[Akitando] #52 - 10 Mitos sobre Tech Startups | Parte 1

2019 June 25, 17:00 h

errata: no começo do vídeo eu falo "positivismo" mas na realidade queria dizer "otimismo". não tem nada a ver com a filosofia.

O tema de hoje vai ser dividido em 2 episódios. Vamos cobrir os primeiros 5 mitos dos 10 sobre Tech Startups e continuamos o resto na semana que vem.

Desta vez eu resolvi pegar uma palestra que apresentei nos últimos anos chamado "Desmistificando Mitos de Startups" e adaptei pro formato de video do canal, depois digam se gostaram disso.

Infelizmente até hoje ainda repetem muitos mantras e dogmas errados e muitos jovens estão perdendo tempo seguindo as celebridades de "empreendedorismo de palco" e o objetivo de hoje é quebrar esses dogmas.

Links:

=== Script

Olá pessoal, Fabio Akita

Continuando no tema dos episódios anteriores, eu estou aqui pra tentar equilibrar as coisas. O que você mais vê hoje em dia é positivismo excessivo, ou o que eu chamei de exuberância irracional no penúltimo episódio. Por um lado sim, de vez em quando é muito bom poder se inspirar em alguma coisa mesmo que seja numa fantasia, e eu sou totalmente a favor disso. Tem filmes de ficção que me inspiram muito mais do que a grande maioria das pessoas de verdade.

No episódio de hoje quero explorar algumas coisas que eu considero como mitos no mundo de startups e empreendedorismo em geral. Em particular, eu odeio empreendedorismo de palco. Gente que sequer fundou uma empresa lucrativa enganando as pessoas com pura retórica, sem nenhuma substância além de falar alto e de forma impressionante.

Eu gosto de sempre tentar separar o que é realidade, o que é ficção, o que é wishful thinking e o que é puramente fraude. Em particular, eu sou praticante de uma profissão, no caso programação. E eu fico pessoalmente irritado ao ver fraudes ao meu redor neste mercado de tecnologia. Mas no final das contas eu acho que o fraudador está no seu direito de tentar fraudar. “Vai que cola?” E quem insiste em querer ser enganado, muitas vezes conscientemente ignorando os fatos, merece continuar ser enganado. Querer ser enganado também é um direito, e eu não faço nenhuma questão de achar que adultos devem ser protegidos, pelo contrário.

(...)

Eu seria um péssimo investidor. Em particular porque eu não vejo muita graça no jogo de apostas. Outras pessoas são muito melhores do que eu em achar boas apostas e influenciar os resultados, então não me perguntem no que eu apostaria ou não. Apostadores não necessariamente apostam com o único objetivo de ganhar. Claro que ganhar é parte da equação mas eu acho que muitos apostam pela adrenalina do risco, da incerteza. Pura e simplesmente. Assim como pular de paraquedas ou de bungie jump ou mergulhar do lado de tubarões brancos. Nesse sentido eu sou mais conservador, e eu não estou nem de longe dizendo que estou certo. Eu até invejo quem consegue ter e aproveitar esses picos de adrenalina, porque eles realmente servem pra te fazer coisas que você não faria normalmente.

Por experiência própria eu posso dizer que é muito mais fácil arriscar tudo quando você tem muito pouco ou nada a perder, ou pelo menos a sensação de que não tem nada a perder, do que quando você realmente consegue sentir falta do que perderia. Por isso muita gente nos 20 aos 30 anos se sente nessa posição. Depois que você se acostuma com uma rotina, família, bens e patrimônio, daí seria mais a abstinência da falta de adrenalina que levaria a uma decisão de alto risco sem garantias de retorno. Na prática, pessoas diferentes fazem apostas que parecem absurdas por motivos muito diferentes. Egocentrismo de achar que está mais certo que os outros, narcisismo de precisar demonstrar que estava mais certo que os outros, ganância de querer ter mais do que poderia, ou puro esporte mesmo.

Eu não sou contra nada disso. Mas existe uma outra categoria importante, e muito grande, de gente que escolhe empreender porque sente FOMO, o que no mundo de investimentos o pessoal chama de Fear Of Missing Out, ou seja, Medo de perder o bonde. E esse é o pior motivo de todos: cargo cult, seguir os outros só pra não se sentir de fora.

Eu apresentei esse tema como palestra nos últimos anos em alguns eventos e quero condensar em vídeo, dividido em duas partes. Esta vai ser a primeira vez que vou acessar material direto das minhas palestras no episódio, então depois me digam nos comentários abaixo se gostaram. Antes de começar a listar os Mitos, eu queria deixar um pensamento que li no livro Sapiens, de Yuval Harari:

O momento mais marcante e definitivo dos últimos 500 anos veio às 05:29:45 do dia 16 de julho de 1945. Nesse exato segundo, cientistas americanos detonaram a primeira bomba atômica em Alamogordo, Novo México. A partir desse ponto, a humanidade ganhou a capacidade não somente de mudar o curso da história, mas de encerrá-la. O processo histórico que levou até Alamogordo e até a Lua é conhecida como a Revolução Científica. A Revolução Científica não foi uma revolução de conhecimento. Ela foi sobretudo uma revolução da ignorância. A maior descoberta que lançou a Revolução Científica foi a descoberta que humanos não sabem todas as respostas pras mais importantes questões.

A intenção de episódios como este não é dar as respostas de tudo mas sim questionar o que achamos que sabemos e com isso incentivar as pessoas a procurarem com mais cuidado em vez de acreditar em receitas mágicas e salvadores da pátria. Isso tudo dito, vamos começar com o Mito número 1, que muita gente repete “Basta ter uma boa idéia”

Falando em Yuval Harari, acho que foi dele também que eu vi o seguinte trecho: Blade Runner (1982) é um filme magnífico, mas há algo de estranho nele. A heroína, Rachael, parece ser uma pessoa jovem e linda. Na realidade, ela é um pedaço de tecnologia. Um robô orgânico (uma replicante) construída pela organização Tyrell. Ela tem a mente de um ser vivo, incluindo memórias extraídas de um ser humano. Tão sofisticada que é impossível de distinguir de um humano sem equipamento especializado. Ela até mesmo “acredita” que é uma humana. O detetive Deckard (Harrison Ford) da polícia de Los Angeles sabe a verdade, que ela é uma inteligência artificial tão perfeita que ele mesmo acaba se apaixonando. Mesmo assim, quando ele quer convidar Rachael para tomar um drink, o que ele faz? Ele liga de um orelhão!

Existe uma revelação nesse contraste de tecnologias - o milagre biotécnico que é Rachael e esse videofone caricato. Não é que Blade Runner fracassou no futurismo em antecipar o smartphone. Isso é perdoável, e esse nem foi o único filme futurista que errou nisso. Mas quando nos pedem pra imaginar como novas invenções podem moldar o futuro, nossas imaginações tendem a dar saltos tecnológicos que são sofisticados além da compreensão. Imediatamente imaginamos inteligência artificial nível Skynet, ou fazer download da mente humana nível Matrix. Mesmo assim, se nos perguntam como seria nosso dia a dia mundano num mundo sofisticado com androids biológicos, nossa imaginação emperra.

Em 1980, Milton Friedman apresentou sua visão de como os livres mercados poderiam trazer paz mundial numa série de 10 horas do canal PBS chamado “Free to Choose”. Em um clip do seu show, Friedman apresenta seu clássico argumento numa parábola de 2 minutos e meio sobre um objeto bem mundano. Felizmente estamos no YouTube e eu posso só linkar o vídeo dele aqui em cima, mas o ponto é que você dificilmente vai inventar alguma coisa totalmente do zero.

Uma das maiores invenções da humanidade foi a prensa de Gutemberg, que ele inventou em 1440. Até então livros eram artigos de extremo luxo porque precisavam ser escritas à mão, cada cópia era única. Ninguém vai negar a revolução cultural que a prensa causou. Porém lembrem-se de uma coisa: pra existir livros precisamos de papel. E o papel foi inventado na China ~105 AC - e levaria mais mil anos para começar a ser usado fora da China. A própria escrita foi inventada ~3000 AC. Invente a prensa antes da existência da produção de papel e a prensa não vai servir de muita coisa.

Vamos dividir o entendimento em duas palavras que nos confundem. Invenção não é Inovação. Muita gente ainda tem essa concepção de que a idéia é a parte mais importante de tudo. E nada está mais longe da verdade. Qualquer idéia pode ser uma invenção. E invenção pode ser qualquer coisa. São coisas baratas, facilmente patenteáveis. Mas patentes não tem nenhuma atribuição de valor a uma idéia. Idéias são banais e baratas, lembrem-se disso. Mas se é esse o caso e inovações?

A única coisa que realmente importa é a “execução”. Invenção é a parte menos importante da inovação. Inovação aparece quando uma invenção encontra um mercado. Tem um artigo meio antigo de um tal Josiah Humphrey que vou deixar linkado nas descrições que elabora um pouco mais sobre isso, e eu concordo com as conclusões dele. Em particular pra parar de ter medo da sua idéia ser roubada. Se sua idéia tiver algum valor, ela vai ser roubada de qualquer forma. Você não é a Apple, pare de ficar inventando NDA ou non-disclosure agreements antes de falar da sua idéia pra qualquer um, em particular investidores. Lembre-se disso: ninguém está interessado na sua idéia. A única coisa que interessa é a qualidade de execução dessa idéia.

Na minha cabeça um NDA é simplesmente um preço barato pra adquirir uma idéia, se ela realmente fosse boa. E se for caro demais, eu simplesmente não assino. Em praticamente todos os casos que já vi, nenhum vale sequer meu tempo assinando um NDA. Se não quer me mostrar a idéia, não precisa, eu não estou interessado em ver. E já estamos em 2019, por favor não invente mais um Uber de qualquer coisa. Já temos tanto disso que a maioria não vale nada. Por outro lado pouca gente consegue de fato executar e criar o ecossistema que permite um verdadeiro Uber de X, um dos últimos foi os Rappi da vida, que de fato vem funcionando e por isso atraiu uma Softbank. Não foi a idéia, foi a execução. Isso dito, vamos pro Mito 2, o que também todo mundo fala de “basta ter um bom produto”.

Em seu livro “Mitos da Inovação” o autor Scott Berkun, no capítulo 4 que vou deixar o trecho linkado nas descrições abaixo, fala de um dito popular nos Estados Unidos que diz que “se você construir a melhor ratoeira o mundo vai abrir caminho até sua casa” que é a interpretação errada de que a qualidade do seu produto ou da sua idéia fala por ele mesmo. A ilusão de que todo mundo vai disputar lugar na frente da sua casa por sua idéia. Isso nunca vai acontecer, desista dessa noção. Completamente.

Inclusive, sobre a ratoeira do ditado, nos Estados Unidos são cadastrados 400 novas patentes de ratoeiras todo ano, e temos certeza que ninguém tá indo lá bater na porta desses inventores. Existem mais de 4000 patentes de ratoeiras, e mesmo assim só uns 20 chegaram a ser produtos lucrativos. O equivalente das ratoeiras seria “fazer um website ou app melhor do que os que existem”. A única forma de ter alguma chance não é fazer um produto um pouco melhor, a chance é conseguir convencer os outros a se juntar à idéia, como investidores, fornecedores, funcionários, varejistas, clientes e até mesmo competidores. Sim, porque se sua idéia é tão cretina que sequer seus competidores acham que vale a pena o tempo deles, você tá perdido. Não é a idéia, como eu disse antes, é a execução e não tem nada mais importante na primeira etapa do que criar uma rede.

Berkun lista oito fatores que são determinantes no sucesso ou fracasso de uma idéia. Só porque uma idéia parece tecnicamente boa, não existe nenhuma garantia de seu sucesso. Vamos ver alguns desses fatores que ele cita: 1. Cultura - armas de fogo foram inventadas primeiro no Japão antes dos Europeus, mas no Japão a cultura valorizava a espada, o artesanato, a honra. A invenção foi condenada como uma forma desonrada de matar. 2. Design dominante - quando Christopher Scholes inventou a primeira máquina de escrever ele só queria um design de teclado que não emperrasse. Mas agora na era do computador, poderíamos usar um design melhor, mas o custo de aprendizado é muito grande frente ao design dominante do QWERTY 3. Qualidade - podemos vender muito até mesmo produtos ruins para o meio ambiente e para a saúde se executado direito (vender fast-food em embalagem de isopor, por exemplo), pensa que qualquer fast food vende muito mais que sua idéia de salvar o planeta. 4. Gosto - Beta tinha melhor qualidade mas VHS tinha mais tempo de conteúdo, e a prioridade dos consumidores foi tempo mais que qualidade de imagem

No final das contas você precisa aceitar que não importa tanto o que você acha da sua idéia. Obviamente o criador da idéia sempre vai achar que ela vale mais do que todo mundo acha. Essa dissonância faz sentido, claro, o seu trabalho é convencer todo mundo que sua idéia é a melhor, através da execução, e parte dessa execução é como você vai convencer as pessoas. Você vai ter que ligar pra pessoas, vai escrever sobre ela, vai falar sobre ela, vai fazer propaganda, vai ter que marketar mesmo, não tem outro jeito.

O Mito número 3 é um favorito pessoal. Digamos que você chegou no ponto em que de alguma forma juntou algum capital, seja via family and friends, bom e velho empréstimo, ou achou algum investidor. Chegou a hora de construir a primeira versão ou protótipo dessa sua idéia. E como todo mundo você faz anúncios procurando bons programadores pra se juntar à sua equipe. E é impressionante como até hoje todo mundo continua escrevendo bullshit como “Estamos procurando um programador ninja ou jedi”. Se você não sabia disso vou te explicar: isso soa como uma piada.

Em 2013 fiz uma sugestão pro Vida de Programador que faz tirinhas de piadas sobre nosso mundo de TI que você pode ver nos links na descrição abaixo. Ele ilustrou perfeitamente o que eu penso sobre programadores Ninja. Programador Ninja é aquele que quando tudo começa a dar errado ele solta uma bomba de fumaça e desaparece.

Todo mundo gostaria de contratar os lendários programadores à la Mr. Robot, que sozinhos começam a digitar qualquer coisa e, com a motivação certa, em 60 segundos conseguem invadir a CIA. Obviamente programadores assim não existem, caso alguém esteja em dúvida. Mas mesmo assim você já ouviu falar de muitos programadores de verdade que se destacam como John Carmack ou Linus Torvalds, programadores que são os equivalente Neymar no mundo de código. Todo programador deveria mesmo aspirar se tornar tão bom quanto eles. Requer muita disciplina, muito estudo, muita prática. Você não costuma ver um John Carmack ou Linus Torvalds perdendo tempo participando de discussão idiota sobre política ou mimimi de porque ficou ofendidinho com qualquer imbecilidade que viu no Twitter. Porque nada disso interessa se seu objetivo é ser o melhor.

Muita gente fala sobre ser um desenvolvedor 10x. De fato existe essa noção de que é possível um desenvolvedor ser 10 vezes melhor ou mais produtivo do que os outros. Nem tanto porque esse indivíduo é 10x melhor, mas eu diria que é mais porque a grande maioria dos programadores faz 10x menos do que poderia. E não to dizendo por pura preguiça, mas porque fazem muitas escolhas erradas de prioridade e não focam no que estão fazendo. Um programador que decide se focar por 30 minutos produz mais do que um que fica dando alt-tab pra discutir política no Twitter o dia inteiro. Quanto mais claro está a tarefa que precisa ser feita, e quanto menos interrupções um programador tiver, tanto causadas por ele mesmo quanto fatores externos, mais vezes produtivo ele vai ser. É só isso.

E pra você que quer contratar esses “rockstar” ou “Jedi”, pare um segundo e pense: porque você acha que alguém como o Torvalds trabalharia pra você? Certamente não será pelos seus olhos verdes, muito menos por causa dos seus anúncios procurando Jedis, então pare de passar vergonha.

O Mito 4 é outro que é “cringe” de ouvir, dá até vergonha de ouvir alguém realmente dizendo isso em público. O famoso “Seja seu próprio chefe” ou pior “Siga seus próprios sonhos” ou pior ainda “Faça o que Ama”. Existe essa noção idiota de que você trabalhar pra alguém é estar sendo usado pra realizar o sonho dos outros. Vamos destruir essa noção primeiro.

Não existe isso de estar sendo escravizado e trabalhando pros outros de graça. Quando foi a última vez que seu chefe colocou uma arma na sua cabeça? Você trabalha acorrentado? Se você é remunerado pelo seu trabalho, não existe nada de negativo nisso. Aliás, salários sempre é um assunto complicado de explicar mas sempre parta do seguinte princípio: tirando poucas exceções você normalmente recebe exatamente quanto devia receber.

Não vou explicar isso hoje, mas reflita sobre isso: você sempre pode ganhar mais, se arriscar mais. Abrir uma empresa própria é um enorme risco, especialmente no Brasil, especialmente se você não tem idéia de como fazer isso e não está disposto a gastar o tempo pra aprender da forma certa. Dependendo de onde você buscar pesquisas sobre mercado, o número costuma estar perto de no mínimo 6 de 10 empresas novas que abrem, vão fechar antes de completar 5 anos. A pergunta que você deve fazer não é se “eu ganho pouco” mas sim “eu tenho a capacidade de fazer uma empresa do jeito que eu acho que devia ser?” Se sim, abra sua própria empresa e prove. Porque bla bla bla é barato, mão na massa, sangue frio, é pra poucos.

Sobre a frase auto-ajuda de “persiga seus próprios sonhos” ou “faça aquilo que ama” eu fiz um vídeo inteiro só sobre isso. Então não vou repetir aqui de novo, recomendo que assista no link acima. Em resumo, não fique eternamente procurando alguma coisa que absolutamente ama fazer pra fazer só isso, nem fique se iludindo pensando que já achou esse alguma coisa, porque o que você ama hoje é temporário, você só gosta de algum assunto momentaneamente. E entenda que sua vida inteira vai ser lotada de coisas que você não ama fazer como pagar impostos, limpar sua casa, dirigir pro trabalho e coisas assim, e na vida de um adulto essas coisas vão existir quer você goste delas ou não.

Um estado constante de felicidade simplesmente não existe. Você tem sorte se tem coisas que fazem você ser feliz, mas um estado permanente de adrenalina e montanha russa é um lugar que só existe pros viciados em LSD.

E muita gente confunde ser feliz com trabalhar num ambiente familiar. O melhor caso é o literalmente com sua família que, se você for de famílias que são tradicionalmente empreendedoras, como os antigos italianos ou judeus, que tem linhagens de muita experiência e tradição e, principalmente, técnica e networking, então sim, pode dar muito certo nesta geração também. Mas caso contrário eu diria que o jeito mais fácil de perder família e amigos é justamente trabalhando junto com eles. Recomendação: não faça isso. A menos que tenha tradição, eu diria que o pior que um empreendedor amador pode fazer é envolver família com negócios.

Agora, o outro lado disso, empresas que chamam todo mundo de família. Entenda isso de uma vez por todas: sua empresa não é sua família, você já tem uma família, e ela não é sua empresa. Já devia estar mais do que óbvio a esta altura que empresas que tentam criar ambientes que substituem sua casa não fazem isso porque consideram você um membro da família. Eles colocam Xbox no escritório mas o mais óbvio é que você devia ganhar o suficiente pra comprar o seu próprio Xbox pra deixar na sua própria casa. Pra que serve um Xbox comunitário? Pra absolutamente nada a não ser ostentação. Piscinas de bolinha não tornam o escritório sua casa e seus colegas e chefes não são membros da sua família.

E já que começamos falando disso, vamos pro próximo mito, o número 5 de Trabalhe 24 por 7. Assistindo meus outros vídeos falando sobre a profissão dá a impressão que eu estou dizendo que você deve trabalhar todas as horas do seu dia e noite e fins de semana e feriado e não fazer outra coisa além de trabalhar. E pior ainda se você acredita que está fazendo o que ama então você só devia estar trabalhando porque qualquer coisa fora disso são coisas que você não ama.

E não, nunca faça isso. Trabalhar horas extras deve ser reservado pra momentos excepcionais. Esses momentos realmente existem, acidentes de percurso que a gente consegue resolver varando uma noite. Muitas vezes vale a pena. Porém eu sou totalmente contra tornar isso uma rotina. Seja você um funcionário que quer mostrar serviço ou seja você um empreendedor achando que precisa trabalhar o máximo possível pra atingir seus sonhos. Vocês estão errados.

Eu já varei muitas noites por diversos motivos. E até hoje ainda faço isso. Porém na minha cabeça toda vez que eu preciso fazer hora extra ou varar noite só existe um motivo constante: que eu ainda não sou bom o suficiente. Se eu fosse bom, faria 100% de tudo caber nas 8 horas de trabalho. Se eu não consigo fazer isso com certa frequência só quer dizer que eu sou incompetente, e não que eu sou esforçado. Existe uma linha muito clara entre pessoas incompetentes e pessoas esforçadas. Esforço vem junto com inteligência e eficiência.

Varar noite só por varar noite, sem um resultado excepcional em um momento excepcional pra justificar, você só está colaborando pra aumentar a receita da Redbull e dos fabricantes de anti-depressivos. Tempo é dinheiro, e os melhores profissionais, seja você um funcionário, seja você um empreendedor, são aqueles que sabem usar esse recurso escasso da forma mais eficiente possível. Fazer o menos possível pra ter o maior resultado possível, é assim que você precisa estar constantemente pensando.

Uma coisa que eu aprendi assistindo sobre fotografia, não lembro onde foi, foi quando falaram sobre o frame da foto, as bordas. Num mundo ideal, a fotografia poderia enquadrar o máximo do cenário quanto possível. Mas isso é impossível. A melhor fotografia é o que consegue enquadrar o melhor daquele cenário no espaço limitado do frame da foto. Por isso, a melhor parte de toda fotografia é esse frame ou a melhor parte de toda pintura é o quadro. As restrições é que vão expor seu real talento.

Uma das restrições que temos que lidar todos os dias são prazos. Todo mundo odeia prazos, e aqui vemos mais uma das coisas que você nunca vai fazer amando, que é gerenciar prazos. E um desses prazos é o limite de 8 horas de trabalho por dia, 5 dias úteis por semana. Quanto você consegue colocar dentro desse prazo, melhor que os outros?

Uma definição de agilidade que eu venho explicando nos últimos 10 anos é o seguinte. No estilo Go-horse de trabalhar, existem aqueles que resolvem dar um gás, fazer horas extras, trabalhar fim de semana. E no começo você de fato entrega muito mais do que quem está trabalhando só 8 horas por dia. Faça isso só por alguns dias e muito rápido, mesmo trabalhando muitas horas o resultado final é pouco. Pior do que ser pouco, é de baixa qualidade, cheio de bugs. Daí você resolve esticar mais horas ainda, vara noite, fica sem dormir mais 2 ou 3 noites. De repente sua produtividade vai pra zero, ou negativo porque você está constantemente tendo que consertar os bugs que acumularam da última vez que você varou noite. E aquela produtividade mágica que começou em pico no começo, chega no zero em pouco tempo e daí em diante você vai ficar constantemente correndo atrás do próprio rabo e nunca conseguindo avançar.

Ser ágil é ser consistente. Se comparar com o cara fazendo hora extra, no começo o agilista é comparativamente mais devagar. Ele faz um código, faz testes nesse código, só sobe o que funciona e vai fazendo um passo de cada vez, todo dia. Acabou o dia, ele vai pra casa e descansa e começa no dia seguinte, descansado, e continua naquela velocidade que pode ser baixa se comparado a quem está fazendo hora extra todo dia. Porém, ao longo do tempo, enquanto o cara varando noite começa rapidamente a entrar em decadência, entregando só coisas de baixa qualidade, em velocidade cada vez menor, apesar da maior quantidade de horas. Já o agilista continua entregando na mesma velocidade do primeiro dia, e na mesma qualidade. E ele é capaz de manter esse ritmo por semanas ou meses a mais, enquanto o cara que só acelera a toa vai estar quebrado antes disso. Consistência, é a única coisa que interessa, não produtividade máxima na maior quantidade de horas possível.

É assim que nasce o desenvolvedor 10x que eu falei antes: não é que ele faz 10 vezes melhor que todo mundo, é que todo mundo se coloca nessa posição de ser 10 vezes mais ineficiente gastando mais horas e tendo que desistir antes porque chega num ponto onde não consegue mais avançar.

Nunca trabalhe numa rotina de horas extras. Isso não é ser bom, é só demonstrar incapacidade de gerenciar suas próprias horas. Quando eu faço isso, eu não me sinto “o bom”, eu faço quando preciso, mas como consequência de alguma coisa que eu fiz errado antes, e agora esse é o castigo. Especialmente ruim quando eu vejo algum funcionário meu trabalhando horas extras. Se você é um chefe que constantemente vê sua equipe tendo que fazer horas extras, só significa que você é um péssimo chefe.

E chegamos ao fim da parte 1. Recapitulando, não se esqueça que só uma idéia não é uma inovação. Uma idéia é barata, não vale quase nada. Pelo mesmo motivo, não basta só ter um bom produto, se a execução for uma droga, seu produto não vale nada. Pare de procurar programadores ninja, você não quer programadores ninja. Esqueça essas idéia de auto-ajuda de ser seu próprio chefe ou perseguir seus sonhos. E finalmente, trabalhe de maneira eficiente. Quantidade de horas não reflete eficiência, o importante é ser consistente, não mostrar que trabalha muito.

Se ficaram com dúvidas não deixem de mandar nos comentários abaixo, se curtiram o vídeo mandem um joinha, assinem o canal e não deixem de clicar no sininho pra não perder a parte 2 deste episódio. Compartilhem com seus amigos pra ajudar o canal. A gente se vê semana que vem, até mais!

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