[Akitando] #138 - Meu Começo de Carreira Durante a Bolha - 1997 a 2002, Bug do Milênio, Crash

2023 February 14, 09:00 h

Já tinha feito videos sobre antes de 1997 e sobre depois de 2002, ficou faltando contar justamente sobre como foi meu começo de carreira, a transição da faculdade pros primeiros empregos, de agência a pontocom, de CD-ROMs pra Web, tudo que eu passei no final dos anos 90 até a virada do século, incluindo o Bug do Milênio.

Muitos agora começando carreira ou vendo o atual Crash da Bolha Tech estão inseguros, talvez sirva como perspectiva pra dar uma noção de que crises são cíclicas e qual é a melhor posição pra se estar pra passar ileso todas as vezes.

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Olá pessoal, Fabio Akita

Pra quem acompanha o canal desde o começo, deve ter notado que eu contei um pouco da minha carreira na área com videos como Meus Primeiros 5 Anos que fala um pouco de 1990 até 1995 que foi quando comecei na faculdade. Daí o video sobre o Livro "Estrada do Futuro", falando um pouco sobre 1996. No video da minha Máquina do Tempo falo da importância de backups e alguns trabalhos que eu fiz por volta de 1996 a 1998. Teve os 2 videos curtos da Sua Linguagem é Especial? Onde falo sobre dois pequenos cases técnicos por volta do ano 2000.

Teve o video de Você não entende nada de Enterprise, onde falo sobre SAP, que foi meu período de consultoria entre 2002 a 2007. Finalmente, o video da História do Ruby on Rails que cobre um pouco entre 2007 a 2016. Mas ficou um buraco dessa história entre mais ou menos 1996 a 2002. Justamente o período final da Primeira Grande Bolha da Internet que explodiu no ano de 2001, junto com as Torres Gêmeas. O que eu estava fazendo naquela época?

(...)

Fiquem até o final do video que tenho alguns comentários a fazer sobre minha playlist de Eu Avisei, em particular o video sobre o estouro da Bolha de Tecnologia recente. Se quiser entender mais os princípios financeiros por trás dessa bolha, não deixe de assistir a playlist inteira. Até já aviso que esse video pode soar um pouco auto ajuda, especialmente pro fim, mas é o mais honesto que eu posso ser comparando minha situação 25 anos atrás com a situação de agora e talvez dar alguma perspectiva ou inspiração. Depois vocês me digam.

Mas vamos lá. O período entre 1996 até 2002 foi provavelmente quando eu mais aprendi tecnologias que não são mais usadas hoje em dia. A idéia é tanto um pouco de nostalgia pra vocês que estão na faixa dos 40 anos, mas também perspectiva pra vocês que estão na faixa dos 20 anos. O que o Akita estava fazendo depois da faculdade?

Pra quem não lembra, 1997 foi o ano que morreu a Princesa Diana, foi o maior rebuliço isso. Eu nem acompanhava mas lembro que falavam disso toda hora. Também foi o ano em que a J.K. Rowling publicou o primeiro livro do Harry Potter. Eu nem sabia disso, só fiquei sabendo que esses livros existiam mais perto de quase lançar o primeiro filme. Outra coisa engraçada, foi o ano que o Mike Tyson mordeu fora a orelha do Evander Holyfield, quem não lembra disso? Falando nisso, pro povo que curte perder tempo com documentário da Netflix, foi o ano que o O.J. Simpson foi julgado culpado.

E pra gente de tecnologia, foi o ano que o Steve Jobs anunciou sua volta pra Apple Computers, que na época tava negativo 1 bilhão de dólares, a dias de fechar as portas. Conseguem imaginar isso? A empresa mais valiosa de tecnologia hoje, em 1997 estava praticamente falida. Os anos 90 foram muito divertidos.

Enquanto isso, eu tinha 20 anos, indo pro 3o ano de faculdade. Quem assistiu os episódios anteriores vai lembrar que eu tava trabalhando como monitor na sala de computadores do CCE, aprendendo tudo que podia sobre UNIX, Internet, essa novidade chamada Web. Ao mesmo tempo, assim como a maioria de vocês de 20 anos, eu tava de saco cheio da faculdade. No meu caso, passava muito pouco tempo na minha faculdade mesmo, no IME. Eu preferia gastar meu tempo na sala de computação do CCE que ficava atravessando a rua, na Politécnica, e meus amigos eram todos da Engenharia Elétrica. Eu fazia Ciência da Computação e nessa época já quase não tinha nenhum amigo no meu curso mesmo.

Todo dia eu ficava deslumbrado com as novidades que surgiam. Estávamos no meio pro fim da transição da arquitetura de 16-bits pra 32-bits com os Pentiums. Estávamos no fim da transição de ambiente texto do MS-DOS pros gráficos do Windows, OS/2 e no caso de UNIX eu aprendi que existia Solaris, Irix. Estávamos entendendo como criar aplicações distribuídas nessa tal de Internet em vez de programas isolados feitos no meu antigo Clipper ou FoxPro. Novas linguagens estavam começando, como Java, Delphi. E naquela época não existia nada na Web ainda que chegasse perto de redes sociais.

Não existia Reddit, não existia Stackoverflow, não existia blogs, não existia Google. O máximo que a gente tinha eram sites que manualmente indexavam outros sites como o Yahoo ou Lycos, e as primeiras tentativas de indexação automática com sites como WebCrawler ou o famoso Altavista. Mas comparado com hoje, era hiper rudimentar. Pesquisar pra comprar componentes de computador, por exemplo, a gente ainda fazia via página de classificados nos jornais.

Foi naquela sala de computador da Politécnica, que tinha um quadro de avisos onde encontrei o anúncio do meu primeiro emprego. Uma agência pequena de novo esquisito, Kropki, não muito longe dali, de um professor da Escola de Comunicação e Artes na USP, a ECA, que era na mesma rua, passando a Politécnica, o IME que é minha faculdade, daí vinha a FEA que é a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, daí era a ECA. Pouco antes da famigerada FFLCH, que recomendo passar longe. Enfim.

A agência em si, era caminhando pra fora do campus da USP, atravessando a ponte da Cidade Universitária em direção à Praça Panamericana. Uma caminhada de uns 5km a partir da minha faculdade, ou uns 40 minutos a pé. Na época eu considerava isso perto o suficiente pra ir a pé mesmo. Nessa época às vezes pegava o carro do meu pai emprestado, mas andava muito a pé e de ônibus mesmo, então era importante não ser longe demais e em São Paulo, 5km é o que chamamos de "aqui do lado".

Fui até lá, e acabei sendo contratado como estagiário. Lá era uma agência que tinha meia dúzia de funcionários, uns 3 ou 4 designers que mexiam em Photoshop, alunos da ECA, ajustando capas de jogos de videogame, pra antiga Tectoy. Eles faziam as capas dos jogos de Megadrive, e tinham alguns outros clientes. Eles queriam entrar no mercado de multimídia e Web, mas eram mais usuários de Adobe do que qualquer outra coisa e precisavam de alguém de tecnologia, e esse alguém seria eu.

Lá tinha uns 3 ou 4 Mac Quadra ou Centris, não lembro exatamente. A linha feia bege da era do MacOS System 7 e 8, o período negro da Apple sem o Steve Jobs. Mesmo assim eu achava fascinante, afinal era a primeira interface gráfica comercial de sucesso e o Windows 95 ou 98 daquela época ainda era super cru em comparação. Infelizmente eu era o único que ia ter que usar um PC com Windows justamente pra experimentar as coisas novas saindo pra essa tal de Web.

De curiosidade, os Mac Quadra daquela época acho que eram os últimos modelos anteriores à migração pra PowerPC então ainda usavam os processadores Motorola 68000, como o 68040 de 33Mhz, talvez uns 16 Megabytes de RAM, HD externo SCSI. Foi a primeira vez que vi SCSI e zip drives da Iomega. O meu PC era mais novo e mais potente, um Pentium MMX acho que já de 100 Mhz, com uns 16, talvez 32 megabytes de RAM. Monitor Super VGA de 1024 por 768 pixels, um pouco mais do que o que chamamos de HD hoje em dia, que é 720p. RAM nos anos 90 era super caro, talvez a parte mais cara do computador.

Também de curiosidade, meu salário de estagiário naquela época foi de uns 500 reais. Ajustado pelo IPCA seria equivalente hoje a uns 2 mil reais. Super justo. Eu tava empolgado pra mexer mais na Web, mas queriam que eu aprendesse a fazer CD-ROMs. Na prática eu tava empolgado pra mexer em qualquer coisa que fosse no computador, e estava sendo pago pra isso, tanto fazia pra mim com o que eu ia ter que mexer.

Entenda. Não existia LinkedIn, nem Twitter, nem nada. Não existia eventos de tecnologia pra programadores. No máximo eventos corporativos de Microsoft ou Oracle. Meus colegas da faculdade estavam todos procurando programas de trainée numa Oracle da vida, ou bancos. Ninguém que eu conhecia tava indo trabalhar em agência. Eu deveria estar preenchendo formulários de programas de treinamento na indústria automobilística, seguros ou saúde, pra aprender a mexer em mainframes e Cobol. Mas eu nunca nem procurei saber como esse mercado funcionava. Eu achei esse emprego, tava meio de saco cheio da faculdade, liguei o "foda-se" e só fui.

Pra vocês terem uma idéia do que significava isso de CD-ROM, eu instalei um Windows Me num emulador chamado DOXBox-X, altamente recomendado se quiser rodar programas e até jogos de DOS daquela época, roda super bem mesmo num PC modesto de hoje. Uma empresa de tecnologia que era super reconhecida naquela época se chamava Macromedia, que fazia esse troço chamado Director. Director quando abre tem o que ele chama de stage, tipo um palco. Embaixo tem uma timeline.

Podemos abrir essa janela de casting, que é o nome que se dá ao grupo de atores escolhidos pra uma peça. O Director tem esse nome porque usa essa metáfora de um teatro, palco, atores, casting. Enfim, podemos inserir diversos tipos de objetos como bitmaps, clipes de video e no caso estou criando um objeto de vetor, semelhante ao que se faria com CorelDraw ou Adobe Illustrator. Olha só, aparece aqui na janela de casting. Agora posso arrastar pro stage, pro palco.

Daí posso criar keyframes, mover o objeto um pouco, ir mais pra frente, criar outro keyframe, mover o objeto mais um pouco e ir fazendo assim. Agora voltamos pro começo da timeline, damos play e voilá, uma animação super crua. E se isso pareceu familiar pra alguns de vocês, o Director começou sendo um software pra exportar executáveis pra gravar em CD-ROM, mas com a Web não ia demorar pra passar a exportar num formato distribuível pela Web instalando plugin em navegadores da época como o Netscape ou as primeiras versões do famigerado Internet Explorer. Era o formato Shockwave.

Com a evolução rápida da Web, a Macromedia simplificou o Director, focou mais na parte vetorial, as ferramentas mais simples de animação e chamou de Macromedia Flash. Essa é a origem do Flash, mas estou me adiantando. Deixa eu voltar pro Director. Assim como em Flash, todo mundo sabe que tinha uma linguagem derivada de Javascript pra programar interatividade, chamada ActionScript. O Director também tinha uma linguagem, só que ainda mais rudimentar, declarativa, chamada Lingo.

Por exemplo, posso adicionar um script aqui num dos frames pra pausar. Pronto, rebobino a fita, dou play de novo e ele pára aqui. Se tem o comando "pause", deve ter o comando "resume". Posso adicionar um novo comportamento nesse sprite, no evento "mouseUp" que é quando eu termino de apertar o botão do mouse, posso adicionar "resume" usando essa ajuda rudimentar aqui que lista todas as funções do Lingo. Resume sprite 1. Dou play de novo, ele pausa, clico no ator e ... erro.

Handler not defined. Maldito erro genérico, Javascript deve ter se inspirado em Lingo. Bom, vamos procurar no Stackoverflow então. Só que em 1997 não tinha Stackoverflow, nem Google, nem fóruns de discussão. Eu tinha um livro impresso. O software tem essa documentação local aqui. E era isso. Nem se eu perguntar hoje pro ChatGPT ele sabe me dar uma boa resposta. E agora em 2023 obviamente não lembro mais o que significa isso. A única coisa que me ocorre é uma gambiarra. Já que resume não funciona, estou aqui no frame 6, então vou dar comando pra pular pro próximo frame e torcer pra continuar. Go to frame 7. Como eu disse é uma linguagem declarativa.

Rebobina, dou play, pausa, clico no ator e boom, ele continua como eu queria. E meu dia a dia era assim: mensagens de erro que não diziam coisa nenhuma, ficar fuçando a documentação e tentando coisas até conseguir fazer funcionar. Imagino que não é muito diferente do que a maioria de vocês fazem hoje em dia, só que eu tinha bem menos opções de onde pesquisar erros. Foi fazendo assim que consegui compilar meu primeiro CD, que foi esse aqui do lançamento do Volks Parati 4 portas.

Se não me engano foi uma campanha pra dealerships, pra treinamento dos vendedores de concessionárias, mas enfim, é como se fosse um site web estático, mas em formato de CD-ROM. "E por que não um site de uma vez?", alguém poderia perguntar. Por que internet em 1997 era altamente opcional. A maioria da população ainda nem sabia o que era isso. Mesmo em pequenas empresas, no máximo o povo tinha conexão discada via iG ou Terra ou America Online, ou UOL. E a conexão média era de 19 kilobits por segundo.

Uma imagem de 160 pixels por 150 pixels, metade do que seria a tela de um Nintendinho, com 7 bits de cor, dava uns 20 kilobytes. Imagine múltiplas imagens dessa. Levava vários segundos a minutos pra montar uma tela como essa via web. Por isso a Web de 1997 era bem mais rudimentar do que era possível fazer num CD-ROM, que já vinha com todas as imagens, clipes de video, áudio e tudo mais local, num CD de 650 megabytes. Streaming de video e áudio era impossível naquela época. Só que todo mundo pagou uma grana investindo nos tais kits multimídia, como da Creative Labs, e queriam ver videos e áudio. O que a gente fazia em CD era impossível de fazer na Web.

Assistam meu video sobre compressão, de 25 TB pra 5 gigabytes, onde explico sobre cores, algoritmos de compressão e tudo mais. Boa parte do meu trabalho era converter Jpegs com 8 bits de cor em GIFs com paleta de cor menor pra fazer versão web de algumas coisas. Naquela época, o mais comum eram monitores VGA de 800 por 600 pixels, que seria o nosso "4K" considerando que o padrão era tipo 320 por 240 num sistema operacional texto como MSX, Commodore ou consoles como Super Nintendo ou Megadrive. E com 256 cores.

Olha alguns dos sites que eu fazia naquela época, vou só passar aqui alguns slides de fotos de tela, mas deve dar pra dar uma noção de quão limitado era a tecnologia da época. Hoje em dia vocês estão acostumados no mínimo a Full HD que é 1080p e pelo menos 8 bits de cor com milhões de cores possíveis, ou HDR com 10 ou 12 bits de cor em 4K nos monitores mais avançados. Pular de 80 colunas por 24 linhas em monitor de 240p, pra VGA colorido em 768p, é como vocês pulando de Full HD pra 4K hoje em dia.

O CD-ROM mais complicado que eu fiz, foi o projeto do lançamento do Fiat Marea. Esse foi particularmente difícil porque a Fiat ainda tava mudando detalhes como opcionais do carro, cores de tecidos, e coisas assim enquanto a gente tava montando o CD. Os designers tinham que fazer coisas como mudar a cor dos tecidos nas fotos antigas direto no Photoshop, porque não ia dar tempo de tirar novas fotos em estúdio com os novos materiais. Foi a primeira vez que eu vi Photoshop sendo usado pra coisas desse tipo e isso explodiu minha cabeça naquela época. Foi vendo isso que decidi aprender mais sobre essa parte gráfica e aprender Photoshop.

Se eu montasse o CD do jeito tradicional, como eu mostrei no começo, até que não era um projeto difícil. Mas eu era um aluno de ciências da computação aprendendo coisas como Delphi, Java e esse troço novo na época chamado Orientação a Objetos. E eu ficava tentando adicionar objetos em tudo. Delphi era basicamente Pascal com objetos, tanto que chamava Object Pascal. Mas eu usava ainda o Turbo Pascal 6 de DOS, que não tinha classes, mas tinha objetos rudimentares, e eu queria adicionar suporte a pelo menos encapsulamento e talvez herança nessa linguagem rudimentar de Lingo pra Director.

Tá vendo esse menu principal? Ele aparece em todas as seções do CD. Cada seção o Director recomenda organizar como um arquivo separado, daí um evento num arquivo basicamente carrega outro arquivo. Seria como um anchor em HTML que tem a URL pra carregar outra página. Eu queria fazer um objeto reusável entre todos, o que vocês chamariam hoje de componente. Obviamente isso é um caso de uso não documentado, que não tinha em nenhum livro. E óbvio que deu um monte de bug que eu tive que varar muitas noites pra resolver. E quando digo muitas, quero realmente dizer MUITAS noites sem dormir.

Lembro até hoje que por minha culpa, quase não deu pra lançar o CD. Entenda: hoje em dia se alguma coisa dá pau, fácil, só subir um commit de correção, deployar e em alguns minutos tá corrigido. Mas um CD exige um compromisso que nenhum de vocês vê mais hoje: uma vez prensado, não tem como corrigir os CDs distribuídos. Esses CDs do Fiat Marea iam ser distribuídos em revistas da Editora Abril como Quatro Rodas e Playboy, e uma vez queimado o CD Gold, o master, não tem mais como corrigir.

O processo todo já tava atrasado de qualquer jeito porque a Fiat não parava de fazer modificações de última hora que exigia mudar textos da especificação dos modelos, opcionais, e tudo mais, e em cima disso toda vez que a gente ia apresentar pro gerente de contas da Fiat, minha programação dava um bug inesperado. No último dia, literalmente na última hora, lembro de compilar a última versão, gravar num CD na agência, pegar o carro, tipo 10 horas da noite e ir até a Zona Norte de São Paulo, onde ficava a antiga Sonopress, a fábrica que prensava os CDs em massa.

Pensa, eu era estagiário, tinha 20 anos, fui sozinho com o CD embaixo do braço pra mostrar pro gerente de contas mais rabugento, mau educado e nervoso da face da Terra, roendo todas as unhas das mãos e dos pés, porque depois de tantos dias de bugs, eu tava com minha confiança por um fio. E por sorte, nos 45 do segundo tempo, navegamos por todo o CD e funcionou sem bugs.

Ali ele deu ok pra Sonopress prensar. Lembro até hoje, saindo com ele, no estacionamento, ele me parou e ventilou tudo que tinha que ventilar na minha cara. Eu não lembro de uma palavra do que ele disse, só que eu fiquei ali, sei lá, 11 horas da noite, paralizado no meio do estacionamento vazio, só ouvindo. Foi a primeira comida de rabo sério que tomei. Vocês acham que eu sou rabugento nos videos? Volta aqui depois que experimentarem terem saliva voando na sua cara de alguém gritando.

Eu queria ter uma moral da história, tipo que depois disso eu me tornei mais cuidadoso, mais prudente, que me ajudou de alguma forma, mas tem uma coisa que descobri recentemente que talvez explique como reagi na época: eu fiz teste preliminar com psicólogo e de fato, parece que eu tenho um certo grau de Asperger, tipo um autismo leve. Eu compartimentalizo. Nada se torna gatilho pra eu desistir ou fazer alguma coisa por conta de algum evento traumático ou importante de alguma forma. Eu compartimentalizo, embrulho, enterro e sigo em frente. Não tenho idéia de como outras pessoas lidam com isso, porque uma pessoa mais sensível provavelmente teria abandonado tudo naquele dia.

Eu já tive que ouvir outras pessoas ventilando mais do que seria profissional, mas naquele nível, felizmente foi a primeira e última vez. Eu não sei fazer as coisas como as outras pessoas esperam que eu faça. Se eu coloco uma coisa na cabeça, quero tentar fazer, independente do trabalho que vou ter. Foi o que falei no video de Por que fazer o que Ama, só que não. Eu não faço as coisas que eu gosto, eu faço as coisas porque eu gosto de saber se consigo fazer. Depois que consigo, perco o interesse, e procuro outra coisa.

Na faculdade eu tava empolgado com UNIX, com Delphi, com Java, HTML, Javascript, não muito diferente do que muitos de vocês hoje devem estar vendo. Talvez Python, que ainda não era popular na época. Mas na agência me pediram pra aprender a fazer CD-ROM com Director. Eu nunca tinha ouvido falar nisso até entrar lá, nunca tinha planejado gastar 1 ano fazendo CD-ROM. Mas quando ouvi essa proposta, coçou os dedos. Eu queria saber se conseguia fazer. E não só fazer, mas fazer de formas que não era comum. O preço disso era que eu ia varar noites, tomar comida de rabo, mas eu entregava. Essa sempre foi minha motivação: entregar.

Em paralelo eu fazia os sites estáticos, em HTML puro. Aliás, na época não existia CSS ainda, tá? Formatação era usando tags como "font" e atributos de estilo inline com "style". Aos poucos fui mexendo em mais tecnologias Web. A internet começou a ficar um pouco mais rápida, pulamos pra modems de 56 kilobits por segundo, depois pra 128 kilobits quando o Speedy, Ajato e outros provedores de banda larga começaram a chegar. Daí migrei de Director pra Flash, e comecei a aprender ASP.

Por volta de 1998 eu fiz um pequeno trabalho pra construtora Camargo Correa que envolvia indexar vários documentos PDF que eles tinham pra fazer tipo um motor de busca, um search engine, usando o antigo Microsoft Index Server que depois acho que virou Indexing Services. Isso tinha no IIS que vinha nos antigos Windows NT 4. A idéia era fazer um pequeno site de intranet, que seria acessado só internamente, pra conseguirem pesquisar rapidamente a biblioteca de PDFs deles.

De novo, 1998 foi quando o Google tinha acabado de ser fundado, literalmente funcionando da garagem. Nessa época já existiam várias tecnologias pra pesquisar conteúdo. Todo mundo rapidamente começou a perceber que com a microinformática sendo largamente adotada, documentos digitais começando a ganhar peso, o volume de conteúdo aumentava exponencialmente e precisávamos dar um jeito de organizar tudo e facilitar pesquisa.

Eu sabia disso em 1998? Não tinha nem idéia, só viria a começar a usar Google talvez no ano 2000. Eu era assim: "ow, tem que fazer um site pra pesquisar documentos". Eu sabia como? Não tinha nem idéia, daí ia fuçar como resolver. Microsoft era uma das poucas empresas que tinha boa documentação online no MSDN. Assim esbarrei em Index Server. Pra isso precisava aprender ASP, daí lá vou eu aprender ASP e ao mesmo tempo tinha que saber Microsoft SQL Server. Eu sabia o que era SQL? Não. Lá vou eu aprender. Tudo pra fazer esse um projetinho.

A gente já ouvia falar da tal da Oracle, que na época era uma das maiores gigantes no mundo de tecnologia com seu banco de dados que eu sabia toda grande empresa usava. Eu nunca tinha visto um, só sabia que era difícil. E não era como se desse pra ir no site e baixar. A licença custava milhares de dólares, vinha em pacote físico, com livros, CDs e tudo mais. Não era acessível pra meros mortais como eu. E foi aí que a Microsoft foi inteligente, porque um SQL Server, eu conseguia baixar, aprender e usar, tudo online. E foi assim que comecei a aprender sobre SQL.

Comecei com o SQL Server 6.5 e de curiosidade, o SQL Server começou como um port do antigo banco de dados da Sybase pra OS/2, em 16 bits, em 1989. Saiu a versão 4.2 pra NT em 1993 e o 6.0 saiu em 1995. A versão 7 sairia um pouco depois que eu comecei a aprender. Foi a versão que eu mais usei.

De qualquer forma, a vida daquela pequena agência tava chegando no fim por volta de 1998. Acho que trabalhei lá só uns 2 anos e nesse período aprendi HTML, Director, Flash, comecei a aprender ASP, SQL Server. Mas pelo jeito o dono não soube administrar bem a empresa, ela foi diminuindo, até que só sobrou eu e mais um outro funcionário e passamos a trabalhar da sala de professores na faculdade, na ECA. Fiquei pouco tempo lá, porque um amigo meu me chamou pra trabalhar na empresa dele. Como parecia que não tinha mais pra onde ir mesmo, resolvi aceitar.

Essa empresa foi a STI, um dos primeiros provedores de internet do Brasil. Começou como uma BBS e evoluiu pra internet. E lá trabalhava meu vizinho. A gente se conhecia desde adolescente e aprendemos a mexer em computador juntos. No episódio dos primeiros 5 anos eu falo dele, o Thiago Madeira, que teve sua própria BBS antes de ir pra STI enquanto eu ia pra faculdade e foi ele que tinha o contato que me colocou como monitor da sala de computação da USP pra baixar pirataria pra BBS dele. Contei essa história no outro video.

Enfim, já era quase meio de 1999 e a empresa tinha um problema. Por anos toda a administração era controlada por um software feito por um dos co-fundadores, no antigo Clipper de DOS, que eu conhecia e programava no começo dos anos 90. Ele controlava tudo: cadastro de cliente, faturas, cobranças, suporte técnico e mais. Programas em Clipper eram feitos pra funcionar com um único usuário numa única máquina, mas ao longo dos anos 90 criaram várias gambiarras pra compartilhar o arquivo de banco de dados via redes, como em infraestrutura da antiga Novell Netware.

Dava pra ver que era a clássica empresa que nasceu em garagem e cresceu rápido: o servidor já tava perto do último suspiro, era um PC de gabinete aberto, com um ventilador apontado pra ele, ligado em rede pra todo mundo da empresa conseguir acessar. A forma de fazer isso era bloqueando o arquivo de banco de dados, fazendo alguma operação, daí desbloqueando pro próximo poder usar. Essa é a forma mais rudimentar de banco de dados que existia, mas funcionou por anos, até a empresa ter dezenas de funcionários e milhares de clientes.

Mas esse não era o maior problema, porque eles tinham dinheiro de sobra pra colocar tudo num hardware mais moderno. O problema era que Clipper foi feito nos anos 80, numa época onde 640 kilobytes de RAM era o máximo. Onde a gente literalmente escovava e economizava bits onde dava, em particular nos tipos de data. Pra que gravar 1980 se só gravar 80 já era suficiente? Economizava 2 bytes por registro fazendo isso. Daí na hora de mostrar era só concatenar "19" na frente e pronto. Quer saber quantos anos se passaram de 1990 até 1998? Só fazer 98 menos 90. Ponto.

Mas em breve, teríamos contas assim: 2000 menos 1998 dá quanto? Não dá pra fazer 00 menos 98. Dá pau. Esse é o famoso Bug do Milênio ou Y2K como chamamos hoje. A solução correta era recompilar num Clipper mais novo, que tinha correção de ano 2000, vasculhar o código-fonte onde faz contas com datas e checar se não tem nada hardcoded com 2 bytes e ir ajustando. Daí fazer uma versão mais nova que funcionaria depois do ano 2000.

Só que era uma empresa de tecnologia, nova, com pessoas novas, com um co-fundador técnico, coisa rara na época. Foda-se, vamos reescrever tudo em tecnologias mais modernas. Na época, era justamente pra fazer tudo em 32-bits, com a moderníssima linguagem ASP, pra funcionar em cima de SQL Server, num Windows NT, coisa profissa. Obviamente eu fiquei empolgado, afinal, era justo as coisas que eu tava começando a aprender por causa do último projeto na agência. Alguém vai me pagar pra eu continuar aprendendo? Bora.

O problema: tinha menos de 6 meses pra fazer as coisas funcionarem, já estávamos por volta de junho de 1999. Lembrem-se que existem coisas como plano semestral. Tem partes que já iam começar a falhar se fôssemos imprimir boletos no futuro. A partir de agosto de 1999 já ia passar a barreira pra janeiro de 2000. Eu não tinha idéia do trabalho que algo assim poderia dar, se tivesse talvez não tivesse concordado e sugerido um plano mais convencional como tentar ajustar em cima do código legado mesmo. Mas eu era um moleque de 22 anos que só queria a oportunidade de mexer com coisas novas.

Por sorte a equipe que foi formada era muito boa. Eu não era o melhor mas certamente era o mais arrogante, não tenha dúvidas disso. Na minha cabeça tudo dava. Eu não lembro mais de todos os detalhes, mas precisávamos fazer ferramentas de atendimento pra todo o pessoal do suporte técnico que atendia os clientes, tipo ferramenta de help desk, mais um banco de conhecimento com todos os truques que se sabia pra ajudar os novos atendentes. Precisava fazer ferramenta da parte financeira, consolidação de contas, impressão de boletos, gerenciar vendas e por aí vai. Era tipo um mini ERP dessa empresa.

Falando em Bug do Milênio, muita gente de fora achava que ia chegar 31 de dezembro de 1999 e na virada do ano tudo ia quebrar. Inocentes, tudo já ia começar a quebrar pelo menos 6 meses antes, em alguns lugares antes ainda. Que nem o caso de boletos que eu falei. Como você imprime um boleto datado pra janeiro de 2000? As empresas não estava às cegas assim não, todo mundo já tava tendo que lidar com esse problema muitos meses antes do que a população em geral imaginava.

Lembro até hoje de outro episódio "what the fuck" que passei. Se não estou enganado, todo mês imprimiam os boletos pra mandar por correio pra todos os milhares de clientes. E não lembro detalhes, mas justamente acho que se o cara contratava um plano semestral, já mandavam os 6 boletos de uma só vez. E por isso já por agosto ia ter o problema do ano 2000 que acabei de explicar. Em determinado momento de 1999 as pessoas já iam receber boletos datados pra pagar no ano 2000.

Lembrando também que falei que o sistema antigo em funcionamento era em Clipper, ou seja, com banco de dados que é só um arquivão gigante em formato DBF, sem servidor intermediando. Também falei que era um arquivão compartilhado numa rede Novell, que rodava em DOS com sistema de arquivos FAT16. Quem já lidou com isso sabe: esse sistema de arquivos não tem absolutamente nenhum tipo de funcionalidade de prevenção e correção de erros. Basta cair a luz uma vez pra começar a dar muita merda. Dados corrompidos era rotina.

Precisávamos fazer engenharia reversa desse arquivo pra dar carga no SQL Server. Só que à medida que abríamos esse arquivo dava pra ver que tinha registros corrompidos no meio do caminho. Povo de data science sabe o que significa "limpar dados". Essa foi minha primeira experiência usando SQL como se não houvesse amanhã pra limpar e várias queries pra garantir que tava tudo certo. Diferente de data science, que se tiver algum errinho não costuma ser um grande problema porque dá pra lidar com margens de erro, quando falamos de contabilidade, não pode ter uma vírgula fora do lugar. Ninguém pode receber cobranças erradas. Qualquer pequeno volume de erros significava congestionamento no atendimento pra resolver.

Daí finalmente fizemos uma primeira versão que ia imprimir os novos boletos pela primeira vez. Não lembro, talvez agosto ou setembro de 1999. Fiz um monte de queries, ainda tinha uns bugs que eu não tava satisfeito, mas chegamos no momento de "acho que tá bom o suficiente". Mandamos rodar e as impressoras no andar de baixo começaram a imprimir. Pensa que ia levar a noite inteira imprimindo pro serviço de entrega ir buscar as caixas na manhã seguinte.

O escritório do STI ficava numa cidade chamada Santana de Parnaíba, depois de Alphaville aqui de São Paulo, quase 30 quilômetros de distância da casa dos meus pais onde eu morava. 45 minutos de carro sem trânsito ou 2 horas, que era o que eu levava todo dia pra voltar. Eu passei o trânsito todo da volta com pulga atrás da orelha. Cheguei em casa, jantei e tal, deitei pra dormir e foi aí que me ocorreu: tinha um bug que ia foder todos os boletos!

Lembro que levantei no susto, peguei o carro sei lá, meia noite e fui correndo pro escritório. Eu tive meu momento de "parem as máquinas!!!" E passei a madrugada tentando corrigir o tal bug. Queria lembrar o que era exatamente, mas era um bug lazarento. Eu acho que consegui resolver e finalmente deu pra continuar imprimindo a tempo de acabar pra entrega de manhã. Eu tenho poucas memórias daquela época. Acho que deu certo porque não lembro de repercussões tão negativas. A gente sabia que podia ter um certo grau de erro, mas era importante não ser demais pra não congestionar o suporte.

Meus primeiros 10 anos seriam uma sucessão de eventos desse tipo: pegar desafios que eu não tinha idéia de como fazer, varar noite tentando resolver, causar muitos bugs que não sabia como corrigir, e arrancar os cabelos tentando descobrir. Muito me admira que eu ainda tenho cabelo. Enfim, acho que chegamos muito perto de conseguir substituir o sistema antigo pelo novo, mas aí aconteceu um evento inesperado: a STI foi adquirida por uma outra empresa maior, a PSINet.

Por causa desse merge mudou muita coisa, não sei se nosso sistema foi usado ou não ou se iam adotar outro, mas foi onde vi meu primeiro layoff, demissão em massa. Num merge de várias empresas, acaba que muitas posições ficam redundantes, daí demitiram muita gente de uma só vez. Ouvi falar que muitos ficaram descontentes, saqueram o escritório, levaram computador, monitor e coisas assim.

No meu caso foi diferente, porque minha equipe, que era próxima dos co-fundadores, foi levada pra montar outra empresa. Eu não tinha outra coisa pra fazer, fui junto. Montaram outro escritório e me pediram pra pegar um produtinho que eles compraram pra envio de email e falaram pra eu fazer uma interface gráfica pra ela. O problema que tinha que ser em PHP. Eu passei meses mexendo em ASP e tava super fluente, mas beleza, lá vou eu aprender outra coisa. Ainda bem que eu tinha aprendido um pouco de UNIX e Linux na faculdade porque agora ia precisar mexer com Linux e Apache.

Esse produtinho foi batizado de Internet Email Grátis ou ieG, um dos primeiros produtos independentes, que não era atrelado a um provedor, pra dar email grátis pra qualquer um. Pense um Gmail rudimentar, 6 anos antes do Gmail. Eu tava explorando a idéia de uma interface gráfica Web que seria parecido com um aplicativo nativo de Windows de verdade, daí fiz uma versão Web do Outlook Express, antes do Outlook pra Web sair de verdade. Ponto de comparação naquela época acho que já tinha Hotmail.

Esse produto foi fácil, daí formou uma nova equipe e nos pediram pra fazer outro produto: um Geocities brasileiro. Pra quem não sabe o que é Geocities, era um produto web pra qualquer um conseguir ter sua própria homepage pessoal gratuita. A contrapartida era deixar colocar um banner no topo pra monetizar. A nossa ia se chamar HomePage Grátis ou HPG. Quem começou a mexer com internet no começo dos anos 2000 vai se lembrar de HPG. Esse produto explodiu, todo mundo tinha um site hpg.com.br/alguma coisa. Pensa, era uma época que ainda não era difícil conseguir domínios de 3 letras.

Você podia andar num shopping center e ver a URL hpg da loja na vitrine, ou em outdoor, ou pintado nos ônibus. Esse produto explodiu. Eu participei da primeira versão, feita com PHP e Perl. E foi assim que aprendi Regular Expressions, porque todo mundo ficava tentando achar jeitos de burlar os banners que a gente colocava e eu passava o dia fazendo Regex pra tirar os truques. Povo posta no fórum do UOL e eu ficava vendo qual era o novo truque e fazia uma nova regex pra filtrar o HTML e tirar, por exemplo, o javascript que eles colocavam. Nem precisava tirar tudo, bastava fazer o javascript do cara quebrar pra ele tirar.

Eu saí quando começaram a fazer a funcionalidade de templates de sites, pra facilitar quem não sabia escrever HTML do zero. Eu tinha 23 anos e na minha cabeça esse produto não fazia sentido. Mesmo com banners era muito caro manter o site de todo mundo de graça. Infraestrutura era muito mais cara naquela época do que agora. Mas eu também tava sendo muito cético muito cedo. Eu fiz tudo isso em menos de 6 meses. Mas um conhecido da época daquela primeira agência que fechou foi trabalhar pra uma agência grande de verdade, a F/Nazca, e me convidou pra ir com ele. Dado que eu tava cético com o modelo de negócios, tinha visto os layoffs da PSINet antes, resolvi pular fora do barco.

Seis meses depois o HPG foi vendido pro iG, o que elevou o iG acho que do sexto lugar no ranking pra segundo lugar só atrás do UOL na época. Sabem o que eu falei nos videos sobre startups de engordar o porco? Pra mim isso era uma novidade naquela época, foi a primeira vez que vi o modelo de negócios de gastar muito sem dar lucro, criar hiper relevância, pra ser adquirido caro por alguém maior. Hoje em dia isso é o arroz com feijão das startups. Mas mesmo assim, isso dá certo pra menos de 1% de todo mundo que tenta. Mas os co-fundadores eram todos pessoas bem conectadas no mercado por conta da experiência da STI e do merge com a PSINet. Não eram amadores. Mas eu não conhecia eles pessoalmente, então não tinha noção disso.

Mas tudo bem, eu não tinha stock options nem nada, não ia ganhar nada com a venda de qualquer jeito. Eu era só um programador e acho que tomei uma boa decisão, especialmente porque nesse próximo lugar também ia poder fazer coisas diferentes. A F/Nazca era uma das maiores agências do Brasil na época onde as grandes eram nomes como W/Brazil ou Almap. Hoje são WMcCann, Publicis, Africa, DPZ&T. A Publicis acho que comprou a F/Nazca anos atrás, mas em 2019 o fundador Fabio Fernandez, o "F" em F/Nazca, saiu e acho que iam fechar. O fim de uma era.

E o Fabio Fernandez era publicitário extravagante clichê da época. De novo, era ano 2000, estávamos caminhando rapidamente pro pico da Bolha da Internet. Ninguém sabia que era uma bolha ainda, especialmente porque ninguém sabia direito o que fazer na Web, muito menos agência publicitária. E pra ser o diferentão o Fernandes quis montar uma equipe tipo uma Tropa de Elite da Web, fora dos escritórios da agência. Era uma equipe pequena, nem meia dúzia de pessoas, focadas só em Web, e a gente ia ficar num escritório virtual no World Trade Center de São Paulo.

Pra ter uma noção do que eu quero dizer com extravagante, ele fez um anúncio pra empresa inteira na forma de cartas deixadas na mesa de todo mundo, dizendo que estavam demitidos. Aí acho que ia ter um evento no mesmo dia pra anunciar que na verdade tava todo mundo demitido da "antiga" agência publicitária tradicional mas estavam todos recontratados na "nova" agência Web. Entenderam? Puta piada de mau gosto que acho que rolou vários processos trabalhistas depois. Mas imaginem eu, era meu primeiro dia, e a primeira coisa que ouvi foi que tava demitido e recontratado. Eu achei engraçado na época, mas eu era só um moleque.

Enfim, nessa equipe eu trabalhei em algumas peças em Flash primeiro. Tive que desenferrujar meu Flash e fazer duas peças de campanha que eles iam mostrar em Cannes. Eram umas coisas bem idiotas. Só de exemplo, uma das peças era uma campanha das tintas Suvinil falando sobre suas novas máquinas de misturar tintas pra você ter a cor que quiser.

A idéia era o banner ficar fixo na tela e na verdade o navegador inteiro se mexer pra todos os lados simulando a máquina misturando a tinta. Isso era uma época que Javascript dava controle de tudo do navegador, incluindo a posição no desktop da pessoa. Imagina abrir um site e as janelas ficarem se mexendo do nada. Ainda bem que não pode mais fazer isso.

Enfim, meu chefe nessa época era um gêniozinho um ano mais novo que eu e que manjava muito de tecnologia, o Bruno Mosconi. Foi com ele que aprendi o conceito de que livro não é despesa, é investimento. Ele deixava a gente comprar os livros que precisasse. É uma prática que até hoje eu tenho na minha empresa por causa disso. Mas hoje em dia o acesso a informação desse tipo é muito mais fácil, tem de graça. Na época não tinha. Era ano 2000, Google mal tinha 2 anos ainda.

Lembro que foi a primeira vez que mexi com Python também por causa de um site de astrologia de um cliente, que ele queria implementar num gerenciador de conteúdo chamado Zope. Pra quem é de Python, o Zope depois se tornaria Plone. E foi com ele também que ouvi falar de Ruby pela primeira vez, mas não usei naquele ano ainda. F/Nazca foi o lugar onde trabalhei por menos tempo, só uns 3 ou 4 meses. No HPG também foi pouco, menos de 6 meses. De novo, minha memória não tá muito boa mas acho que essa operação Web não tava dando certo aí eu tive que procurar outro lugar.

Essa foi a primeira vez que realmente tive que procurar emprego. Postei meu currículo na minha homepage do HPG, até tive contatos por lá. Recrutador vasculhando qualquer site existe desde aquela época. Mas de novo, foi por causa dos contatos que fui fazendo ao longo desses primeiros anos que me levaram a algumas boas entrevistas e acabei entrando numa pontocom, que é como chamávamos as startups da época, que foi a PSN, ou Panamerican Sports Network.

Eu contei sobre eles nos episódios de Sua Linguagem Não é Especial, mas recapitulando, a empresa maior era a Hicks, Muse, Tate and Fürst. Pra quem é de futebol, vai lembrar que era a dona do Corinthians e do Cruzeiro no ano 2000. Embaixo tinha sites como a PSN.com junto com o canal de TV a cabo PSN, patrocinava o Alan Prost na Fórmula 1. Pois é, eu fui webmaster do Corinthians. Depois assistam esses outros episódios.

Lembro que cometi minha primeira grande gafe que todo iniciante arrogante faz. Logo na primeira semana, fui olhar o código deles e era um go-horse atrás de outro go-horse. O código foi feito por uma terceirizada americana e foi a primeira vez que entendi que só porque é gringo não quer dizer que é melhor. Puta código zoado da porra. Pensa um ASP macarrônico com HTML misturado com Basic tudo em arquivões de milhares de linhas. Escrevi um e-mail super textão com page downs e page downs de críticas e mandei pra todo mundo sem pensar. Descobri só quando tava pra sair que por causa daquele e-mail todo mundo me odiava no começo. Eu só repeti o que todo mundo já sabia. Uma nova equipe já tinha assumido a zona e já tava consertando, eu que peguei o bonde andando. Fica a dica: Não seja essa pessoa.

Na PSN eu fiquei pouco tempo também, até dezembro de 2001, cerca de 1 ano e meio. E foi lá que tive a oportunidade de ir pros Estados Unidos pela primeira vez, pra conhecer a equipe que trabalhava de Miami. Pra ter uma noção de como faz tempo, não existia celular com internet, pra me localizar eu tinha que imprimir mapas do site da prefeitura da cidade. E pra tirar foto eu tive que comprar uma câmera descartável numa farmácia e mandar revelar. Acabei perdendo essas fotos. Eu só voltaria a viajar pros Estados Unidos quando entrei na Locaweb em 2008, 7 anos depois. Mas em 2001 aconteceram outros dois episódios que me marcaram.

O primeiro foi em setembro de 2001 quando cheguei de manhã cedo no escritório e tava todo mundo na frente das TVs e eu fiquei confuso "o que aconteceu?" Aí vieram me contar "você não viu?? jogaram um avião no World Trade Center". E eu paralizei e falei "aqui do lado??" Lembrando que na F/Nazca trabalhei de um escritório no World Trade Center, de São Paulo, que fica no bairro do Brooklin Novo, na famosa avenida Berrini que muitos já consideraram o Vale do Silício do Brasil. A PSN ficava num prédio a alguns quarteirões de distância. Pensa meu alívio quando falaram "não, o de Nova Iorque!" ahhhhh então tá, cadê meu café?

E o segundo episódio foi o famoso Crash da Bolha da Internet no mês seguinte, em outubro. Na verdade o pico da NASDAQ foi em março de 2001, onde tinha subido absurdos 400% desde 1995 e em 2001 caiu quase 80% de uma só vez. Ela ainda tentou subir de novo no meio do ano, mas aí veio a segunda perna do crash e a partir daí não parou mais de cair até quase o fim de 2002. Eu não tinha idéia do que isso significava. Na PSN nos disseram que descobriram que alguns executivos tavam roubando, negócios ruins, e o fechamento do canal de TV, das operações na Web. Eu quase apaguei a luz do escritório por último.

Eu não era muito informado com as notícias. Não acompanhava nada de mercado financeiro. Pra mim, essa bolha que começou em 1995, quando eu entrei na faculdade, parecia tudo normal. Só depois do fechamento abrupto da PSN que me toquei que na verdade eu tava no meio de uma bolha e nem tinha me dado conta. Notaram que desde 1996 eu fui indo de trabalho em trabalho sem nenhuma real dificuldade? Eu ia conhecendo pessoas, elas gostavam do meu trabalho, me indicavam ou me chamavam pro próximo negócio e eu só ia seguindo a vida assim.

E essa seria a segunda vez que eu ia ter que procurar emprego. Fiquei só uma semana desempregado. Mesmo com o crash da bolha, não significa que acabou todos os empregos. É isso que eu quis dizer no video do Crash da Bolha de agora também. Toda empresa, seja ela de tecnologia ou não, a partir de agora ia precisar manter essa tecnologia e evoluir, mesmo que fosse mais devagar.

De novo, mandei alguns emails e quem respondeu foi o Antelio, que eu falo no episódio de SAP, engenheiro que conheci naquele projetinho da agência na Camargo Corrêa. Ele saiu, virou consultor SAP e me chamou pra trabalhar. Ele ia me ensinar SAP e eu ia ensinar Web pra eles. Convenientemente, o escritório da consultoria era no mesmo prédio onde ficava a PSN que tinha acabado de fechar, só mudei de andar. Eu passei mais de meia década nessa região da Berrini.

Lembram do projetinho da STI pra resolver o problema de ano 2000? Obviamente ela não foi a única empresa com esse problema. Literalmente toda empresa que adotou tecnologia dos anos 80 e 90 tiveram que ajustar seus sistemas, ou investir em modernizar e substituir por coisas novas com eu fiz. Mas em empresas gigantes, não dava pra refazer tudo do zero. E foi aí que empresas como SAP ou Oracle ganharam terreno no Brasil. Foi a era de ouro das consultorias pra implementar novos ERPs não só pra resolver o problema no bug do milênio como implementar novos processos e tecnologias. Eu conto um pouco disso no episódio de SAP, depois dêem uma olhada.

E lá ia eu aprender mais uma plataforma que nunca tinha imaginado que ia ter que aprender: SAP. Mas tudo bem, de 1996 até fim de 2001 eu tive que aprender Delphi, HTML, Javascript de primeira geração, Flash, ASP, PHP, Perl, SQL Server, MySQL, Apache, um pouco de Python. O que é um pouco de SAP? E nesse período entre 2002 a 2006 eu ia voltar a usar tecnologias Microsoft como ASP e finalmente usar Java comercialmente.

Durante a depressão na área de novas tecnologias que ia durar de 2002 a 2008 eu fiquei focado em mercado corporativo com integração de SAP com Web, depois migrei pra tecnologias open source com Ruby on Rails em 2006 e me preparando pra pegar a nova onda que eu nem sabia que ia recomeçar com mais força por volta de 2008. Foi quando começou a aparecer Twitter, Uber, Airbnb, Pinterest, Foursquare, Spotify, Netflix e todos os nomes que vocês conhecem hoje.

De novo, não é porque teve crash da bolha que a tecnologia parou. Foi entre 2002 a 2008 que as sobreviventes se consolidaram. Google e Amazon viraram gigantes nesse período de seca. Foi nesse período que blogs e redes sociais nasceram. Muitos tentaram e morreram, Orkut, MySpace, e aí apareceu o Facebook, depois o Instagram. Mas o ecossistema maior mesmo só apareceria depois do Crash da Bolha Imobiliária de 2008. A correção desse crash criaria o ambiente propício de juros baixos e dinheiro fácil pra investimento que seria o combustível pra bolha que duraria até agora. De novo, assista minha playlist "Eu Avisei" onde explico detalhes de porque.

Eu não sou um guru, não prevejo o futuro, nem nada disso, eu sou um animal muito simples: eu gosto de tecnologia, alguém quer me pagar pra mexer com tecnologia, eu vou, só isso. Foi só isso durante toda minha carreira. Veja: minha carreira nasceu numa época que precede o conceito de influencers, de cursos online, de redes sociais. O primeiro evento de programação que eu participei foi a RailsConf nos Estados Unidos em 2008. Eu já tinha 31 anos e fazia 13 anos que entrei na faculdade. Só aí passei a interagir mais com as comunidades de desenvolvimento de software. É o que eu conto no video da História do Ruby on Rails.

Eu entendo o problema de todos vocês hoje: sofrem de information overload. Tem informação demais, pior, muita informação conflitante e ruim mesmo. Um influencer diz pra seguir caminho X, outro influencer diz pra seguir caminho Y, o grupo do Discord fala que caminho X é uma bosta, pessoal do Telegram fala que caminho Y é uma bosta, na sua timeline do Twitter tem caminhos de A a Z e nenhum consenso. Eu consigo imaginar o turbilhão de incertezas infladas que tem na sua cabeça nesse momento.

Pare um segundo e pense: eu, Akita, estou perto de aposentar uma carreira que começou em 1990. Informação naquela época era muito cara, de difícil acesso. Porra, se eu não tivesse me dedicado sério a aprender inglês, como conto no video sobre inglês, não teria conseguido fazer nada do que resumi nesse video. Tudo que eu aprendia só tinha disponível em inglês, não tinha a opção de português. Conseguem imaginar isso?

Mais do que isso: só conhecia outros programadores que trabalhei junto nessas empresas e projetos. Não conhecia outros programadores de fora, então não tinha nenhum modelo, ninguém pra me influenciar e, felizmente, ninguém que eu achava que precisava seguir. Eu simplesmente fazia as coisas por pura intuição.

Mais felizmente ainda: não existiam coaches falando bullshitagem sobre coisas como networking. Eu aprendi a fazer networking de verdade. Por exemplo, na época da STI e HPG tenho dois exemplos: tinha dois programadores júniors como eu na equipe. Um se chamava Fernando Nemec. Depois do HPG ele foi trabalhar como programador na recém criada parte web do jornal Folha de São Paulo. Hoje ele é o diretor de tecnologia da Folha Online.

O outro se chamava Adriano Caetano. Depois do HPG ele abriu seu próprio ecommerce, um dos primeiros do Brasil, chamado LinuxMall. Eu comprei muitos CDs de Linux com ele. Hoje ele é Sócio Diretor da VTEX, uma das primeiras plataformas de ecommerce e uma das maiores do Brasil. Coincidentemente saiu um video dele contando essa história no YouTube, vou deixar o link na descrição.

Vocês ficam olhando pra caras como eu e esquecem que o júnior da sua própria equipe, colega da sua faculdade, vai ser o próximo founder, CTO, CEO da startup inovadora de amanhã. Ele confia no resultado do seu trabalho hoje o suficiente pra te chamar pra trabalhar com ele? Se você não consegue impressionar nem o júnior que trabalha do seu lado, porque você acha que eu me interessaria? Só porque você fez mandou um email engraçadinho no LinkedIn? Ou porque ficam só no blá-blá falando que é esforçado? Sério?

É difícil resumir mais de 5 anos em um video curto como esse, mas meu ponto era mostrar o seguinte: principalmente no começo de carreira, eu nunca me defini como "programador ASP" ou "programador Java" ou "administrador de SQL Server". Minha especialidade não era nenhuma dessas ferramentas. Sem planejar muito, eu só me especializei em resolver problemas de tecnologia. Minha arma secreta foi Aprender a Aprender. Eu simplesmente gosto de tecnologia e de resolver problemas com tecnologia.

Nunca parei pra pensar: "será que esse tal de ASP vai ter carreira pros próximos 10 anos?" ou pior "será que esse tal de Director e CD-ROM é uma boa carreira pros próximos 10 anos?". Eu literalmente aprendia e produzia numa plataforma nova todo ano durante esse período. Se em 1996 eu tivesse pensado "puts, esse tal de ASP é muito novo, não dá pra ter uma carreira nisso, vou ficar no Clipper, vou ficar no Director", e daí se toda vez eu esperasse 2 ou 3 anos "pra ver se ia vingar", teria perdido a primeira Bolha da Internet, pior, teria sido mais uma vítima do crash.

Eu passei totalmente ileso. Quando migrei de pontocom com ASP pra mundo corporativo com Java e SAP, na minha cabeça isso não era um passo pra trás ou um downgrade. Era só mais uma página. Porque eu não era definido pela linguagem, ou modelo de negócio. Vejam como o Java que fui aprendendo aos poucos desde 1996 viria a se tornar útil em 2002 quando entrei em consultoria. Vejam como o ASP que aprendi de sopetão em 1999, deixei de lado pra aprender PHP em 2000, voltaria em 2001 na PSN. Não existe uma receita. E não existe falta de oportunidade, existe falta de vontade de pegar pra resolver. Ah, vou fazer um curso, quando eu aprender daí vou procurar. Aí já é tarde demais, o bonde já andou e você ficou no fim da fila.

No episódio da Sua Linguagem Não é Especial, eu mostrei como não ficava também só fazendo o que o trabalho exigia. Em 2000 eu tava um pouco empolgado com .NET que tava pra sair, acho que tava em Beta nessa época. No trabalho ninguém ia usar .NET, mas fiz minha própria versão de um mini framework ASP.NET só que em ASP clássico, só pra ver se dava. Que não foi diferente de quando tentei aplicar orientação a objetos no Lingo de Director alguns anos antes. Eu não fazia o que o livro dizia, só queria ver o que dava pra fazer. Na minha cabeça nunca teve o conceito de "não é assim que todo mundo faz". Eu sempre tô cagando e andando pro que "todo mundo" faz.

Notem outra coisa: em nenhum momento eu cito cursos. Porque eu nunca fiz nenhum. Primeiro que não existia Udemy nos anos 90. Segundo porque intuitivamente entendia: porra, Java saiu ano passado, obviamente não tem curso pra isso. Flash acabou de sair enquanto eu tô aqui fazendo Director, óbvio que não tem curso pra isso. Eu nunca esperava que fosse ter um curso. Eu via que tinha um livro, em inglês, ia na Livraria Cultura no Conjunto Nacional da Avenida Paulista, a única que eu sabia que dava pra encomendar livro importado, esperava um mês pra chegar e era isso. Amazon foi só a partir do ano 2000.

Outra coisa: quando falei que tava aprendendo sobre orientação a objetos. O livro de Design Patterns do Gang of Four tinha acabado de ser lançado em 1994. UML também tinha acabado de ser inventado. Essas coisas ainda não eram consenso. Existiam várias metodologias antes da Rational. Eu, por exemplo, tinha um livro de uma metodologia chamada Fusion. Mas pelo jeito não fez sucesso porque como isso precede o Google, nem tem registro se pesquisar a respeito.

O Manifesto Ágil seria assinado em 2001 que é quando eu termino minha história nesse video. Tudo sobre o assunto só seria publicado depois. O ponto é: eu, aluno de faculdade em 1995, não tinha como saber que essas coisas se tornariam relevantes anos depois. O você de hoje tentando escolher a ferramenta "ideal" não tem idéia do que realmente vai ser importante daqui 5 anos. Não tente adivinhar agora, é perda de tempo. E não, nenhum guru, influencer, coach, nem mesmo eu, tenho como dizer o que vai ser relevante daqui 5 anos especificamente pra sua carreira, porque a carreira de cada um vai ser diferente.

E antes que alguém vá encher o saco na bolhadev, quando eu falo que varava noite na época, não foi pra vangloriar que trabalhar a noite é admirável. Pelo contrário, eu varava noite porque eu não era bom e prometia mais do que conseguia entregar. Eu só era sem noção mesmo. Isso é pessoal, não recomendo ninguém copiar. Vai de cada pessoa. Com cabeça de hoje, talvez tivesse dito mais "não". Mas por outro lado talvez não tivesse aprendido tanta coisa tão rápido.

Com 20 anos, meu objetivo não era ter qualidade de vida, era aprender tudo que pudesse aprender porque minha única motivação era resolver problemas novos. Cada pessoa tem motivações diferentes, nunca use minha história como parâmetro pra sua. As épocas são completamente diferentes. Vocês tem mais opções hoje do que eu tinha nos anos 90.

Falando do povo comentar, não sei se notaram, mas nenhuma das empresas que eu trabalhei nesse período existem mais. Eu literalmente saía pra outro trabalho porque onde eu tava ia fechar. Uma vez só eu saí por conta própria, mas de 1996 até 2002 esse foi o padrão. Foi bizarro, já tava achando que eu tinha pé frio. Magina, mandar meu currículo e o recrutador ver que nenhum lugar existe mais. Mas não foram só as empresas que eu passei, no Crash, várias outras foram fechando ao longo do tempo. Muitas das empresas que a gente conhecia naquela época não existem mais. É a vida.

De qualquer forma, se pudesse mudar alguma coisa que fiz desde os anos 90, não mudaria nada. São as experiências que passei, boas ou ruins, que formam o que sou hoje. Foi fazendo merda, aprendendo a consertar e persistindo, que me definiu. Agora cada um de vocês tem que achar o que define vocês, e não vai ser me copiando. Os anos 90, infelizmente, acabaram. Os anos 2000 acabaram. Os anos 2010 acabaram. Os anos 2020 acabaram de começar, é nesse contexto que você existe.

Finalmente, alguns poderiam ficar impressionados. Pode parecer que fiz muita coisa nesse meu começo de carreira. Mas nem tanto, num outro extremo, lembram que falei que 1997 foi quando Steve Jobs retornou pra Apple? Pois bem, nesse meio tempo, ele limpou a casa, tirou a Apple da beira da falência, modernizou a linha de hardware lançando os famosos iMacs coloridos, finalmente conseguiu matar o antigo MacOS 9 e lançar o MacOS X que é a base dos Macs até hoje, e no ano que a bolha estourou, lançou o iPod, que mudaria a indústria de música pra sempre. Tem um documentário chamado The iPod Revolution que conta exatamente esse trecho da história, depois assistam, é fascinante.

Muito ou pouco é relativo. Parem de ficar se comparando, que coisa chata. Façam sua própria carreira, do seu jeito, e evoluam cada dia pra não se arrepender do dia anterior, só isso. Eu não virei o Steve Jobs, e tá ótimo, o que eu consegui fazer por mim durante minha carreira me deixa satisfeito. Poderia ter feito muito mais. Sempre dá pra fazer mais. Mas Akita, o que você recomenda pra mim? É a pergunta que eu mais recebo, e repetindo pela enésima vez, veja meu video de Não Terceirize suas Decisões e a playlist de carreira.

Eu sei que mesmo dizendo isso vocês ainda vão continuar me perguntando o que devem fazer, ou falar que vão tentar me copiar, mesmo eu falando não. Mas vamos aos fatos: eu disse pra vocês fazerem imersão de inglês em casa, substituir tudo por inglês. Acabei de mostrar a diferença que fez no meu começo de carreira. Como anda o inglês de vocês?

Agora o mais óbvio, em vez de perguntar o que eu fazia, que tal perguntar o que eu não faria? Uma coisa que me lembrei escrevendo esse episódio é que a primeira balada que eu fui foi só por volta de 2002 ou 2003. Foi quando comecei a beber socialmente também. Lembrem, entrei na faculdade em 1995. Fui em uma festa na faculdade, uma única cervejada. Não participei de nenhum evento, festa ou balada de 1996 até 2002, que é o período que cubro neste video.

Por que? Primeiro porque não tinha dinheiro. Eu começar a sair coincide com minha transição de júnior pra pleno e ganhar salário de consultor corporativo. Faz muita diferença. Além disso tinha tanta coisa tão interessante acontecendo no trabalho toda hora, cada hora um bug mais cabeludo pra resolver, eu passava minhas noites dormindo no escritório. E não porque me mandavam, mas porque eu não queria ter que perder tempo indo pra casa e tendo que voltar depois. Meu PC do escritório na época era sempre melhor que meu PC de casa. E não tinha laptop acessível, então tinha que usar lá mesmo. Eu preferia ficar lá.

E mais, que séries eu maratonava na TV nos anos 90? Literalmente não consigo me lembrar de nenhuma. Depois que entrei na faculdade, quase não assistia TV. Recomecei a ver séries só lá por 2004 ou 2005 com Os Sopranos e 24. Lembram que falei que não tinha nenhum influencer que seguia? Vocês perdem horas e horas diariamente acompanhando gente desinteressante e irrelevante que não contribui em absolutamente nada na sua carreira. Eu não tive isso, portanto tive a vantagem de não perder meu tempo com gente inútil. Eu só gastava tempo comigo mesmo.

Teria sido melhor se essas coisas existissem naquela época? Google sim, sem sombra de dúvida, pra pesquisar as coisas mais rápido. Stackoveflow também. Todo o resto, principalmente a bolhadev? Absolutamente inútil. A opinião aleatória dos outros é inútil. Ninguém sou eu. Eu teria conquistado menos da metade do que fiz nesse período.

Podcasts de 3 horas, vai se fuder. Em 3 horas eu li a documentação inteira de uma nova linguagem. 3 horas todo dia? Porra. Quando você vai no banheiro? Ah, mas é quando eu tô no metrô voltando pra casa ou no trânsito. Ouça audiobooks de livros clássicos, de mais de 10 anos que ainda são relevantes hoje, não ebookzinho de influencer bosta que nem tem 10 anos de carreira direito. Já leu algum livro do Stroustrup, criador do C++? Ou do Dennis Ritchie, criador do C? Por que ainda não leu os originais em vez de ler as cópias baratas? Fica só falando de IA, IA, já leu alguma coisa do Marvin Minsky? Não né.

E esse foi o episódio do meu começo de carreira, que coincidiu com a ascenção e queda da primeira Bolha da Internet. E como podem ver, eu continuei crescendo sem parar. A próxima fase, pra quem quiser ver como foi, é o video de SAP, depois o video de Ruby on Rails. E por hoje é isso aí, se ficaram com dúvidas mandem nos comentários abaixo, quem quiser relembrar mais coisas dos anos 90 não deixem de mandar também, se curtiram o video deixem um joinha, assinem o canal e não deixem de compartilhar o video com seus amigos. A gente se vê, até mais!

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