[Akitando] #96 - Estrada do Futuro em 1996 | Meus 19 Anos

2021 April 20, 11:57 h

DESCRIÇÃO

Achei textos que eu escrevi em 1996, em particular sobre o livro "Estrada do Futuro" de Bill Gates, publicado em 1995. Como a gente imaginava as tecnologias do século 21 e o que de fato virou realidade?

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SCRIPT

Olá pessoal, Fabio Akita

Passei as últimas semanas dando um jeito nos meus backups. Estou com dois NAS de 10 terabytes cada e andei movendo um monte de coisa velha pra lá e pra cá. No meio da limpeza esbarrei num material que fiz uns 25 anos atrás. Quem me acompanha no Twitter já viu. É um mini-livro que escrevi pra compilar o que eu sabia sobre computação quando tinha 19 anos, no meio do meu 2o ano de faculdade.

O capítulo de conclusão desse livro é um resumo do livro The Road Ahead, do Bill Gates, que tinha sido publicado em 1995, e faz 25 anos de idade ano passado. Eu li logo que foi lançado. Se você viu meu episódio do fim de 2018 sobre minha máquina do tempo, sabe que eu guardo backup de muita coisa desde a época de faculdade até hoje, incluindo quase todos os meus e-mails, projetos e trabalhos que fiz nesses 25 anos. Se puder, faça backups das suas coisas, daqui 25 anos pode ser engraçado de rever.

Achei interessante trazer alguns trechos do que escrevi com 19 anos pra dar perspectiva pra quem tá nessa faixa dos 20 anos ou em fase de iniciante, independente da idade. Como sempre digo, carreira é uma coisa individual, o que eu relato sobre a minha não deve ser regra pra de ninguém, só mais uma referência. E quero falar um pouco sobre isso hoje também, então vamos lá.

(...)

Em 1996 eu tava no 2o ano de ciências da computação, ralando pra tirar o atraso. Nunca fui o aluno mais aplicado nem com as melhores notas na faculdade. Pelo contrário, tinha tanta coisa acontecendo no meio dos anos 90 que me distraía muito fácil. Eu tinha zero idéia do que ia fazer depois de me formar, e tava mais interessado em acompanhar as novidades.

Pra dar contexto. Nessa época os filmes mais influentes até então pra mim eram coisas como Exterminador do Futuro 2 de 92, Jurassic Park de 93, Toy Story de 95. Steve Jobs já tinha saído da Apple e só iria voltar pra Apple daqui 2 anos ainda. Ele tava ocupado com a Next e depois com a Pixar, e o lançamento do filme Toy Story foi um marco, tendo sido o primeiro longa metragem de sucesso feito em CG, coisa super normal hoje. A era da computação gráfica tava só começando. E estudantes como eu sonhavam de poder usar uma workstation como as da Silicon Graphics ou da Sun.

Interfaces gráficas ainda eram novidade. Windows 95 tinha acabado de ser lançado. Java 1.0 tinha acabado de ser lançado. Netscape 1.0 tinha acabado de ser lançado. Delphi 1.0 tinha acabado de ser lançado. Meu computador na época já era um 386 com uns 33Mhz eu acho, não lembro se já tinha 4 mega de RAM. Monitor era VGA de 65 mil cores, resolução de 800 por 600. Pra colocar isso em perspectiva, os ícones dos seus programas são feitos em resolução retina, de 512 por 512 pixels. Ou seja, num único ícone de hoje quase cabia todos os pixels do meu monitor de 1995.

Celulares ainda eram só pra voz. A coisa mais próxima de um computador portátil era o Palmpilot com 512 kilobytes de RAM. A mídia que a gente mais usava ainda era disquetes e CDs. Pendrive não existia. Tocador de mp3 ainda não existia. Eu tenho a impressão que GPS em carros tinha acabado de ser lançado, mas a gente ainda usava mapa em papel mesmo.

Internet ainda era uma grande novidade. Novidade no sentido das pessoas se perguntarem pra que servia, se era só mais uma modinha passageira que já ia acabar. As velocidades eram absurdamente horrendas. Hoje a maioria deve estar na faixa de 50 megabits por segundo. Naquela época o normal era 14 kilobits ou menos.

Aqui no Brasil, pra variar, a gente tava atrasado, mas nas faculdades dava pra ter uma idéia do que tava acontecendo nos Estados Unidos. Em 94 o Real tinha acabado de sair, e com isso pela primeira vez entramos num período fora da hiperinflação. Uns 4 anos antes o Collor abriu o mercado e possibilitou importarmos coisas como computadores, provavelmente a única coisa útil que ele fez. Daí as coisas começaram a acelerar um pouco.

Mas aos 19 anos, o máximo que eu tinha conhecimento sobre empresas de tecnologia eram os poucos provedores de acesso discado como Mandic ou STI. Ainda não eram gigantes, então dependendo de que parte do país você era, nem isso tinha ainda. Como Web ainda não era tão difundida, pra saber das novidades no mundo só por jornais e revistas ou participando de feiras como Fenasoft ou Comdex, que só aconteciam em São Paulo e no Rio de Janeiro. A internet do Brasil era limitada a poucas cidades e poucas regiões, por exemplo nas universidades federais.

Os poucos de nós que tinham acesso à internet na faculdade gastava tempo em salas de IRC e fuçando servidores FTP abertas que tinha por aí. E nesse cenário estava eu, ainda tentando entender o que queria fazer "quando crescer". Pense assim, computação no Brasil era super limitado. O que se considerava "profissão" era a área de processamento de dados, pra trabalhar talvez com Cobol em alguma indústria como automobilística, pra processar dados de mainframe. Talvez bancos. Nada muito empolgante, pra dizer o mínimo.

Pouco a pouco vinha crescendo um mercado intermediário, da microinformática comercial. Desenvolvimento de sisteminhas pra comércio e serviços. Plataformas como Clipper, Paradox, Visual Basic. O normal era programar pra DOS, os mais modernos pra Windows 3.1 de 16-bits.

E em 1995 tava começando a transição pra coisas como Windows 95 e 32-bits. Linux ainda era desconhecido. Lembrem-se que naquele momento male male tinha 4 anos de idade. Na indústria mais de ponta você ouvia falar de UNIX e minicomputadores e workstations.

Se você assistiu meu episódio sobre o Diário de Henry Jones, vai lembrar que eu sempre gostei de tentar entender a história da computação e a idéia de compilar meu conhecimento de alguma forma, como este canal do YouTube. 25 anos atrás eu já tinha essa vontade de escrever sobre o pouco que sabia. Gastei pelo menos de maio a novembro de 96 tentando compilar o que eu tinha lido em livros e artigos num único lugar. Foi a primeira tentativa que tenho documentado de tentar escrever alguma coisa.

Eu não era nada organizado então esquece bibliografia. Não tenho idéia de onde tirei todos os textos, mas o capítulo final veio quase inteiro como resumo do livro do Bill Gates. Com o lançamento do Windows 95, a Microsoft tava quase no pico da sua história. Naquela época eu tinha feito a transição de programar só pra DOS com coisas como Clipper e tava aprendendo a fazer sisteminhas em Delphi 1.0 pra Windows 16-bits.

Falando dos meus textos, eles eram bem ruins. Não que os de agora sejam alguma maravilha da literatura. Mas naquela época minha mania de fazer tangentes era bem pior. Eu ainda não tinha aprendido a editar e cortar fora a gordura ou separar em artigos diferentes e queria entuchar quinhentas coisas diferentes no mesmo lugar. Eu ainda faço isso, mas bem menos.

A primeira metade da minha "conclusão" tem mais cara de introdução. Longa, tediosa, e desnecessariamente detalhista. Mas a segunda metade é mais interessante. Não sei se eu vi isso no livro ou se foi idéia minha mas o texto é contado sobre como seria o dia a dia de uma pessoa do futuro. Eu vou adaptar um pouco o texto em si pra não ficar tão maçante. Se quiserem ler o original o link tá nas descrições abaixo. Daí vou intercalando com comentários de hoje. Vamos lá.

(...)

Hoje em dia os microcomputadores avançam cada vez mais rápido, com processadores mais velozes que o mais veloz e caro computador de uma década atrás. Todo mundo cada vez mais ligado a computadores. A maioria das pessoas da classe média e alta já usam micro em casa quase tão naturalmente quanto usam o microondas ou o controle remoto de TV.

(comentário) E isso não era verdade. Quando era novo eu achava que era e não achei uma estatística da época, mas dependendo de onde procurar vai ver que em 1998 menos da metade das casas dos Estados Unidos tinham computador.

No Brasil esse número era certamente ordens de grandeza menor. Eu chutaria que talvez 20%, se muito. Lembrem-se que quase perdemos a onda dos micros nos anos 80 por conta do mercado fechado e pela hiperinflação. Entre conseguir financiar uma moradia ou carro a juros altíssimos, computador era um luxo pra poucos. Só a partir de 94, com a entrada do Real, que ter coisas consideradas "supérfluas" como um computador, viria a se tornar uma opção.

E qual o perfil do cidadão da nova Era da Informação? Hoje em dia uma pessoa comum, pode acordar, ligar seu micro, acessar sua conta de Internet e verificar seu INBOX pra ver se tem novos emails. Enquanto toma seu café, pode acessar a Web e procurar por alguma versão eletrônica dos principais jornais e ver as manchetes do dia enquanto degusta um bom croissant e toma um capuccino.

Em seguida, poderia acessar os bancos de dados da empresa onde trabalha e ver se tem alguma novidade. Ele se conectaria à rede da empresa, talvez uma Intranet e realizaria todo o trabalho que é possível ser feito remotamente, como atualizar os dados da empresa, enviar relatórios e outras coisas.

Mais tarde ele vê na sua agenda eletrônica que vai ter uma reunião para discutir dados referentes ao seu departamento. Ele liga sua mini câmera situada no topo do seu monitor e se liga à Internet.

A reunião será composta por várias pessoas, cada qual em uma filial da empresa em outros países. A Internet é uma rede global. Logo, pessoas de vários países podem se comunicar, virtualmente como se não existissem fronteiras. Essa reunião seria via telepresença, uma teleconferência. A câmera serve pra transmitir sua imagem pela rede.

Utilizando-se de programas comuns como uma planilha de dados, elas podem compartilhar dados e discutir estratégias interagindo diretamente com esses dados e retransmitindo para os outros em tempo real, como se fossem dados numa folha de papel única onde todos rabiscam ao mesmo tempo, sem necessidade de presença física. Depois dessa reunião, o banco de dados de cada filial já está atualizado.

A agenda eletrônica de todos é atualizada dinamicamente pela rede ligada às outras agendas - um conceito interessante onde um compromisso de grupo é inserido nas respectivas agendas automaticamente, com um programa que verifica a disponibilidade de cada um do grupo a arruma a agenda da melhor forma possível.

(comentário) Esse trecho é bizarramente atual, em tempos de quarentena e trabalho remoto. Em 1996 já era possível imaginar agendas compartilhadas via Google Calendar, calls via Zoom e trabalho colaborativo usando coisas como um Google Docs de hoje. Mas apesar de parecer uma premonição, na época a gente já conhecia coisas como o Lotus Notes e depois o próprio Microsoft Exchange pra trabalho em equipe. Guardem isso que vou explicar mais pra frente.

Notável é o uso de termos como Era da Informação. Em gerenciamento se falava muito disso da era dos Knowledge Workers ou trabalhadores do conhecimento, pra contrastar os novos tipos de profissão que não tem rotina, como programação, onde o principal é a capacidade de resolver problemas diferentes em vez de repetir as mesmas coisas todos os dias. Esse termo foi cunhado por uma das referências na área de administração, Peter Drucker.

E também note como eu falei de "mini câmera" porque o termo webcam ainda não era usado. Dois anos antes, em 1994 a Apple foi uma das primeiras a ter uma webcam, mas chamava QuickCam, feita pela Connectix. Essa foi a primeira versão comercial, e o primeiro protótipo foi de 1991, de estudantes da universidade de Cambridge que apontaram uma camera conectada na rede pra vigiar uma garrafa de café, daí eles não precisavam perder tempo indo até a cozinha se não tivesse café. A preguiça bem aplicada é sempre uma boa fonte de inspiração pra inovações. Vamos continuar.

Durante o dia ainda tem uma série de operações bancárias que precisam ser feitas. Depois de confirmadas são todas enviadas pra um servidor do banco via computador. Uma senha de segurança é digitada e todas as movimentações financeiras do dia são efetuadas.

No fim do dia ainda precisa fazer reservas de vôo pras férias que tá chegando. Via computador dá pra acessar a rede da companhia aérea, conhecer os diversos pacotes de férias e daí decidir o mais adequado. Daí é só preencher um formulário eletrônico, um e-form, e pronto.

Fim do dia, nosso amigo já tá exausto depois de trabalhar o dia todo e resolve pedir uma pizza. Na Internet as melhores pizzarias já tem sites pra pedidos eletrônicos. Depois de fazer o pedido é só dar o número do cartão de crédito. A pizza chega em pouco tempo, entregue a domicílio.

Da mesma forma também dá pra ir numa renomada loja de música ou livros e fazer encomendas depois de uma longa olhada na seleção dos best-sellers do mês na Web, igual ao pedido de pizza. O cartão de crédito vem servindo bem por enquanto como o dinheiro eletrônico da Internet.

Então, depois de mandar alguns e-mails pra amigos e ver a última atualização do jornal da noite na Web, o dia acaba bem. Esse foi um resumo do dia de uma pessoa de negócios da nova geração. Mas ainda tem os herdeiros dessa nova geração, os jovens. O novo mundo tem espaço pra todos e crianças e adolescentes são os alguns dos principais usuários das novas tecnologias de informação.

(comentário) Dependendo de como você lê esse trecho, pode pensar que a gente já tinha previsto a massificação do Internet Banking, do ecommerce em geral, como Amazon, até delivery como iFood. Na real não é bem assim. Em 96 já existia internet banking, bem limitado e desconhecido mas tinha.

O primeiro banco brasileiro a oferecer algum serviço via web foi o Bradesco em 95. E outros bancos como Unibanco seguiram rápido. Era super precário. Se você acha os de hoje ruins, nem imagina como era em 96, mas pra ser justo, eles até que tavam tentando.

Nem Amazon, nem MercadoLivre, nem nada disso ainda ia existir por mais meia década, mas já existiam exemplos rudimentares de ecommerce. O que é considerado o primeiro grande ecommerce do Brasil foi a Booknet do escritor Jack London, fundada no final de 95. Se você nunca ouviu falar, alguns anos depois ela foi vendida pra GP investimentos, um dos primeiros venture capitalists a atuar na américa latina.

Sua fundação se tornou o Submarino.com. Muito antes da B2W ou da Americanas. Claro que em 96 a gente não sabia disso. Acho que eu nem sabia que a Booknet existia ainda. Mesmo em 99 ele tinha só uns 50 mil clientes, e isso já era considerado grande na época.

Ecommerce ainda era bem difícil porque ninguém tinha motivos pra confiar em digitar número de cartão de crédito em sites estranhos. Levou anos pra tecnologia convencer as pessoas que finalmente ficou seguro. Mas em 96 realmente era bem inseguro fazer compras online.

Não impactava tanto quanto hoje porque a gente não tinha uma fração da quantidade de gente transacionando. E já se tinha a noção de que poderia existir algum tipo de e-dinheiro ou dinheiro digital. E-cash é um conceito que só viria a acontecer mesmo mais perto do ano 2000. O Paypal mesmo só seria fundado em 1998.

E no último trecho é notável também que a gente acreditava que os jovens iriam ter um papel fundamental na adoção de novas tecnologias. A primeira rede social online no formato mais parecido com o que conhecemos hoje, fora dos aplicativos só de comunicação como IRC, AIM ou ICQ seria o SixDegrees.com de 1997, que foi o avô de redes como Friendster, MySpace ou Orkut.

Tomando isso como base já temos quase todos os elementos pra novas tecnologias, como computadores de bolso. Esse tipo de dispositivo seria mais ou menos do tamanho dos pagers que temos hoje, com microprocessadores poderosos e menores do que os atuais, e com ligação wireless a milhares de servidores disponíveis em várias redes, como a Internet. Pagamentos em lojas e quiosques seria feita utilizando esse aparelho pra realizar movimentações financeiras uma vez que há a possibilidade de se ligar à um banco.

Além disso há a unificação de plataformas com a Internet. A Internet é quase um sistema operacional completo. Com linguagens como um Java de hoje já é possível criar aplicativos disponíveis em tempo real na rede sem a necessidade de uma cópia em cada micro, ou seja, pra usar um editor de textos precisaria instalar no HD do seu micro numa plataforma como Windows.

Com a plataforma da Internet os HDs seriam praticamente desnecessários em sistemas de computação móvel, com o sistema operacional pra rede gravada em ROM e seus arquivos poderão ser gravados no espaço em disco na conta Internet disponível. As vantagens são óbvias: menor espaço físico pro micro local, acessibilidade do aplicativo e dos arquivos salvos de qualquer lugar e usando qualquer computador ligado à Internet.

(comentário) Isso se parece muito com o que você tem hoje em dia com SaaS e Cloud em geral: não precisa instalar nada pra usar Google Docs, Gmail, Slack, e ter todos os seus arquivos no cloud, num Microsoft OneDrive ou Dropbox. Nos anos 90, empresas como a Sun e Oracle estavam tentando entender a melhor forma de organizar aplicativos online. Porque instalar na máquina de todo mundo e ter o trabalho de atualizar tudo? Em vez disso porque não ter servidores potentes e máquinas clientes mais fracas que servissem só como terminais. Era a idéia dos NetPCs.

Na nossa cabeça de 96, o nosso Google Docs de hoje seria um aplicativo feito em Java que carregaria pelo navegador como um applet. E passamos anos tentando fazer algo assim, tanto com applet como com coisas como ActiveX da Microsoft. Ainda ia levar mais de 10 anos, até a época do primeiro Gmail, pro HTML e Javascript finalmente se tornarem minimamente usáveis pra aplicativos.

E ainda ia levar até 2006 pra AWS aparecer e começar a moldar a idéia de cloud computing, onde a gente teria nossos dados e processamento totalmente na nuvem. Além de cloud, o primeiro trecho descreveu exatamente como é um smartphone dos dias de hoje, perceberam?

Em casa, a indústria de entretenimento ganha um novo aliado. Até agora um dos maiores avanços foi a introdução da TV a cabo, com imagens de altíssima qualidade e possibilidades de centenas de canais diferentes. Isso vem se tornando quase tão comum quanto um videocassete. Tomando carona nessa infra-estrutura um aparelho parecido com um videogame ou videocassete está sendo testado e já tá em fase avançada de desenvolvimento: o set-top-box.

Esse aparelho, munido de rápidos e poderosos microprocessadores irá se tornar o aparelho padrão da casa moderna. Com um set-top-box ligado à TV e conectado à Internet uma infinidade de possibilidades seriam abertas. A interatividade com os programas de TV como os Talk-Shows ou Game-Shows seriam muito maiores com os telespectadores interagindo com os apresentadores com a velocidade de transmissão dos cabos usados na TV a cabo. Os sistemas de tele-compra se difundiriam muito mais transformando Shopping Centers inteiros em ambientes virtuais a serem navegados na Internet.

Além disso, quando os set-top-box ficarem mais comuns, coisa de no máximo uma década, as video-locadoras atuais seriam virtualmente extintas devido à outra tecnologia: o video-on-demand. Com a velocidade aumentada devido à utilização de cabos de fibra-ótica, muito mais dados poderiam trafegar de uma vez o que tornaria possível transmitir filmes inteiros via Internet.

As pessoas também já não precisariam mais ficar presos a horários fixos. Com as telecomunicações ligadas na rede, bancos de dados de grande capacidade poderiam armazenar todos os programas do dia e transmití-los à vontade do assinante. Assim, basta escolher num menu que apareceria na tela da TV pelo programa que tem vontade de assistir na hora que quiser e não perder mais tempo com comerciais ou ter que ir à uma locadora para alugar um vídeo.

(comentário) Desde o começo do Java, antes dos NetPCs, muitas empresas já vinham perseguindo a idéia de um microcomputador que eles chamavam de set-top-boxes. Literalmente caixas que você ia deixar em cima da TV, talvez recebendo internet pela mesma infraestrutura de TV a cabo. E seria tipo um hub, um cérebro que ia permitir a gente ter mais controle sobre a programação da TV.

Muita gente até hoje ainda assiste TV de forma passiva, mas se você assiste meu canal você faz parte da geração que assiste o que quer e quando quer via YouTube ou Netflix da vida. O que a gente chamava de set-top-box hoje você chama de Chromecast ou Apple TV, ou melhor ainda, SmartTV, que já vem embutido com um microcomputador dentro rodando algum Android da vida.

Na previsão a gente fala que em até 10 anos isso ia acontecer e seria o fim das locadoras. Levou mais de 10 anos, precisou de coisas como o Tivo, Roku, Apple TV, Chromecast, o sucesso da tecnologia de smartphones pra termos processadores ARM e sistemas operacionais como Android ou Tyzen pra ficar barato o suficiente pra adicionar em toda TV. Todo mundo tentou solucionar esse problema na 1a década do século XXI, mas foi um processo bem mais lento de várias empresas em paralelo. Mas mesmo assim, redes de locadoras como Blockbuster de fato desapareceram antes disso.

Bill Gates acreditava que a Internet da época ainda era a versão 1.0, super rudimentar, super lenta. Boa parte do que a gente usava dependia da infraestrutura da antiga Arpanet, montada mais pra fins acadêmicos. Não era robusta o suficiente. Pra internet comercial acontecer de verdade precisaria haver algum motivo pras pessoas quererem banda larga.

É um investimento enorme das telecoms e elas precisam saber que haveria retorno desse investimento. Gates acreditava que video on demand seria o catalizador pra essa demanda, porque só via linha discada da época seria impossível assistir video em tempo real como fazemos hoje.

A febre da bolha da Internet ajudou a acelerar essa infraestrutura. Muitas empresas investiram nisso durante o fim dos anos 90 e começo dos 2000. Mas levou mais de uma década pra gente ter banda larga difundido o suficiente pra possibilitar um YouTube a partir de 2005.

Hoje em dia, de fato, o maior uso de banda no mundo é de serviços de streaming, tanto que quando as quarentenas começaram e todo mundo foi obrigado a ficar em casa, aumentou dramaticamente o uso de banda ao ponto que os governos da Europa pediram pra Netflix da vida forçar baixar a qualidade do streaming pra usar menos banda, porque a infraestrutura não tava preparada pra tanta demanda do dia pra noite.

Mas o ponto é que o Gates tava certo em imaginar que se a internet fosse se tornar o tal "information superhighway", como ele chama no livro, termo cunhado pelo Al Gore lá por 94, a infraestrutura física tinha que ser muito mais que usar a rede discada e modens lentos.

Iria passar pelo reuso da rede de TV a cabo até conseguirmos ter fibra ótica, cabos submarinos, satélites e tudo mais pra ligar tudo mundo em banda larga como é hoje. E o catalizador pra isso poderia ser video on demand, como de fato foi. Mas a previsão tava muito arrojada, demorou um pouco mais do que a gente pensava.

O comércio ganharia um contexto totalmente novo. Hoje em dia vamos às lojas, pesquisamos no boca-a-boca, gastamos horas e horas visitando dezenas de lojas por horas a fio até encontrar o que precisamos. Os mais avançados usam o sistema de tele-compras que usam canais de TV só deles pra apresentar produtos e permitir compras só usando telefone, cartão de créditos, com entrega a domicílio. Utilizando um micro na Internet também já temos a possibilidade de encontrar muitas opções parecidas como lojas de música, livros, equipamentos eletrônicos, companhias aéreas e mais.

Mas num futuro bem próximo vamos ter virtualmente tudo que temos na vida real via Internet. Teríamos desde o mais simplório super-mercado até o maior Shopping Center em ambientes virtuais pra navegarmos com simplicidade e todas as compras seriam feitas via cartão de crédito, como hoje, ou por dinheiro-eletrônico. Nesse sentido já existem muitas empresas se ligando a grandes bancos para criar um padrão seguro e viável de virtualizar o dinheiro, assim as operações financeiras seriam muito mais fáceis e seguras que hoje.

(comentário) Esse era um dos usos mais fáceis de visualizar naquela época, que é o comércio online. Mas a gente ainda não tinha muita idéia de como isso ia acontecer. Muito tempo antes da gente se preocupar com segurança, alguns se arriscavam a comprar online com cartão de crédito. Mas antigamente não tinha Paypal nem nada disso. SSL tinha acabado de ser inventado. Quase nenhum banco tava preparado pra esse tipo de integração. Ainda ia levar alguns anos pro ecommerce se tornar massivo.

Naquela época a gente ainda não conseguia imaginar um Google, muito menos ad sense, SEO e tudo mais. Nossa idéia de procurar na internet era ter algo parecido com as páginas amarelas na Web. Era a idéia ingênua de catalogar tudo que existe mas ninguém pensava que teria tantos sites que logo precisaria ter alguma forma de pesquisar via relevância. A gente tinha idéia de search engines mas não tinha idéia do PageRank do Google, que ainda estava bons 3 anos no futuro.

Fora que hoje temos o conceito de marketplaces, onde uma Amazon ou MercadoLivre da vida concentra acesso ao inventários de centenas de lojas menores por baixo. A idéia antiga eram só lojas independentes ou algum conceito de shopping center virtual. E quando a gente falava "virtual" era uma noção bem scifi de realidade virtual mesmo.

VR era uma tecnologia que a gente tava começando a brincar. Mas nem hoje ninguém sabe como é o melhor jeito ainda. O máximo que a gente tinha na cabeça era a idéia de portais web, que todo discador dava acesso, como UOL, Terra ou iG da vida, que funcionavam como porta de entrada pra tal "web".

Em outra situação veríamos uma pessoa entrando no seu carro popular mas com um detalhe se sobressaindo no painel: uma espécie de tela plana wireless ligada à Internet poderia automaticamente ler as informações sobre as vias públicas mais próximas e identificar um engarrafamento e encontrar um caminho desobstruído. Além, é claro, de servir como um computador de bordo completo.

(comentário) De novo, esse tipo de coisa não era tão difícil de imaginar porque a gente já tava começando a ver a primeira geração de GPS e mapas digitais. Lógico que dali pra um Waze ia precisar de quase 20 anos de novas tecnologias. Mas o conceito que a gente entendeu nos anos 80 a 90 foi a visão de Gordon Moore, onde o poder de processamento dobra a cada 2 anos mais ou menos.

Em particular passamos os anos 70 e 80 vendo empresas como a Sony miniaturizando tudo, como sair dos enormes tocadores de LP pra walkmans por exemplo, então a gente extrapolava que no futuro ia continuar nesse mesmo ritmo e muito em breve ter um computador no carro seria inevitável.

As escolas e os centros de treinamento também seriam beneficiados pelas novas tecnologias como monitores planos tão finos quanto um quadro-negro ligados à um micro computador e este ligado à Internet. Qualquer dado poderia ser adicionado à uma apresentação pré-preparada em real-time ou então um grupo de pesquisadores poderia se comunicar com um expert do outro lado do planeta via teleconferência. E em vez de cada participante fazer anotações em cadernos usando as primitivas canetas ou lápis, cada computador de bolso pessoal seria ligado à rede local e toda informação relevante seria automaticamente armazenada na sua conta de Internet.

O Wallet-PC substituiria vários documentos como a carteira de identidade, documento de motorista, passaporte, exames médicos e muito mais, bastando ao usuário digitar sua senha pessoal e acessar os dados pela rede. Assim, num aeroporto, a passagem seria validade pela transferência de dados do micro computador ao computador do aeroporto, o passaporte seria verificado e a passagem validada sem a necessidade de qualquer outra interação do usuário senão tocar na tela ( touch-screen ).

(comentário) Uma das coisas que o Gates acertou foi a noção de smartphones que temos hoje. Ele chamava de Wallet-PC e tecnicamente ele descrevia como um computador do tamanho de uma carteira.

Vale lembrar que a Microsoft de fato tentou implementar muitas dessas idéias. Lá no começo dos anos 2000 eles já tentaram ter uma tela de notebook com touch com suporte no Windows. Mas o conceito ainda tava muito à frente do tempo. Foi só depois dos Blackberry, lançamento do iPhone, telas multi-touch e a chegada das redes 3G que chegamos a concretizar essa visão.

Depois surgiram coisas como QR codes, RFID e outras formas de codificação que facilitaram muito termos coisas como passagens digitais, identificação de produtos e muito mais, mas isso só apareceria mesmo na última década.

A parte da educação que não mudou muito. Eu fico pasmo de ver que estudantes de computação hoje estão aprendendo mais ou menos do mesmo jeito que eu aprendia em 96. Claro que ter material online, comunicação distribuída como whatsapp, emails, google drive e tudo mais ajuda muito comparado ao que eu tinha, mas não foi uma disrupção significativa. O sistema em si ainda é o mesmo. Uma hora eu falo mais sobre educação, mas se os cursos de agora são alguma indicação, essa é uma área que evoluiu muito pouco.

A evolução mais que premeditada e com a ajuda de dezenas de gigantes da informática como Oracle ou Microsoft é a da Super Information-Highway, a evolução direta da Internet e provavelmente uma das maiores revoluções da conectividade. Isso irá acontecer quando a rede for usada pra mais serviços, difundida nas casas de mais pessoas com possibilidades de armazenamento de dados, processamento de informações e muito mais além de conseguir concentrar o mundo todo numa grande rede onde dá pra fazer quase tudo. A rede que vai ligar os micros em casa aos servidores das empresas aos Wallet-PC aos computadores de bordo de veículos de qualquer natureza e a muito mais coisas.

E tudo isso é só uma simples amostra das tendências para a próxima geração, coisa muito próxima e já com muitos elementos prontos e outros já em desenvolvimento. Em pouco tempo todas as tarefas dispendiosas e tediosas poderão ser feitas em segundos e informações de milhões de fontes diferentes em centenas de locais distribuídos no mundo todo estarão disponíveis ao "toque de um dedo".

(comentário) E essa foi minha conclusão. A gente sempre tinha na cabeça esse conceito abstrato chamado Information Superhighway. A internet comercial tinha acabado de começar mas a gente ficava imaginando o que seria a próxima versão da internet. Isso era derivado da idéia do Gates de ter um computador em cada casa, e o passo natural com a internet era cada computador em cada casa com acesso à internet. Mais do que isso, o processamentos e os dados nesse lugar abstrato que antes chavam de super highway e hoje chamamos de Nuvem.

Eu com 19 anos nunca fui o tipo empreendedor nem nada disso. Depois de ler tudo isso eu tava empolgado com o futuro. Mas eu não tinha vontade de ser aquele que ia inventar o Waze, Zoom, Google ou qualquer coisa assim. É aqui que eu falo que você tem que tomar cuidado pra não querer tentar fazer as coisas do jeito que eu faço.

Eu simplesmente gosto de novas tecnologias. 25 anos depois eu continuo inconformado e quero mais. Mas não tenho esse drive de precisar fazer as coisas eu mesmo. É meio como quem gosta de carros esportivos, você quer poder dirigir um Lamborghini, mas não necessariamente quer construir o próximo Lamborghini. Ou quem gosta de um bom vinho gran crux. Eu quero poder tomar um vinho campeão mas não quero gastar a próxima década produzindo a melhor uva. Tecnologia pra mim é que nem um Armani, eu quero ter, mas não faço questão de virar estilista pra isso.

Eu sempre gostei de adotar tudo que saía de novo, o novo me deixa empolgado. Tecnologia em particular é interessante porque é como poder ter uma Ferrari sem precisar pagar o preço de uma Ferrari, porque é tudo digital, só baixar e entender. Novos sistemas operacionais, novas linguagens, novas bibliotecas. Eu sempre tive a obsessão de um colecionador.

Por acaso, à medida que eu ia colecionando, e ia aprendendo os detalhes de como cada coisa funcionava, por coincidência esse conhecimento acabaria sendo útil pra muita gente. E no próximo episódio vou mostrar como essa obsessão por colecionar tecnologia iria ser a fundação da minha carreira de maneiras inesperadas.

Só refletindo hoje é que parece que o livro The Road Ahead foi mais influente do que eu imaginei na época. Eu nunca fui fã do Bill Gates, mesmo depois de ter lido o livro. A gente usava coisas da Microsoft porque era a maior e praticamente não tinha concorrentes. Apesar de ter usado MS-DOS e Windows 3.1 por anos já, logo que saiu coisas como o Netscape ou Linux, eu quis usar no mesmo dia que descobri que existiam. Desde a faculdade eu nunca tinha aprendido o conceito que a gente precisava ser fã de alguma coisa. Eu só queria o que era mais novo e melhor e ponto.

O episódio de hoje foi mais pra desenterrar mais uma memória que eu nem lembrava que tinha e por coincidência é um material que fez 25 anos este ano. Eu gosto de ter guardado esse material que escrevi. Era uma época em que a gente era ingênuo e tudo parecia possível. Muita coisa que tinha no livro do Gates não aconteceu ou aconteceu diferente. Então também não é um livro profético nem nada. É muito fácil escolher só as previsões que deram certo. Especialmente porque as que deram certo poucas vieram da própria Microsoft. Empresas como Google, Apple, Amazon foram mais decisivas em concretizar essa visão no meio dos anos 2000.

Eu não sou nenhum tipo de profeta ou tenho bola de cristal por ter escrito essas coisas. Eu só observei o que outros como Gates falavam. O próprio Gates estava perto do ápice. Pra dar noção, no fim de 1996 a Microsoft ia ser avaliada em 100 milhões de dólares. Ao fim dos anos 90 estava próxima de meio trilhão, mas aí a bolha da internet estourou e ela diminuiu pra menos de 1 quarto de trilhão. Depois da crise financeira de 2008 ia diminuir ainda metade desse valor, pra ficar próxima dos 100 milhões de valuation igual 1996. Mas depois iniciou o atual super ciclo de crescimento, onde todo mundo só cresce faz quase 12 anos e em 2019 ela finalmente ultrapassaria o 1 trilhão, pra se unir aos big 4 de hoje que são a Apple, Alphabet e Amazon.

Por causa disso ele tem acesso a todas as principais pesquisas em todas as principais áreas da indústria. O co-autor do livro The Road Ahead foi Nathan Myhrvold, que foi CTO da Microsoft na época e co-fundador da controversa Intellectual Ventures que é um portfolio de patentes. Ele já desenvolveu e comprou dezenas de milhares de patentes e é considerado um "patent troll", que são aqueles que saem processando os outros por patentes triviais até, quase extorsão.

Mas apesar das controvérsias ele de fato é um cientista que ao longo dos anos trabalhou em diversas áreas como astronomia, paleobiologia e muito mais. O ponto é que o co-autor do livro tinha de fato o dedo em todo tipo de inovação que tava no forno e ninguém sabia que existia na época. O melhor jeito de prever o futuro, como já diria Steve Jobs, é inventar o futuro.

Seria muito clichê dizer que o livro me inspirou a entrar na área de wallet-pcs que viriam se tornar smartphones ou a estudar redes pra entender como fazer video on demand ou qualquer coisa assim, mas também não. Nenhuma decisão de carreira que eu tive jamais teve nada a ver com o livro. Mas de qualquer forma é uma publicação que fez sentido pra minha cabeça de 19 anos de idade e me ajudou a visualizar como as coisas poderiam ser no futuro. Então quando cada uma dessas coisas começaram a aparecer anos depois, facilitou eu adotar porque fazia parte dessa grande visão de futuro.

Por hoje eu só queria compartilhar essa história não pra dizer que ela me inspirou a seguir determinado caminho, mas sim pra dizer que uma vez que a gente chega no futuro é muito fácil contar uma história voltando pra trás. Hoje em dia os jovens de 19 anos provavelmente estão igualmente empolgados com o que os visionários de hoje prevêem sobre o futuro como os Elon Musk da vida.

O aviso é só pra não acreditar em tudo ao pé da letra, mas não há mau nenhum em ter a visão de inteligências artificiais e fontes de energia alternativas pro futuro. Daqui 25 anos talvez essas coisas já tenham se tornado triviais também. E quem quiser compartilhar histórias do que pensavam sobre o futuro nos anos 90, não deixem de mandar nos comentários abaixo. Se curtiram o video deixem um joinha, assinem o canal, cliquem no sininho e não deixem de compartilhar o video com seus amigos. A gente se vê, até mais.

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