempo né?

Mas pensa, estamos no século XXI, implica que se passou mais de 2000 anos desde que começamos a contar esse calendário. Isso é 8 vezes mais tempo do que os dois séculos desde a revolução industrial, é tempo pra caramba. Mas no frigir dos ovos, ainda não é nada. Nós somos parte da espécie Homo Sapiens, a sequência dos Neandertais, e essa espécie surgiu mais ou menos 300 mil anos atrás. Parece muito tempo, mas não é tanto assim.

Os primeiros hominídios, o galho que não tem a ver com os macacos primatas, começou com os australopitecus, em alguma coisa como 4.2 milhões de anos atrás. Se tivéssemos um relógio de 12 horas pra representar os 4.2 milhões de anos, começassemos a evolução dos seres humanos a partir do meio dia, os 250 anos da história industrial moderna seria só os últimos dois segundos e meio antes da meia noite.

Entendem essa proporção? As duas grandes guerras mundiais, o nascimento e evolução do motor a combustão do primeiro automóvel até chegar nos Teslas e foguetes da SpaceX, o nascimento do transistor e sua evolução até a internet e inteligência artificial, tudo isso aconteceu nos dois últimos segundos desse relógio. Já nossa evolução biológica enquanto seres vivos, levou as quase 12 horas anteriores.

A revolução da agricultura, onde deixamos de ser só catadores de subsistência, começou uns 10 mil anos atrás. Por toda nossa história, nossos antepassados começaram a formar tribos, e papéis foram sendo definidos. E é aí que entra a teoria de "caçadores catadores". A história dos caçadores ou catadores de subsistência entrando no mundo dos fazendeiros.

Pra resumir, imagine que na pré-história alguns dos papéis mais importantes eram do caçador ou catador. O fazendeiro é alguém até certo ponto satisfeito em viver uma vida regrada, acordar todo dia 5 da manhã, fazer o trabalho repetitivo do arado, colheita até a tarde, ir dormir e começar de novo a mesma coisa no dia seguinte. O caçador, é o oposto, não tem uma rotina bem definida, às vezes precisa ir longe no meio de uma floresta desconhecida, prestar atenção em tudo, caçar e evitar ser caçado. Tudo pode ser uma ameaça, um urso ou uma escorpião.

Podemos imaginar que um caçador precisa conseguir escanear o ambiente rapidamente, sem ficar focado numa coisa só, daí agir rapidamente, ser hiper-vigilante. Ser mais agressivo que o normal, por impulsividade, talvez seja a diferença entre a vida e a morte nas savanas da África da pré-história. Lembrem-se, era uma época de recursos escassos. Todo mundo tá acostumado com agricultura moderna, mas na pré-história não existia essa tecnologia. O normal da história humana por milhões de anos sempre foi pouca comida, muita doença, muitos perigos e baixa expectativa de vida.

É por isso que levou até as 11 horas, 57 minutos e 30 segundos do nosso relógio evolucionário pra conseguirmos chegar perto do primeiro 1 bilhão de habitantes na Terra. E foi só por causa das tecnologias modernas, que começaram depois da revolução industrial, que fomos de uma só vez de 1 bilhão pra 8 bilhões de pessoas. Em dois segundos. É claro que isso ia ter consequências.

Mais uma vez de forma simplista, a revolução industrial foi uma enorme revolução de eficiência. Levou o homem do campo pras cidades, da agricultura pra indústria. E precisamos treinar essas pessoas. Daí nasce o sistema educacional como conhecemos hoje: salas de aula com vários alunos presos em cadeiras o dia inteiro. 30 ou 40 crianças ouvindo um professor chato o dia inteiro. E depois uma carreira de trabalho de 9 às 5 fazendo trabalho repetitivo, sentados em cadeiras o dia inteiro. Seja numa fábrica ou seja num escritório do mundo moderno. É um mundo ótimo pra quem gosta de rotina.

Entenderam: a sociedade moderna foi feita à imagem dos fazendeiros. Trouxemos os caçadores juntos e fizemos eles ficarem sentados o dia inteiro, por anos e anos. Tentamos encaixar uma peça redonda num buraco quadrado. O mundo moderno foi feito pra pessoas que conseguem aguentar a rotina de ficar fazendo poucas atividades, sentados o dia inteiro, em horário fixo. O exato oposto do que é um caçador.

Pesquisas sugerem que TDAH é de fato passado geneticamente. Tem papers com pesquisas que acompanharam a vida de mais de 50 mil gêmeos ao longo de décadas pra entender. Existe um fator genético e existia uma utilidade evolucionária. Não é um problema aleatório que aparece do nada na cabeça das pessoas, é uma pré-disposição. Mas como falei antes, não é uma chave de liga e desliga. O entendimento é que esse fator é uma vulnerabilidade em neurodivergentes que pode ou não ser ativada, em diferentes graus, dependendo do ambiente onde cada um cresceu.

Em pesquisas com alunos em sala de aula, também já foi identificado que 30 alunos com 1 professor tem o dobro de diagnósticos de TDAH do que numa sala com os mesmos 30 alunos mas 2 professores disponíveis. Ter um professor a mais que consiga dar mais atenção e redirecionar a atenção do aluno da forma correta, ajuda a criança a manifestar menos ou até não sofrer os problemas de TDAH. O ambiente é um enorme fator pra severidade da condição. Só ter a pré-disposição genética não garante que você vai necessariamente sofrer com isso.

Também se acredita que adultos diagnosticados tardiamente com TDAH na verdade já tinham isso desde a infância, mas infelizmente, nunca foram tratados quando deveriam. Seja por ignorância de pais e escolas, seja por preconceito contra medicamentos ou tratamentos. E na vida adulta a condição pode levar a outros problemas como desordem de ansiedade e, nos piores casos, depressão.

E mesmo quando há diagnóstico, ainda existe essa idéia de chave de liga e desliga. Ah, é símples, dá Aderol ou Ritalina e tá resolvido. Mas vou repetir porque é importante: a condição não é um único componente de liga e desliga igual pra todo mundo. É uma desregulação de diversos componentes e diversos neurotransmissores. Estimulantes não agem só numa região isolada, ela tem efeitos colaterais, que variam de pessoa pra pessoa. Cada pessoa tem uma combinação única de fatores que dão espectros de severidade diferentes pra cada sintoma de TDAH.

Algumas pessoas tem déficit de atenção mas não necessariamente hiperatividade. Outras podem ter dislexia somado. Em graus diferentes. É uma matriz multidimensional de combinações, e não uma única variável binária. Por isso toda hora estou falando que nada substitui o tratamento: porque só um profissional licenciado vai conseguir identificar as variáveis e como tratar no seu caso específico.

A medicação em si é super estigmatizada, tem aquela imagem que a pessoa vai virar um junkie viciado ou um zumbi. E sim, se um neurotípico se automedicar com uma ritalina porque assistiu video de tiktok falando que isso dá boost de produtividade, vai ter problemas. Uma pessoa neurodivergente que precisa de ritalina é parecido com uma pessoa com diabetes que precisa de insulina. Você pode chamar uma pessoa diabética de junkie em insulina?

Tecnicamente até sim, mas a diferença pra você, neurotípico, é que seu corpo fabrica insulina, mas algumas pessoas precisam de insulina externa, porque a desordem é justamente não conseguir fabricar sozinho. É pra casos assim que medicamentos são necessários. Não só isso, nosso corpo pode se tornar resistente a certos medicamentos. Precisa modificar dosagem, trocar de medicamento e tratamento. E o único que vai saber disso é um psiquiatra licenciado.

Psiquiatras não são médicos de loucos. São médicos, que aprenderam da mesma medicina que todos os outros clínicos gerais e tem especialização na neurologia e efeitos dos químicos que eu simplifiquei hoje. Um video de YouTube nunca vai substituir anos de experiência nessa área. De novo, se você se relacionou com algumas das condições que tentei explicar, procure um psiquiatra.

E não só um psiquiatra. Muito do que uma pessoa de TDAH sofre pode ser contornado com técnicas holísticas. Primeiro tem a medicação, especialmente em casos graves e urgentes. Mas se for dignosticado cedo, o ideal é CBT que é terapia cognitiva comportamental, que é como uma re-educação pra aprender como seu sistema funciona e técnicas de como compensar. Todo mundo recebeu uma educação de neurotípicos, mas claro que não funciona pra todo mundo. Existe uma educação pra neurodivergentes, que é a terapia.

Por exemplo, pra casos mais leves do espectro, coisas como sistemas de alarmes, notificações de calendário, listas de coisas a fazer bem escritas, com itens que tem ações específicas e não abstratas tipo "estudar mais" e sim "estudar o capitulo 5 do livro X", sabe? Sidequests de jogos com objetivos bem definidos? São exemplos de mecanismos externos, que bem aplicados, compensam nossa inatenção, por exemplo.

Se sair procurando, vai achar uma tonelada de videos de lifehacks que pessoas com TDAH podem tentar, mas cada video vai mostrar o que funcionou praquele criador de conteúdo, no espectro dele. Nunca vai ser uma regra geral. E sair na tentativa e erro, com toneladas de video, sem o entendimento correto disso, em vez de ajudar, pode piorar sua ansiedade, amplificar o sentimento de fracasso. Por isso insisto, procure terapia de um profissional qualificado.

Agora, não são só más notícias pro pessoal de TDAH. Pra mim a teoria antropológica faz muito sentido: estamos forçando caçadores a sentar na cadeira de uma escola ou escritório, num horário fixo, e ficando putos porque eles não conseguem ser produtivos. Mas é lógico, é uma estrutura feita por fazendeiros. Por acaso, esse perfil é o que foi considerado "neurotípico". Na pré-história, talvez o "típico" tenha sido ter TDAH. Eu mesmo tenho dificuldades nessa estrutura, sempre tive.

Porém, as qualidades de caçadores começaram a voltar a fazer sentido no mundo moderno. Empreendedorismo é uma atividade não estruturada onde pessoas com TDAH parecem ter algumas vantagens. Não é de hoje que tem videos e mais videos associando um Elon Musk a TDAH. A maioria das pessoas neurotípicas tem como objetivo na cabeça uma rotina de 9 às 5, sentado num escritório, com trabalho estável, sem dor de cabeça. Já um Elon, o que ele faz? Carro elétrico? Hm, não, entendiou. Lançar foguete então? Hm, não, entendiou também, zoar no Twitter. É isso. Pra muitos, Elon é o ápice do TDAH.

Várias áreas criativas costumam abrigar a impulsividade, a necessidade de coisas novas, a atenção em detalhes de TDAH. Seja literatura, música, artes, cinema, moda e muito mais. Veja vendas ou marketing, ou criação de conteúdo, ou streaming, que são áreas que precisam da hiperatividade, alta energia e habilidades sociais de pessoas com TDAH.

Muitos não pensariam nisso de primeira, mas uma pessoa de TDAH não procrastina, ela sofre tudo que expliquei até agora. Mas justamente uma das muitas técnicas que usam em sua organização é tentar quebrar as coisas em tarefas menores e mais urgentes. Em vez de ter um grande trabalho pra entregar no final do semestre, se os professores forem atentos, é melhor dar pequenos trabalhos com mais frequência.

O senso de urgência é um grande motivador pra pessoas com TDAH e pelo mesmo motivo, parece que elas conseguem se dar bem em trabalhos de emergência, emergência de hospital, por exemplo. Pessoas com TDAH parecem se dar bem em ambientes que parecem caóticos, com ritmo acelerado, de alta pressão e urgência. Se o ambiente exige tomadas de decisão muito rápidas, como por impulso, com hiperatividade, parece combinar.

E finalmente, tecnologia. Programação, design gráfico, edição de video, tarefas que exigem atenção a detalhes, a tal habilidade pra hiperfoco. Já falei que não tem como controlar nem garantir o hiperfoco, mas ela costuma vir em atividades que excitam mais o centro de recompensa do cérebro dessas pessoas. Se justamente forem atividades de tecnologia, isso pode ajudar muito. Não é de hoje que vejo muita gente que me acompanha e tem algum espectro de TDAH. A gente brinca que precisa ser meio doido pra ser programador, e acho que essa observação não tá muito errada.

Existem milhões de pequenas dicas e lifehacks que eu poderia explorar aqui, mas não é esse o ponto. Primeiro porque já existem centenas de videos desse tipo. Mais importante, porque o foco não é tentar consertar seu problema neste video. Isso eu não consigo fazer. Nem eu, nem nenhum youtuber. Só um especialista, durante várias sessões, ao longo de vários meses, num tratamento feito sob medida pro seu espectro em particular.

O objetivo deste video é awareness. Muitos neurotípicos não entendem que estão cercados de neurodivergentes, e só categorizam a pessoa como "esquisita" e ficam longe ou zoam gratuitamente, o que não ajuda. Eu sou neurodivergente e não sabia disso e certamente tenho dificuldades de identificar outros neurodivergentes porque tenho espectro autista, minha dificuldade é justamente em comunicação.

Aí vocês devem estar coçando a cabeça. "Como assim comunicação? Você não é a porra de um YouTuber??" Entenda, e isso é o que todo mundo que me critica não entende: eu leio um script e meus videos são editados. Já viram os bloopers no final do video? Eu não falo sem errar e sem parar. Eu deixo os bloopers justamente pra todos verem que eu erro como qualquer outro.

Já me falaram que tenho tom arrogante de sabe tudo. Eu tenho mesmo muita dificuldade de entender isso. Não sei se posso atribuir isso totalmente ao autismo, mas tenho muita dificuldade quando estou dando uma resposta que na minha cabeça é clara e objetiva e as pessoas me falam que eu fui mau educado ou algo assim.

Juro, não é brincadeira, na minha cabeça eu estou me esforçando pra dar a melhor resposta que consigo, da forma mais curta, justamente porque parece ruim fazer as pessoas perderem tempo me ouvindo falar coisas desnecessárias. Então edito os scripts pra ser o mais eficiente possível. É como eu prefiro. Mas depois me dizem que soou arrogante. Eu até acho que entendo, mas não compreendo, literalmente não computa na minha cabeça.

Eu entendia que tinha problemas de comunicação, mesmo antes de ser diagnosticado. Entenda, eu não sabia nada disso até pouco tempo atrás. Se procurar online por características do nível 1 de espectro autista vai encontrar coisas como: dificuldade com interações sociais. Em particular a dificuldade de entender sinais, expressões. A gente não nota muito a pessoa com quem tá falando. Eu sempre sou o último a entender piadas ou sarcasmo, normalmente eu vejo as outras pessoas rindo, e eu rio junto depois, sem entender bem porque.

Muitos de nós literalmente somos incapazes de falar olhando nos olhos da outra pessoa. Eu realmente não gosto, mas aprendi a olhar um pouco pro lado dos olhos, pra parecer que estou prestando atenção. Eu fui aprendendo a me comportar como as pessoas parece que esperam que eu me comporte. Mas isso é muito exaustivo. Por isso, no geral, prefiro atividades que posso fazer sozinho. Quanto menos precisar falar com outras pessoas, pra mim é melhor. Gosto mais de ambientes onde no máximo preciso falar online, é sempre mais confortável.

Segundo ponto é comportamento repetitivo. Preferência por rotina e rituais. É exatamente como eu gosto das coisas. Não tira nada do lugar que eu coloquei. Não me chama pra fazer nada em cima da hora. Tudo que altera minha rotina ou meu planejamento, me incomoda profundamente, eu tenho que me segurar muito pra não explodir mesmo em coisas triviais que eu não planejei antes.

Além disso eu tenho interesses muito estreitos. Eu me distraio, como pessoas com TDAH. Se você me acompanha no instagram, deve ter notado que meus interesses são bem limitados a poucos tópicos que vou super a fundo. É como eu funciono. Dizem que pessoas com autismo tem força cognitiva, tipo memória acima da média ou atenção a detalhes, ou até memória fotográfica como um Sheldon da vida. Eu nunca medi, mas por experiência, acho que pode ser o caso. Mas, eu esqueço muito fácil coisas do dia a dia, eu tinha dificuldade até de lembrar data de aniversário dos meus pais. Mas me pergunte fatos sobre a história da computação e eu te digo nomes e datas. Não sei bem como isso funciona ainda.

É como escrever um script como esse, eu fiz a pesquisa, tenho minhas experiências, tenho o assunto inteiro tudo de uma só vez na minha cabeça enquanto estou escrevendo. Quando eu chamo de "dump", não é um exagero, é um dump mesmo, eu derrubo da memória pro teclado de uma só vez. E tenho atenção a detalhes. De bater o olho, vejo um errinho ortográfico e isso me irrita e eu preciso consertar. É assim que escrevo 50 páginas em um dia, em hiperfoco.

Daí tem alguns pontos que eu não me identifico tanto como sensitividade sensorial, tipo hiper sensitividade a cheiros, luzes, toques ou coisas assim. Sons eu tenho, se estou tentando me concentrar, barulhos me irritam profundamente. Quem assiste meus bloopers já viu isso. Também falam de ansiedade, mas comparado a uma pessoa com TDAH, minha ansiedade não chega nem aos pés. Até hoje, situações sociais me deixam ansioso, mas eu aprendi a suprimir. Eu subo num palco e dou uma palestra. Não gosto, por isso evito quando posso. Tem outras nuances como personas e máscaras que são mecanismos que eu aprendi a usar sozinho.

Isso pode soar estranho, porque todo mundo conhece a persona Akita do canal Akitando, youtuber, palestrante, ex-organizador de eventos grandes. E como assim eu tenho problemas de comportamento social e comunicação? Exatamente porque essa persona impede que vocês vejam esses problemas. Por anos, via tentativa e erro, aprendi meio a compensar, mas mesmo assim fica meio Sheldon, às vezes. Pra muitos assistindo, meu transtorno pode me fazer parecer uma pessoa arrogante. Como sou um youtuber, parece normal.

Claro, acho que a maioria consegue entender que não estou tentando agredir ninguém de propósito nem nada disso. E nem eu consigo dizer quanto que a forma como vocês de fora me enxergam tem a ver ou não com os efeitos do meu autismo, ou só por eu ser youtuber mesmo. Como eu nunca tratei e só descobri agora, ao longo dos anos fui criando mecanismos pra me defender e navegar o mundo. Eu sempre achei que era estranho, mas nunca parei muito pra refletir sobre isso, até muito pouco tempo atrás.

Pra piorar, desde quando eu era criança, sempre entendi que era tratado de forma diferente. Bullying por exemplo. Mas na época assumia que era por ser asiático. "Ah sim, japoneses naturalmente são zoados". Normalmente eram só uns 2 ou 3 na sala de aula como eu, no máximo. Desde criança eu me achava diferente, mas achava que tinha a ver mais com isso, e nunca passou pela minha cabeça, mesmo depois de adulto, que poderia ser algo como espectro autista.

Mas é aquela sensação de "ahhhhh, agora tudo faz sentido". Inclusive já teve pessoas que trabalhavam comigo que me zoavam me chamando de autista, porque quando eu tava no meu hiperfoco, literalmente desligava do mundo, e quando conversava era meio mão única, tinha o lance que eu não entendia sarcasmo ou piadas, então devia ser meio esquisito falar comigo. Eu tendo a falar e interromper mais do que ouvir quando é um assunto que me interessa.

Também me entedio muito fácil da conversa, já quero ir direto pra solução, sem tanta cerimônia. Eu até tenho empatia, mas a história dos outros não costuma conseguir segurar meu interesse muito tempo, eu me distraio e começo a pensar outras coisas, tenho aquele olhar que parece que tô olhando pra você, mas na verdade estou olhando 1km atrás de você. E uma hora depois, se não foi assunto do meu interesse, já esqueci do que falamos.

De qualquer forma, eu não tive muito interesse em estudar o autismo ainda, me foquei no TDAH por motivos pessoais e achei que valia a pena compartilhar. Eu vi em primeira mão os efeitos que depressão pode causar numa pessoa sem suporte e sem tratamento. Mais importante: numa pessoa que acredita que essa condição é fixa, imutável e a única certeza é sofrimento eterno. Eu entendi que um grande passo pra melhorar é justamente "entender" que o transtorno existe e os mecanismos por trás disso. Torna o problema muito mais palpável, menos abstrato, que começa a dar a noção de que é gerenciável.

Num mar de falsos gurus vendendo soluções mágica no Tiktok, isso só aumenta a ansiedade e frustração e piora a depressão. Cada oferta de solução mágica que não funciona, amplifica a sensação de que a culpa é da pessoa e que nada nunca funciona só pra ela. A culpa não é sua.

Falando em tiktokers, uma dúvida que paira no ar, e que é controversa, é que muitos assistindo devem ter notado que nos anos recentes aumentou bastante o aparecimento de casos de TDAH. Pode ser, ou porque o acesso a diagnósticos melhorou, ou porque de fato aumentou o número de pessoas sofrendo de algum espectro de TDAH. E acho que é um pouco das duas coisas.

Boomers e pessoas mais velhas que eu tem dificuldade de aceitar que transtornos psicológicos existem. Pra muitos parece só drama, mimimi, e gente tentando chamar atenção. Não ajuda que online, tem mesmo muito disso. Por isso os que sofrem de verdade não querem parecer que são esse tipo de pessoa, e sentem vergonha. A maioria das pessoas aprendeu a navegar como deu, evitando situações e, por consequência, limitando sua vida, ou suprimindo, e tendo todo tipo de efeitos colaterais, estresse, depressão, aumento de auto-medicação, álcool e drogas e por aí vai.

Desordens neurológicas são reais, se manifestam fisiologicamente, não é só fruto da imaginação. Também não se pode achar que todo mundo é uma vítima. Pessoas que de verdade enfrentam essas condições são as primeiras que não gostam de se vitimizar e que tenham dó delas. Elas não se expõe. Só querem conseguir fazer as coisas. O problema são os aproveitadores, que se usam dos transtornos dos outros pra aparecer. Não estão ajudando nada.

E tratamento não é camisa de força, hospício, lobotomia nem nada disso. O problema é o estigma. A vergonha de alguém descobrir que você decidiu se tratar, a ansiedade de ficar pensando que alguém vai achar que você é louco e coisas assim. Felizmente, estamos em 2023 e não em 1990. Mas mesmo na minha área, de tecnologia, a maioria de nós ainda não sabe como lidar com isso. Muitos de nós já nos adaptamos de alguma forma, provavelmente não da melhor, mas sabemos das dificuldades, então pelo menos podemos tentar aumentar o interesse em aprender mais sobre o assunto.

Deixando os problemas de lado, a neurologia, psicologia evolucionária e tudo mais são assuntos fascinantes por si só. Você é criador de conteúdo, ou de marketing, ou de UX, ou design, ou economia, qualquer profissão que tenta influenciar o comportamento das pessoas. Mas as pessoas não são nem totalmente lógicas e nem totalmente idiotas pra ficar caindo em truques baratos. Entender essas diferenças ajuda a produzir conteúdos melhor direcionados e melhora os negócios. É sempre ganha-ganha.

Um exemplo pequeno, home office, pra muitas pessoas com TDAH pode ter sido bom, porque como falei, os momentos de hiperfoco não são controláveis. Não dá pra forçar acontecer no horário comercial. E se vier às 9 da noite? Você vai se vestir, pegar o metrô, ir até o escritório? Aí chega lá e a urgência passou. Home office pelo menos dá a oportunidade da pessoa conseguir ser mais produtiva. Tem prós e contras, como sempre, mas novas opções começaram a aparecer em alguns lugares.

Outro exemplo, ouvi falar que algumas poucas escolas começaram a entender o diagnóstico de TDAH e oferecem opção desse aluno ter mais tempo pra fazer uma prova, ou fazer numa sala separada. À primeira vista pode parecer injusto. Mas você não tá entendendo. Ela não controla a ansiedade, ainda. Some a isso outras desordens, como dislexia. A prova em si já deixa ela mais ansiosa que todo mundo e com dislexia significa que vai ver todo o enunciado embaralhado. Ela é totalmente capaz de fazer a conta, mas pra isso precisa conseguir enxergar os números e letras nas posições corretas primeiro. A escola é justamente o lugar onde ela deveria ter a oportunidade de aprender a calibrar essas coisas.

Ainda não tem pesquisas o suficiente, tem muito ajuste em muitos processos que precisam acontecer, e nada disso vai acontecer da noite pro dia. Enquanto isso, nós neurodivergentes, precisamos aprender a navegar no mundo dos neurotípicos, aprendendo os mecanismos pra aliviar a maior quantidade de obstáculos quanto possível. É muito difícil fazer isso sozinho, e é por isso que a mensagem desse video é: se for o caso, aceite que a desordem existe, aceite que tem trazido prejuízos demais, e aceite que não é sua culpa. Mais importante: aceite que existem formas de melhorar drasticamente sua qualidade de vida.

Não vai ser com óleo de cobra, não vai ser ervas nem óleos essenciais, nem lifehacks engraçadinhos, vai ser com os medicamente corretos, com a terapia correta, com um bom especialista. É como quem quebrou feio uma perna e precisa ir num fisioterapeuta reaprender a andar. Não é uma perda de tempo, é uma economia de tempo, no futuro.

Eu não sou o melhor exemplo, mas pelo menos vejam, um neurodivergente pode ter uma carreira produtiva e sucesso. Isso não é um acidente. É aprender o seu espectro e criar estratégias que funcionam pra você. Durante o video todo eu disse que o certo, se você se relacionou com os sintomas que descrevi no video, é ir procurar um especialista. Mas digamos que você queira mais informações. Aqui mesmo no YouTube andei vendo alguns canais que podem ajudar a dar mais informações, caso tenha preguiça de ir ler os papers.

O primeiro é o canal da Dra. Tracey Marks, que é psiquiatra, e faz videos muito bem explicativos e informativos, que podem ajudar a dar nome pra coisas. Vale a pena dar uma olhada. Alguns exemplos que mencionei hoje, vi em videos dela. Outro canal que eu gostei, com ressalvas, é do Dr. K, do canal HealthyGamer. Ele sempre dá vários disclaimers, e suas explicações são muito boas, bem embasadas em pesquisa e exemplos clínicos. Achei interessante um quadro que ele faz conversas com streamers do Twitch, alguns famosos como Pokimane, que se abrem pra discutir seus problemas.

A ressalva é porque ele vende coaching online e fala muito de medicina indiana, que não é exatamente consenso. Mesmo assim, as explicações são sólidas e também peguei emprestado alguns exemplo. Mas tem canais que eu não gostei, como o AspieWorld. Esse é o caso de um não-profissional que fala da condição específica dele. Até tem boas informações, mas acho que o estilo dele de quantidade em vez de qualidade, encheu o canal de muita bullshit, achei mais perda de tempo do que vale a pena. E é uma pena porque vejo toneladas de canais falando de TDAH mas esse é um dos poucos de autismo.

Normalmente eu digo que se ficaram com dúvidas mandem nos comentários abaixo, mas cuidado, se ficaram com dúvidas sobre sua própria condição, consulte um especialista, mas se for como eu e ficou fascinado com o assunto, não deixe de pesquisar. Tem diversos psiquiatras e pesquisadores de neurologia que publicam não só papers, mas videos também pra resumir. Se curtiram o video deixem um joinha, assinem o canal e não deixem de compartilhar o video com seus amigos. A gente se vê, até mais.

tags: tdah adhd asd tea autismo ansiedade depressão rejeição psicologia neurologia cérebro akitando

Comments

comentários deste blog disponibilizados por Disqus