[Akitando] #76 - Guia DEFINITIVO de Aprendendo a Aprender | A maior BRONCA da sua vida [RATED R]

2020 April 01, 10:41 h

DESCRIÇÃO

Quem é o tipo de profissional que vai sobreviver à Crise Econômica Pós-COVID-19 na nossa área de desenvolvimento de software? Como se faz pra ser tornar esse profissional?

Se por acaso eu decidisse fechar meu canal hoje, eu diria que este seria um FINALE digno do que eu produzi até agora.

Este vídeo vai ser um dos mais longos e talvez até um pouco cansativo em partes mas é porque eu realmente quero martelar pela última vez o que eu venho falando faz um ano e meio sobre o processo de aprendizado, particularmente para iniciantes que querem aprender programação.

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SCRIPT

Olá pessoal, Fabio Akita

Estamos na semana do dia 1o de abril de 2020, esta é minha 3a semana de quarentena por causa da situação do COVID-19. Eu descrevi sobre os possíveis desdobramentos econômicos no vídeo da semana passada e recomendo que dêem uma olhada se ainda não viram pra ter contexto. Aliás, agradecimentos a todos que contribuíram compartilhando porque aquele video ironicamente “viralizou”! E por isso, finalmente hoje vou fazer meu primeiro vídeo patrocinado! O video de hoje é patrocinado por Skill Share …. Ha! Primeiro de Abril! Vocês sabem que eu não aceito patrocínios.

Como vieram milhares de pessoas novas acho que vale 10 segundos pra explicar rapidamente que este canal é mais voltado a pessoas de tecnologia, em particular aqueles que são ou querem se tornar programadores. Não vai embora! Serve pra quem não é também mas de vez em quando vou puxar mais pra programador! Eu sou programador e empreendedor e tenho quase 30 anos de experiência na área, e o canal é uma forma de compartilhar o que aprendi até agora. O canal tem pouco mais de 1 ano e meio e não é monetizado de propósito, porque eu não faço questão de fazer conteúdos só aumentar público a qualquer custo. Por isso você pode voltar pro primeiro video do canal e começar a assistir tudo hoje porque eu faço conteúdos que sejam válidos em qualquer época. Alguns são mais técnicos, alguns são mais gerais. Vejam a playlist Carreira ou Tough Love, por exemplo.

O tema do vídeo de hoje é educação, mais do que isso, é sobre o que eu considero a forma correta de aprender, não só programação, mas qualquer coisa que seja profissão de prática. O jeito que você não vai achar em praticamente nenhum curso por aí. Se você já assistiu meus videos anteriores, acho que já tem idéia de onde eu vou chegar - e mesmo assim acho que vai ter uma surpresa no final. Já peço desculpas porque vou ser até meio repetitivo em alguns tópicos porque realmente quero marretar esses conceitos de uma vez hoje.

Considerando que muitos são novos no canal e ainda não viram, deixa eu introduzir com um trecho do meu vídeo Pequena Retrospectiva 2018 e Previsões 2019 que publiquei em janeiro de 2019, mais de um ano atrás. Eu vou aumentar a velocidade pra 1.5x em todos os trechos pra ir mais rápido:

(VIDEO ...)

[trecho - ini] Em termos de carreira na nossa área de tecnologia, estamos num momento de consolidação. Como disse antes, eu não vejo nada particularmente interessante que valha a pena focar todas as suas energias. Já faz pelo menos uns 5 anos que nada de realmente interessante aparece, só vaporware, só hype, mas nada que se provou ainda. Então, não acredite em nenhuma propaganda que se auto-intitula a salvação da lavoura, porque não tem. Só consolidações. A diferença é que eu espero que você tenha investido nos seus estudos nos últimos anos porque se o mercado se retrair, a competição vai aumentar, a demanda vai cair, e o mercado vai começar a separar o joio do trigo.

Por acaso, a entrada no século XXI foi marcado por um grande crash e uma depressão em 2001. Quase 10 anos depois em 2008/2009. E agora em 2019 ou 2020 já temos sinais de que estamos pra passar por algo similar. [trecho - end]

[trecho - ini] Resoluções pra 2019? Se a recessão não chegar este ano, aceite a sorte. Use este ano pra investir o máximo que puder nos seus estudos. Em 2020 você vai precisar disso.

E claro, como eu disse, especialista ou não especialista, ainda não existe ninguém que pode prever o futuro com certeza, nem especialista financeiro, nem cartomante. Mas, os sintomas estão aí. Vai bobear? Ah sim, e mudar de país não resolve o problema, porque essa tal próxima crise pode ser global e justamente os países hipster que a molecada gosta vão ser os primeiros a ser afetados. [trecho - end]

Não, eu não tô querendo dizer que eu previ o que ia acontecer em 2020, obviamente eu não tenho bola de cristal, não sou Bidu e muito menos Nostradamus, que também não previu grande coisa. Mas se um ano atrás parece muito longe, vamos ver um trecho do video de junho de 2019 chamado A Bolha de Startups vai Estourar:

[trecho - ini] Vamos colocar dessa forma: eu tomaria cuidado em apostar numa tech startup que opera com cash flow negativo, ou seja, que não dá lucro e não tem planos no curto prazo pra reverter. Especialmente se você estiver apostando morar fora do país ou algo assim. Esses planos vão ser cortados muito em breve. [trecho - end]

[trecho-ini] Eu gosto de ser conservador, eu detesto ser otimista demais porque os otimistas são os primeiros a cair quando uma crise aparece, especialmente uma que já está dando sinais cada vez mais claros. Eu sou um cético pragmático. Eu já sobrevivi a 2 ou 3 grandes crises. Sobrevivi os anos 90, os anos 2000 e os anos 2010, cada década teve uma crise e eu realmente nunca tive grandes problemas durantes esses períodos de transição. E o ponto de dizer tudo isso é porque durante minha carreira eu segui exatamente a descrição acima sobre a minha profissão. Quando o mercado acumula gente demais e de repente a demanda some, quem você acha que as empresas mantém e quem você acha que elas abandonam? [trecho - end]

[trecho - ini] O recado é muito simples: você está vivendo hoje num mercado que globalmente paga mais do que se deveria, fique esperto, essas coisas nunca duram. Se você está sentindo dificuldades hoje, vai ficar pior. Por outro lado, quem está conseguindo se enganar surfando na onda, vai tomar um caldo muito em breve. [trecho - end]

Está parecendo atual? Vamos ser mais atuais ainda. Na semana do carnaval a revista Exame continuou contribuindo pra idéia errada de que programação é um dos empregos mais bem remunerados e virou piada porque ainda quis fazer uma chamada bem click-bait, ou pega-trouxa em bom português, contando a anedota do estagiário que recusou uma proposta de 10 mil reais. Basicamente todos os casos contados na matéria eram exceções da regra, distorções. E o problema: eles não explicaram o momento de bolha do mercado, que é a razão dessas distorções. Sem querer, uma semana antes dessa matéria sair eu já tinha uma resposta pronta no video Programação Não é Fácil, de 19 de fevereiro de 2020 onde dentre várias coisas eu expliquei:

[trecho - ini] Pior que isso, mais da metade do valor de um lugar desses é só promessa. Imagine o montante de equity que existe espalhado nesse mercado. É um valor absurdamente grande. Só que isso é uma promessa. Se a startup falir antes de conseguir atingir o ponto de abrir capital e realizar sua valuation, todo esse equity vai valer zero no dia seguinte. Isso mesmo, zero. É uma bolha. [trecho - end]

[trecho - ini] Sabe onde isso vai chegar? Da próxima vez que a bolha estourar, e isso pode ser em breve ou pode ser em poucos anos, quem não for programador de verdade, ou seja, quem não souber como de verdade entregar resultados proporcionais ao que ganha, vai ficar sem emprego. Nunca se esqueça: sempre vai existir um indiano que faz o que você faz por menos da metade do preço. Provavelmente pode colocar um chinês junto nessa equação agora também. [trecho - end]

[trecho - ini] Sempre tenha em mente, você raramente vale o que você “acha” que vale. Todo mundo acha que deveria ganhar mais. E todo mundo que paga sempre vai achar que deveria pagar menos. Esse é o jogo. E é a lei da oferta e da procura que vai dinamicamente ajustando isso. Só que em períodos de bolha a demanda é desproporcionalmente mais alta, não dá tempo da oferta atender, então o que varia é o preço acima do normal. Em crises é o oposto, a demanda seca, e a oferta fica com estoque sobrando, o que varia é o preço abaixo do normal. Essa é a conta. [trecho - end]

Tudo que eu mostrei dos meus videos anteriores parece super profético, mas não é bola de cristal. Todo mundo que estava acompanhando sabia que as economias globais montaram uma casa de cartas muito frágil e estava já a perigo de cair com qualquer sopro. Ninguém poderia imaginar que não seria um sopro e sim uma martelada brusca e violenta na forma dessa pandemia. o cenário que nós já prevíamos como difícil a partir de 2020 se tornou quase um apocalipse.

Repetindo, estávamos em uma bolha, que 6 circuit breakers então, e contando, estourou. Se você tem só uns 25, talvez até 30 anos, você conheceu um mundo que só veio inflando desde 2009. Foram 10 anos de exuberância irracional, com centenas de tech startups operando com caixa negativo, dependendo de rounds de investimento pra pagar as contas, com a promessa de um dia poderem dar exit seja abrindo IPO ou vendendo pra outra empresa maior. Essa mamata acabou. Com a crise iniciada com o COVID-19 o dinheiro ficou mais caro. Dólar se tornou o ativo mais importante pra agora. Ou seja, os VCs ou Venture Capitalists, que dependem de levantar fundos, vão ter dificuldade de levantar mais dinheiro. Então as startups que dependiam desse dinheiro agora, ou não vão ter nada, ou se puderem ter vai ser às custas de dar mais equity pros investidores. Como os investidores anteriores tem cláusulas anti-diluição, quem vai ser diluído são os fundadores. E quem tinha stock option, nos dois casos, está pra ver essas opções virando fumaça.

Eu chutaria que se metade sobreviver o próximo ano, deram sorte. Na prática pelo menos um quarto deve fechar as portas. E eu já tenho recebido notícias de vários conhecidos em várias partes do mundo dizendo que as startups estão já cortando um número grande de funcionários. O pior caso que eu ouvi até agora foi de uma startup de Amsterdam que parece já ter demitido 70% do seu quadro, incluindo todos os programadores que trabalhavam remoto aqui do Brasil. Tenho ouvido sobre startups em Berlin e outros lugares do mundo cortando também.

Muitos vão conseguir se recolocar porque são excelentes programadores, com real experiência e cujos códigos e produtividade são diferenciais. Porém, uma parcela considerável são muito ruins. Na ânsia de crescer rápido demais, dezenas de startups começaram a contratar em atacado, inclusive fazendo coisas como acqui-hire, que é basicamente adquirir muitas pessoas de uma só vez, em vez de ter o trabalho de convencer uma a uma pra tirar de outras empresas. É tipo um hostile take-over disfarçado.

Nos próximos meses vamos ver um número crescente de programadores indo pra rua e não tendo mais onde se recolocar. Muitos eram ainda iniciantes que inflaram o ego e acharam que eram tudo aquilo que os recrutadores diziam. Recrutadores esses, que sabem perto de zero do que é programação de verdade. Além disso, muitos programadores de palco, que falam bem e serviam como chamarizes de contratação pros patrocinadores, também vão começar a sumir, porque a maioria falava mais do que realmente sabia programar. Pelo bem ou pelo mal, todo esse circo montado nos últimos dez anos finalmente vai passar por uma correção.

Vou repetir o que eu disse no meu vídeo de fevereiro: a despeito do que muita gente ainda fala, programar Não é fácil. Profissões de prática de fato são muito fáceis de começar. Por exemplo, qualquer idiota consegue começar a desenhar, basta rabiscar qualquer coisa num papel e chamar isso de arte. Porém a barreira pra se tornar um profissional de verdade, com técnica, qualidade, é extremamente alta e não é fazendo um curso qualquer por aí que vai te levar até lá.

E agora chegou a hora de eu falar de cursos comerciais e livros técnicos. Eu tô cansado de receber perguntas toda hora me perguntando que cursos eu indico, ou que livros eu indico. Sério, parem de me perguntar isso, não só pra mim como pra qualquer outro que você considere como influencer. Eu fiz um video inteiro só sobre isso, que foi o Não Terceirize Suas Decisões e onde eu falo por exemplo:

[trecho - ini] Mas perguntas que claramente tem a expectativa de justificar uma escolha, ou pior, terceirizar a decisão da sua carreira pra mim ou qualquer outro, não faz nenhum sentido. Por que você quer terceirizar as decisões da sua vida pra outra pessoa? Não faça isso. Só porque você vê alguém como eu ou qualquer outra pessoa em cima de um palco, isso não nos torna oniscientes, eu não te conheço, não sei que caminho você trilhou até agora, que dificuldades você teve, eu não sei quais seus objetivos de vida, se é que você tem objetivos. Nem eu, nem ninguém, poderia te dizer o que fazer sem conhecimento da sua história e dos seus objetivos. [trecho - end]

[trecho - ini] Se você está pra começar a faculdade, entenda que nos últimos 10 anos você aprendeu a estudar do jeito errado. Eu percebi isso só quando entrei na faculdade também. Por mais de 10 anos da sua vida você aprendeu a seguir um currículo. E você se condicionou a estudar o mínimo necessário e só pouco antes dos trabalhos ou provas. E as frequências das provas é sempre a mesma, provas bimestrais. E você sempre sabia o que estudar, porque já estava pré-definido. Todo mundo estuda o mesmo material, você nunca teve que escolher o que estudar.

Daí você entra na faculdade, e é mais ou menos a mesma coisa. Todo curso tem material pré-definido. Você tem as provas em datas pré-definidas. Talvez uma das poucas atividades que quebrem a rotina seja o Trabalho de Conclusão de Curso, o temido TCC. Que a maioria faz só na última hora mesmo que eu sei. Quem faz iniciação científica talvez tenha tido mais treinamento, mas no geral, você continua seguindo um currículo.

Parem pra pensar nisso: se você nunca repetiu de ano, você tem 21 ou 22 anos, recém formado da faculdade. E você passou uns 14 ou 15 anos da sua vida, ou seja, literalmente sua vida inteira seguindo uma receita pré-definida. É por isso que muita gente reclama quando entra no mercado de trabalho que a faculdade não preparou ele direito. Eu nem vou entrar no mérito da qualidade e da metodologia da educação moderna, e também não adianta chorar sobre o leite derramado. Só aceite que até o fim da faculdade, uma pessoa mediana só aprendeu a tirar 5 pra passar de ano e de repente não tem mais prova bimestral, não tem mais currículo, não tem mais professor “enchendo seu saco”. A partir de agora, todo dia é uma prova. Você só andou de bicicleta de rodinhas e do dia pra noite vai ter que aprender a fazer bicicross e saltar uma rampa por dia. [trecho - end]

Entendam: você tem uma noção errada sobre o que é aprender. Um curso, online ou presencial, é mais ou menos a mesma coisa que eu expliquei no trecho anterior: é um professor que cospe um monte de passo a passo. Você repete esse passo a passo. No final, talvez, você tenha alguma provinha irrelevante e fácil, e ganha algum certificado de conclusão de curso. Daí, você adiciona no seu LinkedIn e começa a mandar mensagens pra recrutadores. Como o mercado estava desproporcionalmente aquecido, muitos conseguem um emprego, até em tech startups. E por que? Três motivos, 1) os recrutadores não entendem de tecnologia e acreditam em certificados e coisas idiotas assim 2) porque a startup tem meta de crescimento e não meta de lucro, por isso quanto mais ele contrata mais parece que ele cresce e 3) por causa desse ambiente que não tem eficiência como prioridade, muitos que não deviam acabam conseguindo uma posição onde nem tem que fazer grande coisa.

Como existia essa demanda artificial, começaram a aparecer os parasitas pra sugar o máximo possível dessas vacas leiteiras de dinheiro fácil. Eu acredito que existem alguns poucos cursos bem feitos que estão realmente preocupados em ensinar, mas também que muitos são só aproveitadores esperando gente ingênua que acredita em papai noel e não enxerga onde está se metendo, incluindo gente que sequer gosta tanto assim de programação, mas tá com os olhos arregalados em matérias exageradas como da revista Exame que prometeram pra ele: salários de 10 mil reais sem precisar ser muito bom.

E intermediários como influencers, coaches, e tudo mais inventam mais e mais “coisas” pra atrair mais gente. Coisas como Data Science, Machine Learning, Inteligência Artificial, que de fato são assuntos muito interessantes, que em empresas com história séria de engenharia como um Google da vida são usados de forma avançada. Mas na grande maioria das tech startups só se faz o básico. Big data na maioria das empresas é um data lake de logs que a maioria nem sabe muito bem o que fazer. Fazem alguma coisa, claro, mas comparado com o investimento? Acho que não. E a maioria dos “cientistas de dados” no máximo são usuários de ferramentas, então tá tudo certo. A quantidade de cientista de dados que sequer sabem cálculo, álgebra linear, estatística e probabilidade e saem aplicando regressão linear em qualquer coisa é grande. E lógico, pra saber essas coisas precisa de no mínimo uns 2 anos só de matemática, mas a maioria dos cursos por aí, se tiver 6 meses é muita coisa.

Mas como quem contrata não sabe o que tá contratando e quem é contratado não sabe o que tá fazendo e tudo bem porque tem dinheiro infinito de investidor, então foda-se, vamos inflando o mercado porque tá tudo aquecido mesmo. Tem dinheiro de Softbank cujo credor é o governo Japonês, então sua startup tá queimando dinheiro do contribuinte japonês. Tem dinheiro de fundos de pensão, então sua startup tá literalmente tirando dinheiro de velhinhos. Tem fundos soberanos de governo, de novo, dinheiro do contribuinte. Daí que surgem montes de pseudo-programadores politicamente corretos, achando que sua startup tá revolucionando o bem estar do mundo, porque é ingênuo o suficiente pra acreditar no marketing e não sabe que o salário que recebe pra produzir pouco ou nada o dia inteiro, provavelmente vai deixar uma velhinha sem aposentadoria. Como se sentem agora? É uma grande infelicidade que muitas pessoas vão sofrer nesta crise, muito mais do que deveriam, pessoas que realmente estavam se esforçando como podiam. Por outro lado, todos esses parasitas do sistema vão ser expurgados também.

Ou seja, se você tem na cabeça, qual das dezenas de cursos online deveria fazer, talvez Udemy, talvez Pluralsight, talvez outro? A resposta é simples: tanto faz. A partir deste ponto eu quero estruturar a resposta que eu falei do que eu acredito que é o jeito certo que falei na introdução. Eu digo tanto faz porque todo curso online é apenas material de referência e exercícios simples. A maioria simplesmente resume o que tem na documentação oficial da linguagem ou framework e grava em video. Toda vez que alguém me pergunta de um livro eu tenho vontade de responder “você já leu a documentação oficial? Se não, porque diabos tá pensando em livros ou cursos?” E invariavelmente a resposta mais muleta de todas é: ah porque eu só consigo aprender com livros, ou com cursos.

Bullshit. Eu vou dizer o que você realmente quer. Digamos que você queira aprender a arte da pintura. Mas o que você realmente quer é que alguém te dê um livro fácil de colorir; sabe aquele que as crianças gostam que tem numerozinho passo a passo dizendo qual cor colorir em qual espaço? E você quer alguém pra te dizer “nossa, conseguiu completar o passo a passo, você vai ser um Leonardo da Vinci um dia”. É isso que você quer, um elogio barato na forma de uma certificação e um passo a passo que não precise de muito esforço, especialmente se você estiver pagando.

Aliás, perceba a motivação de um curso: é manter o aluno pagante suficientemente contente. Muitas vezes a coisa certa a se fazer seria dizer: “cara, eu realmente acho que você não leva jeito pra programar e sugiro procurar outra coisa”. Mas eu ainda tô pra ver um curso fazer isso com frequência, porque num mercado aquecido eu chutaria que uma boa parcela da classe é de gente que nem deveria estar ali. Mas um curso comercial tem incentivos pra fazer de tudo pra animar as pessoas e fazer elas continuarem até o fim pagando mensalidade. É inevitável.

Falando num caso bem particular que é o meu, pra quem não sabe, eu sou dono de uma empresa de desenvolvimento de software chamada CodeMiner 42, que vai completar 10 anos ano que vem. Eu raramente falo da minha empresa no canal porque a intenção não é fazer propaganda, nem mesmo pra minha própria empresa. Mas pra ilustrar meu ponto eu quero contar uma coisa que nós fazemos e pouca gente sabe. A maioria dos body shops do mercado, os recrutadores que às vezes se intitulam consultorias, saem caçando currículo em LinkedIn e ficam ligando o dia todo pra programador pra tentar contratar. Sem tanto critério mesmo, e muitas vezes tentando roubar gente de empresas consideradas melhores, pra facilitar o trabalho. Eu tô de saco cheio de mesmo receber proposta de recrutador que foi preguiçoso demais até pra ler meu LinkedIn direito e fica me mandando proposta pra ser programador deles.

Aliás, seja recrutador independente ou dentro de RH de empresas grandes, grande parte da culpa do mercado de certificações é deles. Eu tenho zero consideração pela maioria das certificações porque eles só certificam que você assistiu aula e pagou mensalidade, mas não que você aprendeu alguma coisa. Lá por 2001 eu cheguei a estudar pra me certificar como Arquiteto Enterprise pela Sun, mas nem cheguei a fazer a prova porque eu não tava a fim de pagar só por um papel. E a Sun nem existe mais aliás. Eu estudei e comecei a aplicar na prática e só, me lixei pro papel.

Em 2005 minha consultoria queria ter mais gente certificada em PMI, então me pagaram pra fazer o curso e a prova. Foi um puta saco, eu decorei tudo, treinei dezenas de simulados. A prova foi super simples, sério, acho que eu levei 30 ou 40 minutos pra acabar e no final passei. E este, é o meu certificado PMP. Pra ser justo, o PMI não diz que quem é certificado já um bom gerente, ele até tem atividades que você precisa fazer pra se manter como PMP e ele tinha validade de 3 anos. Mas quem contrata raramente pede pra mostrar o diploma. Eu continuei sendo junior em gerenciamento e só depois de anos praticando eu posso dizer que aprendi o suficiente pra me considerar um gerente.

Eu respeito o corpo de conhecimentos do PMI, não me entenda errado, mas eu guardei o papel na gaveta e não pendurado, justamente pra um momento como hoje, porque vou te mostrar o quanto eu valorizo papel. Este é o certificado do curso obrigatório de PMI que tive que fazer (...) este é o diploma por ter passado na prova de PMI e que me certifica como PMP (...) e estas outras papeladas fazem parte do guia de PMP incluindo um (argh) código de conduta ….

(....)

Dramatizações à parte, falando sério. Na CodeMiner, já faz alguns anos, contratamos estagiários. Normalmente são alunos de universidades federais ou estaduais, por volta do 2o ou 3o ano. Pra conseguir isso abrimos escritórios físicos em 12 cidades do país, de Norte a Sul, incluindo cidades como Natal, Anápolis, Santa Maria, Guarapuava, Ribeirão Preto e mais. Raramente contratamos estagiários que vieram de faculdades particulares. E por que? Porque normalmente a seleção deles é muito ruim. A palavra-chave aqui é seleção.

Entenda, além da qualidade dos professores e currículo, seleção é o fator fundamental que separa as universidades públicas das privadas. A universidade pública, por definição, não tem fins lucrativos no sentido de cobrar mensalidade, já as particulares tem. Em qual você acha que a seleção vai ser mais fácil? Como a concorrência pra entrar numa federal é ordens de grandeza maior do que numa particular, a seleção é muito superior. Por outro lado, muitos cursos particulares sequer tem seleção, significa que pagando, qualquer um pode entrar e, como eles tem incentivo pra manter o cara pagando, vai ser a pior seleção de todas, quando tem.

Além disso, se um aluno conseguiu sobreviver os 2 primeiros anos de uma boa federal de bacharelado em ciências da computação, quer dizer que ele passou por matérias consideradas hiper chatas mas necessárias como cálculo, como álgebra, como algoritmos e estruturas de dados. E se ele fez pelo menos iniciação científica, demonstra ainda mais empenho em trabalhos de pesquisa e melhoria contínua. Ou seja, um aluno de federal que já passou da metade do curso costuma ter bom potencial. E mesmo assim a gente ainda avalia ele antes de contratar.

Eu não estou dizendo que automaticamente todo mundo que faz curso comercial online é ruim. Pelo contrário, já conheci muitos programadores que se tornaram muito bons. Mas normalmente a pessoa que já tem o que precisa e sabe aprender sozinho, não foi o curso que o tornou bom. Com ou sem o curso ele já tem propensão e principalmente vontade de aprender, a despeito da qualidade do curso.

E mesmo depois de tudo isso, um estagiário meu ainda não está preparado pra entrar num projeto de verdade. Raramente é possível alocar um estagiário num projeto no primeiro mês. A maioria fica 3 meses ou mais só estudando. Nesse período ele precisa cumprir as 6 horas dele presencialmente nos nossos escritórios, e se integrar com os funcionários mais experientes. Eu já disse em outros videos que eu acho que nesse estágio de iniciante é extremamente prejudicial ser home-office, porque o aprendizado vai ser ordens de grandeza menor. Ele precisa estar do lado de gente mais experiente.

Durante esse período de estágio, ele participa de projetos internos, aprende a se comunicar com seus pares nos escritórios, aprende a pedir ajuda quando precisa, toma porrada nas revisões de código, é avaliado com alguma frequência pra ver se tá estagnado ou se tá evoluindo. Algumas vezes, quando ele é sozinho mais acelerado, até consegue participar como um programador não cobrado em projetos pequenos de verdade. Quando ele é efetivado como júnior depende muito mais dele do que da gente.

Esse é o período de treinamento no estágio. Nós não oferecemos nenhum material formal de aprendizado, em vez disso nós temos ebooks e algumas contas de cursos online que ele pode fazer. E nesses casos eu aprecio o uso de cursos online: como uma forma resumida de absorver algum assunto muito rápido pra pessoas que já tem uma fundação. Eu mesmo esses dias queria relembrar sobre React, porque eu não sou front e sim back, então assisti os cursos iniciais da Pluralsight na velocidade 2X porque eu acho todo video de curso hiper lento. E em 2 dias eu fiz o curso todo. E eu não estou endorsando a Pluralsight não, foi aleatório.

Além disso ninguém na empresa tem função específica de ser professor, não existe uma estrutura de aula nem palestras que ele precisa assistir, nem nada disso. Nós vamos jogando problemas do dia a dia pra ele resolver e ele precisa demonstrar que tem interesse em usar esse tempo. Inclusive ele está sendo remunerado, pra estudar muito. Como ele tem contato com os programadores experientes que estão em projeto, ele naturalmente começa a entender como os projetos funcionam e como nos comunicamos com clientes, na prática. Não existe um guia ou protocolo de comunicação.

Mais do que isso, nós não temos as figuras formais de gerentes ou qualquer coisa assim. Todo funcionário fala diretamente com o responsável do projeto do lado do cliente, sem um intermediário responsável em micro-gerenciar. Todo funcionário sabe que não deve só receber tarefas e fazer às cegas; aos poucos ele vai aprendendo a questionar as coisas, inclusive se ele deveria estar fazendo o que foi pedido e se não existem formas melhores e mais eficientes pra resolver o mesmo problema. E ele tem autonomia de dizer isso diretamente pro cliente. Isso faz parte do dia a dia de todo Miner. Sem micro-gerenciamento. Eles simplesmente sabem o que tem que fazer. Inclusive quero dizer que estou muito orgulhoso deles porque dia 13 de março comuniquei todo mundo pra antecipar a quarentena por causa da pandemia. Todo mundo começou a trabalhar de casa e todo mundo sabia o que tinha que fazer, sem precisar dar ordens ou instruções extras.

Eu imagino que muitos dos estagiários novos devem estranhar ter tanta liberdade logo no começo, mas ele não pode cruzar os braços, porque com tanta autonomia significa que temos tolerância zero com falta de profissionalismo ou mal caratismo. Zero mesmo, se alguém fizer alguma coisa mal caráter é demissão instantânea. Erros a gente sabe que todo mundo comete, mas se ficar cometendo o mesmo erro com frequência, toda vez, também não vai durar. É comum a gente repetir que se a pessoa se ver de braços cruzados sem fazer nada, ela está errada, porque devia estar caçando coisas pra fazer.

E por que tô contando toda essa história? Porque eu acredito que o jeito certo de aprender é esse: 1) dando problemas pra serem resolvidos 2) não ter nenhum material oficial, e sim forçar as pessoas a saber encontrar os materiais que precisam 3) não ter nenhum supervisor ou chefe que dá mastigado, forçando a criar senso de autonomia e responsabilidade. Pronto, acabei de resumir a metodologia inteira em 3 frases. E por hoje é só, a gente se vê semana que vem …. E, não, tô brincando, deixa eu explicar isso.

Contraste o que eu acabei de falar com o que você conhece normalmente como “cursos”. Um curso tradicional tem material didático específico pro curso, apostilas, passo a passo de tudo que você precisa fazer, e tem uma figura de autoridade na forma de um professor que vai te dizer o que tá fazendo certo ou errado. No final, talvez tenha uma provinha, e ganha um certificado e pronto. Esse formato tem pouca serventia. Os alunos que realmente tem potencial e gostam do assunto vão estudar outros materiais fora do curso, vão fazer experimentos, vão discutir com amigos. Os acomodados que nem sabem porque tão ali, vão seguir o passo a passo e fazer o mínimo esforço pra tirar a média e ganhar o certificado. Ambos no final ganham certificado e por isso eu não uso esse formato e por isso eu não valorizo papel.

Um bom curso deveria ser difícil, extremamente difícil aliás, pra servir de filtro e separar quem realmente quer aprender daqueles que tão ali mais pra agradar o pai que paga o curso, ou porque só quer arranjar logo um emprego fácil que paga bem. Além disso um curso não deveria ter um currículo totalmente fixo; ele deveria ter uma fundação obrigatória de conceitos que não são “cool” de aprender mas que são obrigatórias pra passar pras coisas que as pessoas realmente querem. Assim como engenharia numa federal, onde os dois primeiros anos é igual pra todo mundo e só depois eles escolhem civil ou naval ou elétrica e assim por diante. Mas a fundação deveria ser obrigatória. Não deveria existir a escolha de fazer um curso de Javascript sem o requerimento de ter feito, por exemplo, curso de algoritmo e estruturas de dados antes.

Além disso, não deveria ter um professor falando e os alunos só ouvindo, seja numa classe ou seja online num EAD. A figura do professor deveria ser como eu falei dos meus funcionários mais experientes, eles estão ali do lado do estagiário de suporte mas não tem nada estruturado. É o contrário, é o estagiário que tem que aprender a pedir ajudar e aprender a fazer perguntas inteligentes. Mesma coisa num curso, o aluno deveria só receber um monte de problemas pra resolver, sem livros, sem material didático, sem nenhum passo a passo, e usar seus colegas e professores pra responderem perguntas pontuais. Isso porque a primeira coisa que os alunos deveriam aprender a fazer é formular perguntas que façam sentido.

O mundo não é simplezinho assim, que tudo funciona organizado, bastando saber um passo a passo de coisas e tudo se resolve. Muito pelo contrário, o mundo de verdade é complexo, desorganizado, caótico e só quem consegue ir pra frente é quem sabe fazer as perguntas certas. Inclusive faz parte da idéia do 42 do nome da minha empresa que, se alguém tinha essa curiosidade, sim, vem do Guia do Mochileiro das Galáxias. O que é 42? Como diz no Guia é a resposta pra vida, pro universo e tudo. E o que isso quer dizer? Absolutamente nada, a pergunta foi mal feita e por isso a resposta não tem sentido nenhum. Essa é a moral da história, a resposta certa depende da pergunta correta.

Só que como eu disse no meu video de Não Terceirize suas Decisões: você passou sua vida inteira estudando nesse formato de passo a passo, currículo bem definido, professor que é a autoridade, continuar sendo passivo copiando matéria da lousa e não pensando muito, e se contentando em tirar 5 na prova e passando de ano, ficando com a falsa impressão que tava aprendendo alguma coisa. E é um dos motivos de porque os iniciantes ficam tão impressionados com tech startups de piscinas de bolinhas, que pegam na sua mão, te dão almoço, lanchinho, trocam sua fralda e cuidam de vocês como se fossem crianças. Eu, por outro lado, acredito em contratar adultos, eu não sou creche.

Chega de falar da minha empresa,o objetivo não é fazer propaganda, mas o contexto é que a gente não faz tudo isso desde o começo. Fomos aprendendo enquanto fazíamos, é um processo de aprendizado pra todo mundo. Já discutimos internamente até em fazer alguma coisa como uma CodeMiner Academy alguns anos atrás, com material didático, conceito de turmas e professores e tudo mais. Ainda bem que essa idéia nunca foi pra frente. Intuitivamente tanto eu como meu sócio acreditávamos na idéia de colocar estagiários juntos com sêniors, dar problemas e tarefas, e avaliar como eles resolvem e como eles evoluem ao longo do tempo. E esse acabou se tornando o modus operandi até agora.

Só cursos online é muito pouco. Em alguns momentos eles servem como um pequeno aquecimento. E só cursos são insuficientes, então tem ebooks, posts de blog, ler o código-fonte das coisas e assim por diante. Mais importante, eu não dito pra eles o que eu acho que eles deviam estudar. Muitos de vocês ficam me perguntando que materiais ou cursos eu indico. Entenda, eu não indico nem pros meus funcionários, eu quero que eles se virem sozinhos, porque eu acredito que encontrar o melhor material faz parte do treinamento. Se a pessoa sequer gasta um pouco de tempo e neurônios no exercício de avaliar material, como ele espera um dia virar programador?

Sem querer, o tipo de ambiente que criamos força as pessoas a aprenderem o famoso “se virol”. Essa é definição de Aprendendo a Aprender, é se virar, de verdade. Bicicleta sem rodinhas, caindo e tentando de novo. Eu fiz um video chamado A Dor de Aprender onde eu digo o seguinte:

[trecho - ini] O prazer de um autodidata é provar pra ele mesmo que ele suporta a dor. A gente sente dor, igual todo mundo, mas em vez de evitar a dor, a gente faz esforço pra se acostumar a sentir dor. É bem doloroso quando você faz um curso, lê um livro, e seu código ainda não funciona ou você nem sabe como fazer um código diferente do que foi ensinado. É super frustrante. E sua primeira reação é o que? O curso é que não deve ter sido bom. Ou deve ter outro livro que vai ensinar de verdade o que precisa saber. Desculpe se eu sou o primeiro a dizer isso: a menos que você esteja disposto a encarar a dor, engolir o choro, esquecer a frustração, e começar a cair e ficar roxo na frente dos outros, não adianta nenhum curso, nenhum livro, nada, você nunca vai aprender. Ou você pára de desperdiçar dinheiro indo atrás de fórmula mágica, ou engole a dor, pára de mimimi, se compromete e foca no objetivo. [trecho - end]

Meu mantra sempre foi: no pain, no gain. Estávamos numa bolha onde tudo era fácil, então começou a se popularizar a noção errada que ninguém deveria sentir dor, de nenhum tipo, incluindo se sentir ofendido. Tá errado. Se não está doendo, só quer dizer que você não está tentando com força o suficiente. Se você não está se sentindo frustrado, desmotivado, ansioso, estressado de tanto tentar e não alcançar, então não é aprendizado. O mundo não foi feito pra ser fácil, tudo tem que ser conquistado. Conhecimento tem que ser conquistado. Tem uma frase que eu tenho repetido recentemente entre amigos pra ilustrar a próxima crise: tempos difíceis criam pessoas fortes, pessoas fortes criam tempos fáceis, tempos fáceis criam pessoas fracas e pessoas fracas criam tempos difíceis.

Deixando claro, eu não sou contra os diversos cursos comerciais, nem faculdades particulares, nem EAD. Eles funcionam dentro do que se propõe: dar uma introdução de algum assunto de uma forma um pouco mais organizada. O objetivo é usar esses cursos onlines como mais uma ferramenta, pra rapidamente ter uma introdução, sabendo que vai aprender o 1%. Os 99% seguintes você vai ter que caçar sozinho à medida que vai precisando. Não existe nenhum curso que vai ter dar nem perto dos 100%. E vai ser sempre mais difícil se você evitar o esforço de ter fundações sólidas. Se você entende esta verdade, não existe nenhum problema em usar nenhum curso.

Duas coisas que as pessoas me mandam nos comentários dos vídeos ou em mensagens diretas, por que eu não monto um curso? E a resposta é simples: porque cada assunto de tecnologia já tem material suficiente na internet. Tem gente com mais paciência do que eu criando conteúdo didático. Eu não tenho paciência pra repetir o que já existe. E também por isso você raramente vê videos de tutoriais no meu canal. Esse tipo de video envelhece muito rápido. Quando sai uma nova versão, o video já ficou obsoleto. E eu não quero conteúdo que fica obsoleto tão rápido assim. Eu só quero produzir conteúdo que não se encontre facilmente por aí, parte da tal fundação que eu tanto falo.

No começo de 2019 eu comecei uma série de vídeos que era intitulada Começando aos 40 e depois renomeei a playlist pra Programação pra Iniciantes. Ela não ensina Javascript, nem Python, nem nada da moda. Eu explico os conceitos mais básicos. O que são processos? O que são threads? O que é alocação de memória? Quais os diferentes jeitos de alocar memória? O que é um scheduler? Quais os diferentes tipos de schedulers? Qual a diferença de um hypervisor e um container? Eu não consigo entender como alguém pode se dizer programador e não saber esse básico. E é por isso que muita gente tem dificuldade de mudar de linguagem ou ferramentas. Como elas aprenderam só “como” usar a ferramenta mas nunca “por que” a ferramenta existe, toda nova ferramenta confunde elas.

Aprender uma nova linguagem é fácil pra quem tem as fundações. Mas pra quem só fez cursos superficiais, estilo passo a passo, sempre acha difícil mudar de linguagem. E como ele estudou do jeito errado que expliquei, quando ele consegue fazer um código que roda, se apega a isso. A pessoa tende a se tornar escrava da ferramenta que aprendeu primeiro, porque foi difícil. E isso é o primeiro grande erro que todo programador iniciante comete: ele se torna seguidor cego de marcas, criando uma falsa sensação de validação, que seus esforços valeram a pena, e qualquer um que fale diferente tá errado. E eu falei disso lá no começo do canal nos dois vídeos que intitulei “Sua Linguagem Não é Especial”:

[trecho - ini] Também como disse no episódio de faculdade, eu comecei no fim dos anos 80, passei por Basic, dBase III, Clipper, Turbo Pascal 6, Visual Basic 6, Delphi desde a versão 1.0, Perl desde a versão 5 - se bem que ela nunca saiu da 5, PHP desde a 3, ASP clássico, .NET C# e VB.NET desde a versão 1.0, Java desde a versão 1.0, Javascript desde antes de virar padrão ECMA, Python 2. E isso foi só até o fim dos anos 90.

Se tem uma coisa que vocês devem levar deste episódio é o seguinte: linguagens de programação Não são filosofias de vida. Linguagens de programação são meras ferramentas. Ferramentas foram feitas para servir seus mestres, e não o contrário. Linguagens de programação não merecem lealdade e definitivamente não são religiões. Eu não sou definido pela minha linguagem de programação favorita. Você não é sua linguagem de programação. [trecho - end]

Independente se você pode fazer uma boa faculdade, ou se só tem condições de fazer pequenos cursos comerciais ou EADs, isso não importa. Todo material é material. Parta deste princípio: muitos programadores como eu começaram sem acesso a nenhum material. A gente precisava primeiro achar alguém que tinha pra pegar emprestado e tirar xerox em papel. Eu aprendi a programar antes da existência da internet. Eu pegava ônibus pra ir longe na casa de alguém que tinha algum programa ou material que eu não tinha pra pegar emprestado. Hoje vocês tem centenas de conteúdos gratuitos na internet e tão de mimimi? Pelamordedeus, você quer aprender esse troço ou não quer? Aprende a se virar.

A conclusão do que é Aprendendo a Aprender é isso: aprender a se virar, sem precisar da validação de ninguém, sem ninguém pra pegar na sua mão ou te dar tapinha nas costas, mergulhar em problemas que você não sabe resolver, sofrer, se frustrar mas continuar sem desistir, apesar da dor. Esse é o filtro. Quem persiste e passa obstáculo atrás de obstáculo, é quem tem maiores chances de chegar em algum lugar. Nada que não te faça sentir dor tem valor. No pain, no gain. Lembram do meu vídeo “Faça aquilo que Ama, só que não”? Se você realmente ama alguma coisa, você não deveria desistir só porque tá doendo. Por outro lado, se você só quer as partes boas, você não ama de verdade, só é preguiçoso.

[trecho - ini] Você tá frustrado no seu emprego, pensando em mudar de emprego? Você tá frustrado com seu mundo? Quer mudar de mundo? Não adianta. Enquanto você tá frustrado com sua falta de esforço, qualquer emprego, qualquer lugar, vai terminar do mesmo jeito, porque a realidade é que tudo tem partes ruins, todo trabalho tem partes chatas, a VIDA tem muitas partes chatas. Começa fazendo as pequenas coisas direito, e vai se acostumando a parar de justificar sua frustração como sendo culpa da sua família, dos colega, do seu chefe, do dos políticos. Apontar defeitos dos outros é simples, qualquer idiota pode fazer isso. E os seus? Começa a onde realmente importa: tomando controle do que você mesmo faz. Já que vai fazer, faz direito, qualquer coisa. Em vez de dizer pros outros como fazer certo, que tal mostrar pros outros como fazer certo? [trecho - end]

O maior medo que todo mundo tem quando começa a tentar aprender é se tem falta de talento. Isso é um assunto controverso e existem argumentos diferentes dependendo de pra quem perguntar. Eu realmente não acredito tanto em gente que nasce talentoso, ele pode nascer com propensão a certos tipos de atividade, mas não nasce sabendo. O que diferencia as pessoas que você chama de “talentoso” de você é a quantidade massiva de prática deliberada que ele fez. É o que eu explico nos meus episódios de Talento: Matando Semi-Deuses. Particularmente na parte 2:

[trecho - ini] Prática deliberada é sobretudo um esforço de foco e concentração. É isso que o torna "deliberado". Continuamente procurando exatamente os elementos de performance que são não satisfatórios e então forçando na melhoria especificamente desses elementos. Digamos, em programação, muita gente acha difícil escrever bons testes. Porque não pratica? Escreva centenas de testes. Não só pros projetos do seu trabalho, que como eu já disse, é insuficiente. Escreva, escreva, escreva. Vai sair um monte de porcaria no começo. E pra evoluir você precisa fazer o que Mozart fazia: copiar, testar, avaliar, corrigir e recomeçar, e recomeçar, e recomeçar, centenas de horas. [trecho - end]

Assistam esses vídeos pra entender que um Einstein ou Mozart não eram deuses, eles eram humanos, e humanos que treinaram dezenas de milhares de horas a mais que um ser humano normal, é por isso que eles tiveram resultados acima do normal. Não porque eles eram deuses, mas porque você não tá disposto a se esforçar como eles. Não desvalorize o esforço que eles tiveram dizendo que era só talento. Se eles são reconhecidos hoje foi resultado do esforço monumental que eles fizeram.

Finalmente, chegamos à parte final deste vídeo. O objetivo de dar mais esse tapa na cara é acordar vocês pra uma nova realidade. A bolha estourou, tá acabando a vida fácil. Eu sei que muita gente assistindo tá até pensando “do que esse cara tá falando, minha vida sempre foi difícil”. Sim, eu sei. Isso foi pro playboy da capital que o pai paga as contas, não se esforça pra nada, só reclama, e ainda se acha vítima da sociedade. Pra quem a vida já tava difícil, sinto dizer que pode piorar. Então, pra quem tem a sorte de ter condições e quer entrar no novo ciclo de tecnologia, prepare as fundações. Gaste o tempo e o esforço necessários, aprenda a se virar.

Sobre cursos e livros, parem de me perguntar recomendações e parem de perguntar pra outros influencers que você sequer sabe se eles realmente sabem programar de verdade. Na prática, qualquer curso e qualquer livro servem. Não é a qualidade do material técnico que faz um programador ser bom. Vou repetir, eu não fiz nenhum curso da atualidade. Quando eu quero saber que livro ler, eu vou no Google e pesquiso “best books of .. Go” e pronto, tirando quando eu conheço o autor, eu vou na primeira opção. E à medida que vou me aprofundando, daí procuro outras referências de partes específicas. Não tô nem aí se influencer fulano ou beltrano recomenda ou não recomenda.

E se tem uma coisa que é básico e você precisa ir estudar e levar a sério o quanto antes é inglês. Não é uma coisa que fazendo um curso você aprende, você precisa incorporar no seu dia a dia. Eu fiz um vídeo inteiro chamado Como eu aprendi Inglês. Quando eu tava na faculdade também male male sabia ler o básico e não falava nada.

[trecho - ini] TUDO que sai de mais importante na área de tecnologia sai primeiro em INGLES. Sabe o que acontece se você depende de material em português? Você precisa esperar essa tecnologia ganhar público, alguém se arriscar a traduzir material em português e publicar aqui. E todo mundo sabe que todo projeto open source, principalmente nas primeira iterações, muda o TEMPO TODO. [trecho - end]

[trecho - ini] Mundo open source é assim mesmo. E se por acaso um novo projeto consegue ganhar o seu público de early adopters e começa a ter demanda, sabe quem ganha mais dinheiro? Quem aprendeu sobre o software antes mesmo de ter saído a versão 1.0. Depois que saiu a versão 4, 5 etc que já tem livro, já tem curso, já tem toneladas de screencast, é quando o taxa/hora vale menos, 2x, 5x, 10x menor do que era pago pra quem se arriscou e aprendeu na versão 0.1 alfa. [trecho - end]

Isso tudo dito chegou a hora de fazer uma coisa que eu achava que nunca fosse fazer no meu canal: falar de uma escola de programação. Este canal é exclusivamente produzido como se fosse um backup do meu cérebro. Ele tem começo, meio e um dia terá um fim. Eu expliquei isso no meu video sobre o diário de Henry Jones:

[trecho - ini] Em retrospecto, tudo que eu faço eu faço pra mim, nunca pros outros. Eu sempre fiz tudo sem buscar validação. Eu não preciso muito que os outros digam que estou fazendo certo ou errado. Eu escrevi e gravei sobre porque você não deve procurar fazer só o que ama. Como eu disse naquele vídeo, eu não amo ficar varando noite pra editar vídeo, mas eu gosto de assistir o resultado tipo “da hora, pra um amador como eu, até que esse vídeo não tá vergonhoso, mas eu sei que posso fazer melhor”.

Deve ser muito frustrante quem faz as coisas esperando a validação de alguém. Eu não entendo muito quando as pessoas reclamam que ninguém elogia ou dá feedback positivo no trabalho delas. Me soa muito com uma extrema falta de capacidade de auto-crítica. Eu dou feedback pra mim mesmo. Eu nunca fiz nada porque alguém me motivou. Eu me motivo sozinho. Eu me sentiria muito mal se pra tudo que eu fosse fazer eu precisasse ser validado. [trecho - end]

Um pouco de história, na França surgiu um dos maiores campus de startups, a Station F no começo dos anos 2010, fundada pelo bilionário Xavier Niel. Não notem minha tentativa pobre de sotaque de francês. Enfim, também na França surgiu uma rede de escolas particulares de programação chamada Equitech fundada em 1999 por Nicolas Sadirac com uma proposta bem à frente do seu tempo onde os estudantes ensinam uns aos outros. Pelo menos na época foi considerada uma das melhores escolas de programação. Em 2014 Xavier resolveu doar 50 milhões de euros pra um novo projeto de educação, uma escola sem fins lucrativos com uma nova metodologia de ensino para formar os melhores programadores. Xavier trouxe Sadirac pra dirigir a primeira unidade e hoje ele continua como diretor-geral. Eu imagino que ele trouxe a experiência de suas próprias escolas particulares Equitec pra essa nova empreitada que eles chamaram de École 42.

Essa escola abriu unidades em várias partes do mundo, incluindo no Brasil em 2019. Eis que em 12 de fevereiro de 2020 um aluno dessa recém formada escola que aqui foi batizada de 42 SP, o Salem, me manda um direct pelo Twitter, que eu vou ler pra vocês aqui: “Eu sou aluno de uma escola de programação que veio da França para São Paulo e oferece curso de programação de maneira gratuita a todo tipo de pessoa e em qualquer faixa idade. Para você ter uma ideia a média dos alunos é de 36 anos e existem alunos das mais variadas profissões (médicos, arquitetos, geólogos, matemáticos e muitos engenheiros). Eu por exemplo sou da área de engenharia Civil e estou em busca do meu sonho que é viver de programa.....rsrsrs O curso básico começa em programação em Shell, C, Git e assembly que não é nada básico. Criação de Shell scripts, criação das nossas próprias bibliotecas em C desde memcpy, calloc, atoi, itoa indo até o famoso printf … O curso dura de 3 anos a 5 anos“

Nas primeiras frases que ele falou em curso, eu já imaginei “puts, mais um curso”. Mas quando ele falou que começam a aprender o shell de Linux, linguagem C, Git, assembly e criando as próprias bibliotecas de C com funções básicas como mem copy, funções como atoi que transforma strings em inteiros e assim por diante, antes de chegar em coisas como Python ou Javascript, certamente chamou minha atenção, porque tirando uma boa faculdade, nenhum curso online que eu opera dessa forma. Então começamos a conversar e o Salem se propôs a falar com a administração da escola pra de repente eu ir visitar.

Daí quem me manda mensagem é um dos fundadores da 42 SP, o Guilherme Décourt, que por acaso eu já cheguei a conhecer brevemente, anos atrás, quando minha empresa prestava serviços pra várias startups da VC Monashees, e o Guilherme era um dos sócios. Então eu fiquei sabendo que ele saiu da Monashees, se uniu com a publicitária Karen Kanaan e conseguiram trazer a École 42 pra cá. Ok, agora eu fiquei mais interessado ainda e eu precisava ver isso com meus próprios olhos. Nós marcamos e poucos dias depois fui visitar a escola, que fica no Alto de Pinheiros aqui em São Paulo, na famosa rua Aspicuelta que todo mundo aqui conhece pelos bares e atividade noturna.

O espaço que eles conseguiram é impressionante, realmente parece uma escola moderna, com dezenas de iMacs em uns dois andares, fora a cobertura. A decoração é moderna e bem artística do jeito que eu gosto. Só pelo espaço eu já gostei, mas claro que só isso não é suficiente, então eles começaram a me contar mais da história. Pra começar, o material de ensino vem toda da École 42 da França, eles vêm até o Brasil pra instalar os servidores com tudo que os alunos vão usar. O sistema é todo gamificado e cada aluno tem um perfil onde ele mesmo pode acompanhar seu progresso.

Ah sim, antes de continuar vale fazer um disclaimer. A 42 SP não me patrocinou pra fazer este vídeo. Nem eu mostrei este vídeo antes de publicar no canal, então eles tão vendo ao mesmo tempo que vocês. Portanto nada do que eu disser considere como oficial, estou apenas relatando minhas impressões pessoais e dando minha opinião. Do mesmo modo, a 42 SP não necessariamente compartilha de todas as minhas opiniões. Somos duas entidades independentes e por isso eu posso dizer que minha opinião não foi enviesada.

Voltando, o conceito da 42 é que eles não tem turmas e nem professores. Mais do que isso, eles não tem apostilas nem material didático próprio. Eles também não obrigam alunos a comprar livros nem nada disso. Cada aluno evolui no seu próprio ritmo, com um requerimento que passa a ser natural de um ajudar o outro. Até parte da avaliação dos alunos é receber feedback online de quem ele ajudou. Assim como na minha empresa, quem tá lá só pra codar e ficar isolado e não ajudar ninguém, ele perde seu seu espaço. Na 42 SP, é um requerimento estar no mesmo espaço físico e ajudar seus pares. Por isso eles não tem intenção de ser um curso online.

As matérias são organizadas no que eles chamam de galáxias. Pense o conteúdo organizado na forma de anéis, os do centro são a fundação obrigatória e à medida que ele vai passando de nível vai abrindo os anéis superiores, até chegar em matérias opcionais onde ele pode escolher, por exemplo se for web, se quer começar aprendendo Ruby ou PHP. Ou ele pode não querer web e se especializar mais em segurança. O importante é que você só abre esses anéis se passar pela fundação, no centro da galáxia. Que é 100% o que eu vim dizendo até agora. No total são 21 níveis, que dependendo da pessoa pode levar 3 ou 4 anos. Ou seja, não é curso superficial de 3 meses. A partir do nível 7 você já poderia ser considerado talvez um nível júnior pro mercado, ou o que na minha empresa seria nível estagiário. Eu ainda não posso opinar sobre isso porque não avaliei um aluno nível 7 pessoalmente, mas pelo que vi parece fazer sentido.

Se você assistiu meu vídeo de Devo Fazer Faculdade - 22 anos depois, eu explico minha teoria das pirâmides do conhecimento. Não é a mesma coisa que os anéis da Galáxia da 42 mas são conceitos similares de conhecimento progressivo:

[trecho - ini] Daí eu criei uma noção na minha cabeça que pretensiosamente eu chamava de Teoria das Pirâmides. Tudo que eu aprendi até o fim do colégio era o pequeno topo de diversas pirâmides. Pirâmide de matemática. Pirâmide de Português. Eu nunca ia saber tudo sobre tudo. Em vez disso eu falava pra mim mesmo que deveria aprender o topo de muitas pirâmides, e à medida que eu fosse avançando, iria descendo nessas pirâmides. E eu pensei em pirâmides meio como a dificuldade, o topo é menor, a parte mais fácil, a base é maior, as partes mais avançadas, quanto mais você desce na pirâmide, mais difícil fica. Muitos pensam em ir completando uma pirâmide inteira de cada vez e eu sempre achei isso ineficiente.

Antes da faculdade, e até talvez o primeiro ano, eu tentava ler os livros inteiros, mas antes dava, porque não tinha muito mais pra se ler. Na faculdade eu vi que isso não iria acontecer mais. Antes meu mundo se restringia a uma dúzia dessas pirâmides de conhecimento. Foi quando eu parei de tentar ler livros técnicos inteiros, eu só lia a introdução. (pegue o livro) E ia avançando se precisasse. Em vez de ler 1 livro inteiro, era melhor ler o começo de 10 livros. E gastava mais tempo praticando do que lendo.3 [trecho - end]

Agora eu gosto mais da analogia de galáxia também. E nesse mesmo vídeo eu falo sobre um problema que muita gente que faz cursos online e aprendem só o básico enfrentam sem saber:

[trecho - ini] Existe uma enorme armadilha no começo de carreira: a minha teoria das pirâmides tem outro detalhe: só de aprender o topo da pirâmide, você consegue entregar um projeto. Hoje em dia eu ilustro isso como o problema dos 80/20. Com 20% do conhecimento você consegue resolver 80% dos problemas. Mas pra resolver os últimos 20%, vai precisar dos 80% de conhecimento que ainda não tem.

Com meus pífios 20%, eu entregava projetos. O perigo era eu achar que já era bom, eu entendia isso. O que me mantinha no chão é que pra entregar esses projetos eu varava muitas noites corrigindo bug. Na minha cabeça, se eu não consigo entregar com menos bugs e se eu não consigo entregar só no horário do trabalho, era minha falta de experiência. Esse era meu termômetro de competência. [trecho - end]

No caso da 42 eles tem um problema similar só que mais pra 30/70, mas a idéia é a mesma. Muita gente a partir do nível 7 já sabe o suficiente pra ser útil num projeto ou startup e consegue um emprego. Ainda mais na bolha que tava. E eu sei a sensação porque eu também abandonei a faculdade. Na minha época começou a Bolha das Pontocom no fim dos anos 90. E que também acabou na Crash do ano 2001. Parece que alguns alunos da 42 chegam nesse nível 7 e com o trabalho acabam desacelerando e até deixando a escola. Isso é o problema velho problema de afobação. Mas no video da semana passada eu declarei que a bolha estourou, e foi isso que eu disse e que vale pra esse pessoal:

[trecho - ini] Pra quem é jovem e estava afobado porque parecia estar atrasado pra entrar num mercado que não parava de crescer, pause um segundo, os mercados pararam de crescer. Na realidade o que vai acontecer é muita demissão. Por isso o valor de um profissional medíocre vai cair. Lembra? Oferta e demanda. Vai haver muita oferta, muito estoque sobrando, de pessoas que só fizeram cursos básicos ou tiveram formação inadequada e vai crescer a demanda por profissionais bem preparados, que já são raros hoje. Vocês acabaram de ganhar uns 2 anos ou mais pra estudar com calma, criar fundações sólidas, como eu venho repetindo sem parar em vários videos do canal.

E quando a maré virar, o mercado vai precisar de gente bem preparada. Eu disse isso antes e vou dizer de novo: com ou sem crise, o mercado sempre tem espaço pra gente competente de verdade, aquele que realmente faz a diferença no resultado da empresa. E agora você vai ter menos concorrência, porque a maioria quis pegar atalho pra surfar a onda, não fez fundações sólidas, escolheu cursos mais por serem curtos do que por serem bons. Evitaram as coisas difíceis e como o mercado só crescia, eles tinham espaço. Esse espaço vai começar a desaparecer a partir de agora. Eu disse isso no meu vídeo de Programação não é Fácil, se você tem uma posição que não é fundamental pra sobrevivência da empresa, fique preocupado. Claro, com o resgate do FED ainda vão sobrar muitas, mas se tudo der certo, pelo menos as piores vão falir. [trecho - end]

A vantagem do sistema de não ter turma nem professor é que o seu ritmo não é freado pelo ritmo do aluno mais fraco. Você pode avançar no seu próprio ritmo. Quando tem dúvidas sempre tem alguém na sua frente que pode te ajudar. E por sua vez, sempre tem alguém um passo atrás precisando da sua ajuda. Isso é muito importante porque você exercita colaboração de verdade, coisa que nunca acontece numa sala de aula de curso, nem de faculdade. Aliás, quando eu tava no colégio eu odiava trabalhos em grupo. Só significava que ninguém se esforçava, deixava tudo nas minhas costas pra fazer, e no final só queriam que eu colocasse os nomes deles antes de entregar. É um lixo esse sistema porque não existe motivação pra ninguém colaborar.

E porque na 42 SP seria diferente? E aqui vem a outra parte que me convenceu neles. Eu disse que a 42 SP, assim como a École 42 e todas as outras subsidiárias são organizações sem fins lucrativos, ou seja, eles não vivem de mensalidade dos alunos e sim de doações de fundos de investimento ou de empresas que acreditam na causa. O próprio prédio onde eles estão foi doação do dono do prédio. Os iMacs todos foi um programa da Apple onde eles deram um puta desconto.

Os alunos não pagam nada. É tudo gratuito. Por causa disso eles podem se dar ao luxo de selecionar os alunos que entram e até expulsar quem tá atrapalhando ou nem tá querendo colaborar. É a mesma coisa com minha empresa, porque eu pago salário pra estagiário sem ele estar trabalhando pra nenhum cliente, só pra estudar e colaborar. Por isso se ele não usa o tempo dele pra evoluir, está tomando o lugar de outra pessoa mais esforçada. Tão entendendo os paralelos?

Quando eles abrem inscrições, rola 2 provas online de lógica, sem código. Eu não lembro de cabeça os números então vou só chutar a ordem de grandeza, mas sendo escola gratuita e com pedigrée francês, obviamente milhares de pessoas do país inteiro se inscreveram. Eles estabelecem tipo uma nota de corte e só os 300 ou 400 melhores são escolhidos. Depois disso eles precisam ir pessoalmente pra participar de algumas reuniões presencialmente. Só de não ser curso online, um monte já desiste. E eu gosto desse conceito porque se a pessoa não tem comprometimento nem pra ir lá pessoalmente, provavelmente não tá levando a sério o suficiente, e só nisso muitos já desistem.

Depois dessas reuniões inicia uma fase chamada de Piscina, e até eu quero roubar esse nome agora. Pense se fosse uma escola de natação, a idéia é jogar todo mundo na piscina e deixar se virar pra não afogar. Quem sobrevive vira aluno. Essa piscina é uma imersão presencial de nada menos que 28 dias seguidos, onde de cara recebem dezenas de problemas de programação pra resolver. Isso mesmo, eu achei sensacional, a pessoa chega e recebe um computador, uma conta na escola, a lista de problemas que precisam resolver com código e só. Não tem instrução, não tem aula, não tem material didático, não tem professor apresentando matéria. É um por todos e todos por um. Cada um vai resolvendo, ajudando os outros e avançando como puder. E a escola fica aberta 24 horas por dia todos os dias, então quem quiser pode até varar noite se quiser.

É uma versão bem mais puxada do meu estágio, onde o estagiário não tem nada estruturado, as coisas vão aparecendo e ele vai tendo que se virar. Eu achei esse conceito sensacional porque essa é a seleção final. Então foram tipo 3 etapas de seleção pra separar quase 200 alunos dentre milhares que se inscreveram. Eles fazem o que eu falei que eu gosto das faculdades federais e que os cursos comerciais não fazem: os recursos não são infinitos, e os alunos não pagam mensalidade, portanto eles precisam selecionar quem parece que vai tirar melhor proveito do material disponível. Uma pessoa que tem dinheiro pra pagar mas não tem interesse nem esforço só estaria desperdiçando o lugar de outra pessoa.

Daí eu pedi que eles me mostrassem o pouco material que eles dão pro aluno, a lista de problemas. E de fato, cada problema é um pequeno pdf de umas 3 ou 4 páginas, declarando o problema, declarando os critérios pra passar, o que eles não podem usar, e o que é esperado. Por exemplo, mesmo em faculdade ou tecnólogo que começa com a linguagem C, a gente começa fazendo algoritmos e programinhas simples. E bem naturalmente a vai aprendendo a usar malloc pra alocar memória, free da desalocar, memcpy pra copiar o conteúdo de uma variável em outra variável, sizeof pra saber o tamanho do tipo de uma variável, printf pra printar mensagens formatadas no saída padrão do terminal e assim por diante.

Mas o PDF inicial que eu vi era mais hardcore. Pra começar é tudo em inglês! E isso eu também achei sensacional porque é realmente zero muletas, zero rodinhas na bicicleta. Eles tinham que implementar as próprias funções básicas da biblioteca C, o próprio memcpy, o próprio printf, exatamente como o Salem me contou no Tweet dele. Nem eu nunca tive que fazer isso. E confesso que fiquei com vontade de sentar naquele computador e começar a resolver o problema.

Pensa uma pessoa que nunca programou uma única linha de código na vida ou no máximo fez tutoriais de Javascript, lê esse PDF. E é só isso. No final, quando ele terminar o código, precisa subir no Git da escola onde alguns problemas parece que tem o equivalente de um CI, um continuous integration, que roda um script de teste automatizado pra avaliar e tem professores que fazem a revisão desse código. Então esse aluno precisa, do zero, sem aula e sem material didático, descobrir como usar um editor de textos, descobrir o que é um compilador, descobrir como debugar. Daí precisa aprender sozinho o que é C, como é uma função main básica, o que é um ponteiro, o que é um loop. Daí como funciona o git até conseguir subir o resultado pro repositório da escola. E tudo isso num único problema, logo no primeiro dia, e são centenas deles.

Se conseguir chegar na área de segurança você vai ter que construir seu próprio malware do zero. Se for mexer com redes vai ter que descobrir sozinho o que é OSI até montar seu próprio protocolo. Se for pra games vai ter que montar sua própria engine gráfica do zero. E é assim com todas as áreas de conhecimento. Alunos que começaram do zero depois da piscina, acho que 6 meses depois estão todos usando shell, usando clang, usando Vim de editor e avançando sozinhos. Excelente.

Claro, nem eu e nem eles estão dando garantias. Não é qualquer um que vai conseguir aprender a programar. É o contrário, a 42 é um grande filtro. Quem desistir lá, não vai aprender melhor em outro lugar. Falta de esforço nenhum curso conserta. Quem entrar na 42 tem que estar preparado pra encarar essa realidade de que talvez falte determinação própria. Por outro lado, quem conseguir durar até o nível 21 eu acredito que saia de lá com nível no mínimo igual ou até superior a qualquer um que tenha feito ciências da computação numa boa faculdade federal. Na questão de ter realmente aprendido a aprender, eu acho que talvez seja muito melhor.

Eu pratico modelo semelhante tanto pessoalmente quanto na minha empresa e quando eu vi a 42 eu pensei, “se eu fosse montar uma escola de programação, provavelmente seria exatamente nesse modelo”. E foi uma grata surpresa ter visto alguém que pensou semelhante e anos antes já colocou o modelo em prática. Eu gosto até do nome!

Eu acredito que pessoas em aprendizado precisam de contato direto com outras mais experientes e ao mesmo tempo devem ajudar as menos experientes, e isso só é eficiente num ambiente presencial. Já disse que acho home office bom pra quem já é experiente, mas prejudicial pra quem é iniciante. Porém, com a situação atual de quarentena o processo da 42 infelizmente também foi prejudicado. Todos aqui torcendo pra essa situação se normalizar o quanto antes.

Eu também disse que o processo todo é obrigatoriamente presencial. Significa que quem não puder estar lá durante os 3 ou 4 anos não pode ser aluno. Os recursos são limitados, o espaço é limitado, mas mesmo assim a 42 tem um programa de bolsa parcial ou total dependendo do potencial do aluno e dos fundos que eles tem disponíveis. Alguns alunos estão podendo ir graças a essas bolsas. E aqui eu deixo o convite a qualquer empresa, que vá visitá-los pra de repente também contribuir.

A 42 SP ainda é nova, eles abriram as atividades no meio do ano passado. Mês passado deveria acontecer uma nova piscina pra selecionar mais alunos, mas de novo, essa atividade de imersão teve que ser adiada por motivos óbvios. Finalmente, deixo aqui meus parabéns pra Karen, pro Guilherme, pra Mari que cuida da comunicação. Eles me forneceram as informações que trouxe aqui pra vocês. Agradecimentos ao Salem que fez a indicação. Vou deixar links nas descrições abaixo pra vocês procurarem saber mais sobre eles.

E por hoje é isso aí, o episódio de hoje foi super longo, me desculpem por ter me alongado tanto mas eu achei que este deveria ser o episódio pra eu resgatar parte do que eu já disse desde o começo do canal pra vocês entenderem que esse é um assunto que eu passei literalmente anos pesquisando e refletindo. Se ficaram com dúvidas mandem nos comentários abaixo, se curtiram o video mandem um joinha, não deixem de assinar o canal, clicar no sininho pra não perder os próximos episódios e compartilhar com seus amigos. Eu continuo aqui na quarentena, e quem puder continue seguro e continue em casa. A gente se vê, até mais!

Quem é o tipo de profissional que vai sobreviver à Crise Econômica Pós-COVID-19 na nossa área de desenvolvimento de software? Como se faz pra ser tornar esse profissional?

Se por acaso eu decidisse fechar meu canal hoje, eu diria que este seria um FINALE digno do que eu produzi até agora.

Este vídeo vai ser um dos mais longos e talvez até um pouco cansativo em partes mas é porque eu realmente quero martelar pela última vez o que eu venho falando faz um ano e meio sobre o processo de aprendizado, particularmente para iniciantes que querem aprender programação.

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