[Akitando] #72 - RANT: Programação NÃO É Fácil

2020 February 19, 10:30 h

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Faz anos que você ouve falar que "programar é fácil" ou "qualquer um consegue programar". Eu mesmo já disse coisas parecidas.

Hoje eu quero explicar porque na última década a programação alcançou esse status bizarro de "salvador da pátria" e porque os mercados estão num momento desproporcional de abundância, e o que isso pode significar pra sua carreira.

Warning: quem achou outros vídeos um "tapa na cara" ou "pedrada", entre neste com cuidado porque pode ser pior. Frágeis de ego: eu avisei.

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Olá pessoal, Fabio Akita

Esta semana, pra variar vou fazer um video mais curto que o normal, me preparando pra tentar fazer algo maior durante o Carnaval. O videozinho que vocês acabaram de ver sou faz uns 6 anos atrás, era 2014 e fui convidado pra participar com um vídeo pra um movimento chamado Ano do Código. Eu tentei o possível pra Não fazer um vídeo tentando dizer o famoso "qualquer um consegue programar" mas meio que acaba dando pra entender assim, se você não pegar o contexto.

Eu pessoalmente não gosto desse vídeo que eu fiz. E eu acho que muita gente assume que minha mensagem é sempre próxima disso que eu disse. Eu nunca quero dizer isso. Então meu vídeo de hoje vai ser uma divagação sobre esse tema.

(...)

Em 2014 estávamos no pico do "awareness" popular sobre desenvolvimento de software. O mundo estava se recuperando da última grande crise financeira que assolou muitos países. E no meio desse momento apocalíptico, que gerou muitos desempregos, fechou muitas empresas, uma categoria parecia emergir como a solução de todos os problemas. E isso foi a programação, especialmente porque o conceito de App Store naquele ponto tinha 4 anos e gerou um boom de apps. E vários apps se tornaram icônicos como Uber ou Airbnb que deram uma alternativa a muita gente que perdeu emprego de conseguir trabalho que antes não existia. Quantas vezes você não viu reportagens nos jornais, de engenheiros, médicos, que perderam empregos e se tornaram motoristas de Uber?

Algo parecido tá acontecendo no Brasil agora. Naquela crise de 2008 e 2009, o governo brasileiro, chamou a crise de "marolinha" achando que o Brasil era invencível ou imune. Óbvio que não. Vivemos uma bolha artificial e a conta chegou. E por isso o mesmo episódio aconteceu aqui também, com a popularização de aplicativos como iFood, Rappi e outros que estão tendo o mesmo papel do Uber 8 anos atrás. A primeira vez que eu peguei Uber foi em 2012 em São Francisco. Era novidade ainda e a categoria era muito menor.

Muita gente não se lembra, mas o conceito também era diferente, a idéia do Uber não era popularizar o transporte. Era ser um transporte diferenciado de nicho. Pra começar você tinha que dirigir carros pretos mais classudos com os Lincoln. A idéia era você chegar nos lugares "like a boss". O que hoje em dia se chamaria de Uber Black era o Uber normal, por isso Uber se chama Uber, aliás. O nome original era UberCab, e Uber vem do alemão e quer dizer algo como “superior”, então seria o táxi superior.

Aliás, foi por volta de 2012 que eu vi muitos dos aplicativos que usamos hoje se popularizando. Foi quando eu usei o Waze pela primeira vez direto em Tel-aviv, em Israel. Todo mundo lá estava usando, mas por aqui ainda era novidade. Geolocalização era uma tecnologia que começou fazia pouco tempo, 4 anos antes em 2008, inaugurado pelo Foursquare na South by Southwest daquele ano. O Google Maps tinha começado pouco tempo antes em 2005. Mas foi com o advento dos iPhone 3G com GPS em 2008 que a população em geral começou a tirar proveito de geolocalização pra mapas e rotas, pra criar geofencing e tudo que hoje em dia é super comum e trivial. Mas faz só pouco mais de 10 anos que tudo isso começou.

Essa tangente foi pra dar contexto daquele momento histórico. Tivemos o nascimento de novas categorias de tecnologia e por coincidência naquela época iniciou uma das maiores crises da história, e nós programadores estávamos no lugar certo e no momento certo pra ganhar as honras de salvadores da pátria. Pra uma parcela considerável de uma população, graças a termos smartphones no bolso e acesso a apps como Uber, ou Airbnb, milhares de pessoas puderam sair do desemprego causado pela crise. E por isso não é estranho que a população em geral visse com bons olhos não só as tecnologias mas as pessoas por trás delas.

Até o presidente Barack Obama na época, empolgado com essa nova alternativa, ajudou a incentivar uma nova geração de programadores. Em 2014 ele entrou forte nessa propaganda, muitos noticiaram quando ele se tornou tipo o primeiro presidente a escrever um código. Outros grandes nomes se uniram a essa causa como Bill Gates. Tecnologia deixou de ser só uma curiosidade, ou um instrumento pra especular fortunas como foi na Bolha do Ano 2000, pra se tornar uma solução social. E o resto, como diriam, é história.

Por isso em 2014 principalmente surgiram vários movimentos pra incentivar o aprendizado de programação como algo tão fundamental como aprender a ler e escrever. Tudo isso é positivo porque a profissão de programação foi finalmente reconhecida pelo que ele já vinha fazendo faz décadas: elevando as capacidades da humanidade.

Porém, isso também teve efeitos colaterais graves. O fato de todo mundo ter se tornado tão positivo à tecnologia acabou dando carta branca e tolerando muitas coisas que acabaram como escândalo anos depois. Vide o notório episódio da venda de dados dos usuários do Facebook pela Cambridge Analitica. Vide as acusações de manipulação da opinião popular pra eleger um presidente. E mesmo assim o Facebook continua firme e forte e crescendo. Por menos que isso, no ano 2000 a Microsoft quase foi obrigada a ser quebrada em múltiplas empresas independentes pelo Supremo Tribunal no caso antitruste.

Com tudo isso Tecnologia se tornou uma nova religião, e os grandes nomes da tecnologia se tornaram seus sacerdotes. Silicon Valley se tornou a nova Meca, e muita gente peregrinou pra lá. E os programadores se tornaram os seguidores cegos dessa nova religião. Diversos efeitos nefastos derivaram disso e continuam causando problemas até hoje.

Sem entrar muito em lei econômica, mas é sempre bom ilustrar com alguns extremos pra ter um modelo na cabeça. Vamos pro pior extremo possível, um monopólio. Ou mesmo algo próximo, um oligopólio, formado por um cartel de empresas que age em conluio. Ou ao contrário do que muitos imaginam, monopólios não são formados apenas por empresários malvadões. Governos são os campeões em gerar monopólios. Em qualquer desses casos o efeito pra um trabalhador comum é extremamente ruim.

Se não existem outras opções de trabalho, todo mundo é obrigado a participar desse jogo de cartas marcadas. O monopólio pode te pagar só mínimo necessário pra sobreviver ou até menos e não tem muito o que você possa fazer, especialmente se o monopólio for estatal. Se sair, não existe outro emprego. Se tentar empreender vai ser massacrado.

Por outro lado, quando você tem fartura, abundância e liquidez no mercado, temos outro efeito interessante. Pense o cenário de Silicon Valley ou qualquer outra dessas Mecas onde se concentraram os sacerdotes da tecnologia. Todo mundo peregrina pra lá com as promessas de salvar o mundo E ficar rico no processo. Não é incomum você ter programadores ganhando 150 mil ou 300 mil ou meio milhão de dólares por ano em São Francisco.

Se fizer a conta de padeiro e converter pra Real a 4.30, os 300 mil seria você ganhar 1.3 milhão de Reais por ano, bruto. Seria um salário de quase 100 mil reais por mês. É claro que chama a atenção. Dentro dos Estados Unidos isso chama atenção, e fora dele em países em desenvolvimento como o nosso, ou países ainda piores que o nosso como Índia, Angola, Nigéria. Claro que todo mundo quer ser programador!

Mas precisa fazer outra conta pra entender o que de fato esses 300 mil dólares do exemplo significam. Em muitos casos, metade disso pode ser só equity. Falando em linhas simples equity é uma promessa. Quando a startup abrir capital, você tem opção preferencial de compra das ações. Você não tem As ações, quando chegar a hora você precisa ter dinheiro pra exercer essa compra ou perder a opção. Isso é a primeira coisa que pouca gente pára pra pensar. Pra exercer essas ações você tem um período de vesting. Ou seja, se sair antes desse período, você perde essas opções. Equity é um mecanismo pra reter pessoas que é bem popular porque a empresa não precisa gastar nada por um bom tempo.

Então digamos que você ainda receba líquido essa metade por ano, ou seja, 150 mil. Isso daria pelo menos 12 mil dólares por mês. Continua sendo um puta dinheirão pros padrões brasileiros. Porém, o mercado não é estático. Se muita gente se concentra num mesmo lugar, ganhando salários cada vez mais altos, a lei da oferta e da procura entra em ação. Todo mundo que peregrinou pra lá agora precisa morar em algum lugar. A procura por imóveis aumenta drasticamente, mas a oferta não tem como aumentar do dia pra noite, portanto o preço dos imóveis aumenta também drasticamente. Então não é incomum achar apartamentos pequenos custando na faixa de 4 mil dólares pra cima.

Um terço desse salário que você achou enorme já foi embora. Então agora você tem 8 mil dólares por mês. Continua sendo um dinheirão. Mas não acaba aí. Digamos alimentação. Aqui no Brasil você pega seu Sodexo ou VR e em São Paulo pode pagar 30 a 40 reais por almoço. Nos Estados Unidos não existe o conceito de vale alimentação, e a refeição equivalente que você comprar na rua vai ser 30 ou 40 dólares. Vezes 22 dias úteis num mês, e se não tomar cuidado, vai perder mais de 600 dólares, só em almoço.

E vai fazendo essa conta pra tudo, luz, água, lavanderia, plano de saúde, academia, vestuário, entretenimento, talvez escola se você tiver filhos. Você pode perder mais 3 mil dólares ou mais nessa brincadeira. Os 8 mil começam a virar 5 mil ou 4 mil. E não se esqueça que também tem impostos. Apesar de serem menos que no Brasil, você ainda precisa pagar. Na faixa entre 80 a 160 mil dólares você deve pagar uns 28%. Então não é 12 mil que você tem líquido por mês, é dois terços disso, ou seja, 8.600.

No final do mês, você achou que tinha 12 mil dólares, mas tire tudo isso e muito mais que você precisa gastar numa das cidades mais caras do mundo, e se tiver sorte, vai sobrar mil dólares, talvez 2 mil. Ainda assim, pro padrão brasileiro, se sobrar mil dólares parece bastante coisa, mas você não pode comparar com o custo de vida brasileiro, que é ordens de grandeza mais barato. Aliás essa é outra coisa que pouca gente faz: só vê o número absoluto. Não considera custo de vida ou impostos.

Daí acontece efeitos bizarros de você ver um americano que ganha teoricamente 5 a 10 vezes mais que você aqui, e reclamando que ganha pouco e não dá pra viver. E se parece exagero, vide exemplos recentes quando a empresa de jogos TellTale Games demitiu dezenas de pessoas do dia pra noite porque eles ficaram sem dinheiro. Um monte de gente que foi pra rua ficou sem ter dinheiro pra pagar o aluguel do mês seguinte. Eles realmente viviam de contra cheque em contra cheque. E essa é a realidade da grande maioria das pessoas, aqui ou lá. Não é diferente.

Na Europa é a mesma coisa. Na Ásia é a mesma coisa. Não existe bala de prata. Se 150 mil dólares for uma média, considere que pelo menos metade da população ganha consideravelmente menos que isso. Médias salariais não dizem nada. O contexto e os custos são completamente diferentes. E claro, os valores e contas que eu fiz aqui são hipotéticos, não adianta ficar jogando nos comentários "ah mas meu amigo que eu conheço é diferente" eu sei, é um exemplo. E casos isolados não define uma regra geral. A história do “cara que você conhece” ou o seu próprio é apenas isso: uma anedota.

Voltando à história de monopólios que eu falei, onde você realmente trabalha por centavos. A situação de Silicon Valley e outros centros com grandes investimentos é o inverso. Parece que existe abundância, pra todo mundo. E parece que se você ganha menos de 150 mil dólares por ano, você está sendo explorado. Mesmo se for esse o caso. Foi uma escolha sua ir pra lá. Ninguém colocou uma arma na cabeça forçando você a estar lá. E você tem escolhas, estamos num período de abundância. Só que ninguém quer ganhar "menos", ou assumir um erro, ou assumir outros riscos. É um problema de ego, não de economia.

Pior que isso, mais da metade do valor de um lugar desses é só promessa. Imagine o montante de equity que existe espalhado nesse mercado. É um valor absurdamente grande. Só que isso é uma promessa. Se a startup falir antes de conseguir atingir o ponto de abrir capital e realizar sua valuation, todo esse equity vai valer zero no dia seguinte. Isso mesmo, zero. É uma bolha.

Tem duas coisas que podem acontecer num cenário desses. A primeira é a bolha estourar. E quando ela estourar o valor de tudo vira pó. Só que agora sobra um exército de programadores hiper caros que, no papel, e só no papel, acha que vale tudo isso de verdade. Só que não vale. Valor não é absoluto, é um produto do mercado. Qualquer empresa que cair a ficha que precisa controlar e cortar custos, em vez de gastar desenfreadamente em mesa de sinuca e piscina de bolinhas e propaganda cara, em busca do sonhado market share, tem alternativas. Umas das alternativas se chama outsourcing, ou terceirização. Pra onde? Pra países onde programadores de qualidades semelhantes custam metade, um terço, ou ainda menos. Nós, aqui no Brasil, os indianos, os ucranianos e assim por diante.

Eu já vi isso acontecer antes. Em 2001 não foi só as torres gêmeas que caíram, caiu também a bolha especulativa da internet. Centenas de programadores que achavam que eram bons de repente não tinham pra onde ir. Foi assim que cresceu o mercado da Índia no começo dos anos 2000, se tornando referência em terceirização de programação e outros serviços como call centers e qualquer coisa que era possível terceirizar. Por isso americano odeia a globalização.

Eu já tinha contado essa história e estou repetindo aqui pra dar contexto. Agora vem o que eu queria dizer no começo. Programação não é salvador da pátria. Ela é só uma profissão, que deve sim, ser levada a sério. Só que passamos os últimos dez anos com o falso estigma que ser programador é uma coisa “nobre” pra sociedade, que vamos resolver todos os problemas do planeta, vamos acabar com a fome, vamos consertar o clima, vamos consertar tudo. E pior, surgiu a noção de que é fácil programar. E não só é fácil programar, mas a procura por programadores aumentou drasticamente por conta de todo esse dinheiro fantasma, toda essa promessa de riqueza, de repente qualquer programador mais ou menos, passou a ganhar mais do que deveria num mercado fora dos padrões.

Sabe onde isso vai chegar? Da próxima vez que a bolha estourar, e isso pode ser em breve ou pode ser em poucos anos, quem não for programador de verdade, ou seja, quem não souber como de verdade entregar resultados proporcionais ao que ganha, vai ficar sem emprego. Nunca se esqueça: sempre vai existir um indiano que faz o que você faz por menos da metade do preço. Provavelmente pode colocar um chinês junto nessa equação agora também.

Sempre tenha em mente, você raramente vale o que você “acha” que vale. Todo mundo acha que deveria ganhar mais. E todo mundo que paga sempre vai achar que deveria pagar menos. Esse é o jogo. E é a lei da oferta e da procura que vai dinamicamente ajustando isso. Só que em períodos de bolha a demanda é desproporcionalmente mais alta, não dá tempo da oferta atender, então o que varia é o preço acima do normal. Em crises é o oposto, a demanda seca, e a oferta fica com estoque sobrando, o que varia é o preço abaixo do normal. Essa é a conta.

O quanto você vale depende da sua qualidade, da oferta e da demanda. E em períodos de demanda desproporcional, mesmo a qualidade não sendo grande coisa, ainda assim existe oportunidade.

Agora, tudo isso que eu usei de exemplo é nos grandes centros. São Francisco, Berlin, Londres, São Paulo, e assim por diante. As pessoas de cidades mais distantes do interior, ainda estão completamente fora dessa realidade. Toda vez que um programador rock star de um grande centro fala das maravilhas de tudo isso, ele está criando uma falsa expectativa. Mercados não melhoram só com discurso.

Como a tal demanda que eu falei é altamente desproporcional, mesmo assim não é tão difícil ouvir falar de casos de programadores que saíram de lugares longínquos e hoje estão morando nesses grandes centros, ganhando seus 150 mil dólares por ano. Esses casos se tornam a propaganda pra um sub-mercado que aparece toda vez durante esses períodos de abundância. Eu sei que estamos num período de abundância quando existe oportunidade pra certificar coach de coach ISO 9001 em instituição nacional de coach por exemplo. Num mercado normal, onde reinaria a eficiência, essa posições simplesmente não existiriam. Então sim, estamos num período de abundância excessiva.

Você tem que tomar cuidado com aproveitadores. Por exemplo, não é de hoje que ouço falar de cursos rápidos e workshops de poucos dias ou semanas, que trazem até pedigree estrangeiro, prometendo a pobres incautos que eles também podem rapidamente usufruir desses altos salários em grandes centros. E a demanda é tão alta, que de fato, alguns deles até conseguem posições, de tão baixo os critérios que muitos recrutadores colocam pra conseguirem suprir a demanda. E isso só alimenta a propaganda enganosa.

Deixa eu ser o estraga prazer. É impossível se tornar um bom programador, do zero, em duas semanas, ou mesmo dois meses. Esse tempo é suficiente pra, no máximo, saber fazer tarefas muito simples. E como eu sei disso? Por que eu faço contratações pra minha empresa e já fiz pra várias outras empresas ao longo de 20 anos. Eu já contratei literalmente centenas de pessoas e avaliei centenas de curriculos e acompanhei a evolução deles. Eu sei uma coisa ou duas sobre contratações e avaliações.

Coloque em perspectiva. Alguém considerado estagiário, já está num curso, seja de ciência da computação ou engenharia de software ou técnico em programação por pelo menos 2 anos. Isso significa uma carga horária mínima de 3 a 4 horas por dia, por uns 8 meses e 22 dias úteis por mês ou no mínimo 700 horas. Sem contar o tempo de estudos, trabalhos, e pesquisa. Um workshop realmente puxado de 8 horas por duas semanas são míseras 80 horas. Não chega nem perto da metade do que um estagiário já estudou.

Se o curso for excepcionalmente bom e se você for excepcionalmente estudioso e aplicado, ainda assim estamos falando de chegar no nível de estagiário. Faça as contas. Não tem como. Do nível estagiário, dependendo de onde ele estagia, as pessoas mais experientes com quem tem contato, os diferentes desafios e estudos extras no estágio, ainda precisa na média de mais 6 meses a 1 ano pra se tornar um júnior. Então estamos falando de uma carga extra de treinamento de mais 6 meses de 22 dias úteis e 6 horas no estágio, ou seja, mais 700 horas.

Ou seja, chutando na média, pra sair do zero até chegar ao primeiro estágio de júnior, estamos falando de uma carga aproximada de 1400 horas entre estudo teórico e treino prático. No mínimo. E eu não estou falando que um curso rápido ou workshop são ruins, é apenas uma questão de expectativas. Eu acho que esses workshops são bons pra dar uma introdução e os primeiros passos, as primeiras 80 a 100 horas de um percurso de 1400 horas. É 5% do percurso. Existem exceções? Casos excepcionais de gente talentosa que consegue em metade desse tempo? Claro que tem, mas por isso chamamos de exceções e não da regra.

Só que a grande maioria das pessoas não faz essas contas simples que eu acabei de fazer. Em vez disso, prefere cegamente seguir alguma palestra motivacional que ouviu de algum fake coach por aí e mergulhar na corrida do ouro sem saber que está indo atrás de ouro de tolo. Quantas histórias eu já vi de pessoas que nem de fato se interessavam tanto pela área, mas foram influenciadas e só depois de ver o tamanho do caminho, se frustraram e desistiram pelo caminho.

Pior ainda os que caminharam o 5% do percurso e tiveram a sorte de entrar na onda da alta demanda e conseguiram alguma posição em algum lugar. Alguns até ficaram bons o suficiente, mas ainda assim não são programadores de verdade. Eu não tenho nenhuma pesquisa cientificamente correta para trazer dados, mas eu não consigo não parar pra pensar no motivo de porque de repente tem tanta gente sofrendo de síndrome do impostor. E porque existem grupos grandes de pessoas em nível básico se comportando na defensiva de suas posições. Porque são posições super frágeis e na maioria das vezes desnecessárias, criadas num momento de alta artificial da demanda. Quando tem dinheiro sobrando, porque se preocupar em eficiência?

Falando como um sobrevivente de umas 3 crises, nos anos 90, nos anos 2000 e nos anos 2010, uma coisa permanece constante. Os que ficam pra trás foram os que estacionaram no básico, cegos por um valorização fora do normal, achando que já são bons o suficiente já que existe demanda por eles. Os que vão pra frente e sobrevivem são os que não colocaram esse valor como base e sim as próprias habilidades de resolver problemas reais, seja lá quais eles sejam. E você só consegue ser flexível pra resolver problemas diferentes quando seu conhecimento tem fundações sólidas, treino sólido. Não importa se é momento de abundância ou momento de crise, um tipo de emprego que nunca acaba são as posições reservadas ao reais solucionadores de problemas.

Muita gente deve estar tomando um balde de água fria e provavelmente me xingando já neste momento. Não culpem o mensageiro. Mas eu diria que é melhor se frustrar antes do que depois quando é tarde demais. Mas agora eu volto à segunda parte do meu vídeo de 2014 e o que eu quis dizer:

(... video)

Se você ainda não assistiu tudo, eu venho fazendo uma série de vídeos tentando explicar como funciona esse começo, como funciona o mercado e em particular sobre a metodologia de aprender a aprender. Recomendo voltar à playlist de carreira que eu fiz e assistir com calma. Mas deixa eu fazer outra tangente.

Eu sou ruim em esportes. Eu sempre fui, sabe aquele japonês CDF que na educação física é sempre o último que todo mundo escolhe pra colocar no time e termina no máximo como gandula. Pois é, sou eu. Talvez se eu me aplicasse mais eu talvez conseguisse ser alguma coisa melhor. Só que eu não gosto de esportes. Acho chato. Não prende minha atenção por mais que 30 segundos. Eu simplesmente não gosto.

Eu sou ruim de gastronomia. Eu adoro comer, todo tipo de comida do mundo eu como e você vai ter dificuldade de achar qualquer ingrediente que eu me recuse a comer. Quando quero só relaxar e não pensar em nada eu gosto de colocar nos canais Tasty e ficar vendo chefs cozinhando. Porém eu mesmo não gosto de cozinhar. No máximo eu fervo água pra colocar em miojo, se precisar muito eu faço um ovo frito, mas eu não tenho nenhum prazer em cozinhar. De novo, eu me colocar pra cozinhar é me entediar. Não rola.

E assim vai, eu sou ruim em muitas coisas e não tenho nenhuma intenção de investir tempo pra ser bom em nenhuma delas. É uma escolha consciente. Do outro lado da moeda eu gosto de programar. Saber como funciona cada pequena coisinha de cada tecnologia chama minha atenção, me prende por horas, eu já cansei de ficar entretido e só parar quando vejo o sol nascendo, de novo. É um contraste enorme com as coisas que eu não gosto.

Da mesma forma, eu tenho certeza que existem diversas pessoas com gostos totalmente opostos aos meus, que amam esportes e acham programar ou jogar videogames coisas completamente tediosas, maçantes e sem sentido. E elas tem total razão: gosto é que nem bunda, todo mundo tem um. Esporte profissional não é pra qualquer um. Como hobby sim. Programação também não é pra qualquer um. Como hobby sim.

Incentivar a fazer esportes é normal, correto e sempre faz bem pra população em geral. Esportes tem o benefício de ajudar você a se manter saudável, ajuda você a trabalhar em equipe e ajuda você a exercitar sua vontade de ser um pouco melhor. Tem um monte de boas razões pra se fazer. Mesmo assim você não vai me convencer, porque simplesmente não me atrai. Por outro lado, acho que pouca gente tirando as crianças fazem esportes com o objetivo de se tornar o Neymar. Você sabe que é um caso em um milhão. Você pode tentar copiar tudo que ele já fez e as chances de você virar algo próximo de metade um Neymar continua sendo inatingível. Foi uma combinação impossível de repetir de talento e esforço pessoal, timing, e estar no lugar certo na hora certa. Esforço e sorte é que geram sucesso. Não é uma receita que qualquer um pode repetir.

Mesma coisa em qualquer outra profissão de prática. Você sempre pode ter ídolos mas as chances de você se tornar um deles é perto de impossível. Todo mundo sabe disso. Então o que fazer? Simples, não faça propaganda de “você também pode ser o Bill Gates”, é mirar alto demais. Em vez disso desça vários níveis na cadeia, onde existe mais gente e que ainda assim é uma minoria. No caso os rock stars da programação já parece algo mais palpável, então bora fazer propagandas assim. “Você também pode ser um rock star de Silicon Valley.”

Quando eu digo no vídeo de 2014 que é só uma questão de “começar a praticar”, eu não tive tempo de dar toda essa explicação. E quando eu e qualquer outra pessoa fala que programar é fácil e um monte de gente que não tem vocação nem muito menos o interesse ouve isso continuamente, ele acha que o errado é ele. Assim como me faziam pensar que o errado era eu por não saber chutar uma bola. Felizmente desde cedo eu sabia ligar o “foda-se” e simplesmente ignorava 99% dos meninos que tiravam sarro porque eu nunca consegui chutar uma única bola na direção do gol. Eu simplesmente tinha outros interesses, que nos anos 80 basicamente ninguém tinha: programar.

Então a primeira coisa que eu preciso corrigir do meu video é: não é simplesmente dar o primeiro passo. Se tecnologia não prende sua atenção e concentração por horas ininterruptas, onde você simplesmente não vê o tempo passar, e onde se dedicar mil horas ou duas mil horas não é algo que pareça maçante pra você, então sim, só falta dar o primeiro passo e começar. Mas se pra você computação é igual futebol é pra mim, eu nem começaria.

E eu digo isso porque eu já vi um monte de gente começar e depois ficar frustrada e depois vem “eu segui o que o Akita disse, ou o que outro rock star disse, e eles mentiram pra mim, não é fácil assim”. E ele tem razão. A única discordância que vamos ter é que eu tomei cuidado pra minha carreira inteira eu nunca incentivei ninguém a virar programador. De propósito eu deixo de fora qualquer discurso mais otimista e incentivador. Eu simplesmente digo: eu gosto de tecnologia e eu gosto de falar sobre tecnologia e é isso que vou fazer. E ao mesmo tempo faço vários vídeos ilustrando que o mundo de tecnologia não é esse mar de rosas que muitos querem fazer você acreditar.

Um dos filmes que muitos palestrantes já usaram da forma errada é o clássico Ratatouille da Disney. Onde à primeira vista faz parecer que até um mísero rato é capaz de cozinhar melhor que um ser humano a ponto de mudar a opinião de um dos mais exigentes críticos gastronômicos da França. Mas ele é muito claro na mensagem: “nem todo mundo pode se tornar um grande chef, mas um grande chef pode vir de qualquer lugar”. Essa é a mensagem.

Significa que você não precisa ter nascido em São Francisco e estudado em Stanford pra ter chance de ser um grande programador. Você pode ter nascido numa cidadezinha do interior com 2 mil habitantes, estudado sozinho, e chegar no mesmo nível. Mas não é qualquer um. Da mesma forma como o filme é claro: de uma população gigantesca de ratos, apenas 1 demonstrou ter o que era necessário pra atingir isso. No nosso mundo é a mesma coisa. Bill Gates é celebrado até hoje, porque só existiu 1. Só existiu 1 Steve Jobs. Só existe um Jeff Bezos ou Jack Ma.

Você quer ganhar o sonhado salário de 6 dígitos em dólar por ano. Mas não está disposto a investir 2 mil, 4 mil ou, mais corretamente, 10 mil horas pra chegar lá. Sinto te dizer, é certeza absoluta que a menos que aconteça um evento de muita sorte, tipo ganhar na loteria, você não vai chegar.

E pior que isso, num período de hiper abundância que temos hoje. Se você acha que está difícil arranjar boas posições agora, sinto dizer que na próxima depressão vai ficar exponencialmente mais difícil. E enquanto isso você prefere defender que aprender inglês é ser anti-patriota ou qualquer bobagem assim, que é basicamente a desculpa de quem está com preguiça de aprender inglês ou simplesmente - assim como eu em esportes - simplesmente se entedia de tentar. É melhor assumir a realidade do que inventar histórias.

Em momentos de monopólios ou em momentos de depressão, toda frustração e reclamação é válida: é a realidade. Mas em momentos de abundância ver gente reclamando que ganha 5 dígitos em vez de 6, ou que não viaja vezes o suficiente por ano, ou que não consegue trocar de celular a cada 6 meses, é literalmente problema de primeiro mundo de uma geração que ainda não teve a experiência da primeira crise. Porque existem opções. Se elas não estão pulando pra próxima opção, não é falta de opção, é falta de vontade mesmo. Porque ficar no mesmo lugar e reclamando e se sentindo vítima da sociedade é sempre mais fácil do que assumir riscos. E sem assumir riscos, que tipo de resultados você acha que vai ter? Nenhum.

Já diria Einstein que um louco é aquele que fazendo sempre a mesma coisa, espera resultados diferentes. Eu acho que cursos, workshops, coaches e todo o aparato de intermediários que está surfando a onda da abundância está realmente realizando fraude. Eu desaprovo e me enoja ver gente praticando abusos e ativamente tentando enganar os outros. Por outro lado, muita gente simplesmente escolhe acreditar no ouro de tolo, porque se acha mais esperto, porque não quer recompensas com pouco ou nenhum esforço. E nesse caso, eu acho que os dois se merecem. Você quer ser enganado, é uma escolha, ninguém colocou uma arma na sua cabeça.

Pra finalizar, eu acho mó engraçado um monte de programador rock star com salarios de 6 dígitos reclamando de desigualdade. Por experiência aprendam, qualquer pessoa que fala a palavra igualdade só quer ganhar mais. Nada mais que isso e não tem nenhum problema em querer ganhar mais. Mas antes de falar bonito vale lembrar. Você trabalha numa startup que não tem lucro? Da onde acha que vem o dinheiro pra te pagar? Provavelmente de algum fundo de pensão, dinheiro de aposentadoria. Pois é. Eu entendo, todo mundo quer pegar uma fatia maior desse bolo, aproveitando que todo mundo acha que tecnologia ainda é mágica e solta dinheiro assim fácil.

O objetivo dos videos que eu faço é falar sobre o que eu gosto e ao mesmo tempo eu vou intercalando com alguns avisos: o mundo da programação é vasto, tem uma história muito rica que precisa ser respeitada, e possibilidades inexploradas que estão aí para quem tiver o conhecimento e a vontade de perseguí-las. Mas, não é pra todo mundo. Tenha isso em mente. E como eu disse, o episódio de hoje foi mais curto, semana que vem devo falar de algum outro assunto técnico da minha lista. Se ficaram com dúvidas, mande nos comentários abaixo. Se curtiram o vídeo mandem um joinha, não deixem de assinar o canal, clicar no sininho pra não perder os próximos episódios e compartilhar com seus amigos pra ajudar o canal. A gente se vê, até mais!

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