[Akitando] #28 - Sua Vida em Anime: KAIJI

2018 November 20, 17:00 h

Disclaimer: esta série de posts são transcripts diretos dos scripts usados em cada video do canal Akitando. O texto tem erros de português mas é porque estou apenas publicando exatamente como foi usado pra gravar o video, perdoem os errinhos.

Obs: YouTube bloqueou este video por copyright do Anime então subi no Odysee

Descrição no Odysee

Por coincidência, depois dos episódios sobre Talento e Matar Semi-Deuses da semana passada, comecei a assistir este anime de 2007: Kaiji.

Fiquei impressionado com a forma como eles montaram uma alegoria que descreve como é a vida real da maioria das pessoas.

Este episódio vai continuar explicando o meu conceito de "prática deliberada" usando a história deste anime como pano de fundo.

Assista no Crunchyroll: https://www.crunchyroll.com/kaiji

Script

Olá pessoal, Fabio Akita

Esta semana vou fazer um vídeo só. O motivo? Este daqui vai ser super longo, mas espero que eu consiga passar minha mensagem. Tenham paciência comigo e vamos lá.

Não era minha intenção falar sobre animes, pelo menos não agora, mas o assunto cruzou com a série sobre Talento que falei semana passada. Se ainda não assistiu clique no link acima. Você já vai entender porque.

Gyakkyou Burai Kaiji: Ultimate Survivor foi ao ar em 2007 e 2008, produzido pelo lendário estúdio MadHouse, então sabemos que a qualidade de animação é excelente e, no melhor estilo MadHouse, é mais dark e adulto do que os animes que a maioria de vocês estão acostumados.

O autor original é Nobuyuki Fukumoto, que escreveu Kaiji em 1996. Antes desse anime também saiu outro que já entrou pra minha lista pra assistir, Touhai Densetsu Akagi que assim como Kaiji é um thriller psicológico, mas de Mahjong, tudo do mesmo autor e do mesmo estúdio.

Kaiji não é um battle manga como Naruto ou Dragonball, mas eu diria que é a mesma adrenalina, a tensão psicológica é definitivamente alta, nenhum capítulo que vi até agora (e eu estou no 18o no momento em que gravei este vídeo) é um filler ou enrolação, e é o tipo que você não se aguenta de esperar pra ver o próximo episódio.

Eu expliquei em detalhes sobre prática deliberada no vídeo anterior, mas uma coisa muito difícil de explicar é como de fato isso funciona. E um dos problemas é que você começa pensando em algo pequeno e isolado. Se começou a academia, você pensa, vou aplicar prática deliberada no cross-fit ou na maratona ou qualquer coisa assim.

Mas prática deliberada é nada mais, nada menos, que disciplina. A boa e velha. E disciplina não é uma coisa que você liga e desliga pra uma atividade. Esse é um dos maiores problemas: eu disse que o importante não é o resultado, é o processo. Processo é o caminho que leva você do ponto A ao ponto B..

E pra piorar a situação, a maioria das pessoas talvez só entenda isso quando tiver chegado perto da metade da vida. Aos 20 anos é impossível ter essa noção de forma clara. O máximo que você vai conseguir, é fazer o que eu fiz: dar um salto de fé.

(...)

No mundo moderno, todo mundo é imediatista, nós evoluímos ao ponto em que podemos nos dar ao luxo de sermos imediatistas, pense nisso. Todo mundo até se compromete a se matar por um curto período de tempo contanto que exista um resultado palpável logo na sequência. Por exemplo, se matar por 1 ano estudando como se não houvesse amanhã, mas sabendo que na sequência o prêmio é passar no vestibular da melhor universidade.

Mas a vida não funciona assim. E embora eu corra o risco de soar como um tiozão dando sermão, considere algumas verdades fundamentais:

  1. a vida não é justa, ela não foi feita pra ser justa. Não há absolutamente nada na fundação da vida que um dia vai garantir igualdade e justiça pra todos. Igualdade e justiça são abstrações da nossa civilização. Veja qualquer ecossistema natural e pergunte ao rato se ele acha justo ser caçado pelo gato, ou o cervo pelo leão. O ciclo da vida é injusto. A natureza é injusta, por isso ela entra em equilíbrio. Equilíbrio não é estático, é um sistema dinâmico, um dia da caça outro do caçador.

  2. a vida é meritocrática, meritocracia não tem como premissa a igualdade. Mérito é pura e simplesmente fazer o melhor com o que você tem. Só isso. Se você tem menos que outro competidor e mesmo assim conseguiu superá-lo, isso é mérito. Não existe mérito automático. Mérito é uma conquista, é o cervo que conseguiu correr um pouco mais rápido que o leão e sobreviveu aquele dia. Ë seleção natural.

  3. as pessoas não reagem como você gostaria que elas reagissem. enfie isso na sua cabeça e você vai ser mais feliz. Você se frustra com as pessoas não porque elas não te entendem, ou porque são burras ou mal caráter, é você que não entende as outras pessoas. Isso se chama "falta de empatia". Você pensa "porque esse infeliz não faz o óbvio que é certo?" ... só que o "óbvio" e o "certo" são conceitos da sua cabeça. Pra outra pessoa "o certo" é outra coisa diferente e, nesse caso, ele está simplesmente agindo segundo o que ele acredita, não o que você acredita. E isso é lógico. Você se frustra porque assume que todo mundo deveria pensar igual. Bem vindo ao conceito de liberdade e livre arbítrio.

Existem outros fatores importantes mas pro vídeo de hoje esses 3 são suficientes. Eu precisaria de vários vídeos explicando em detalhes o porque dessas afirmações serem verdadeiras acima de dúvida razoável e o que fazer em cada uma delas na prática. Provavelmente eu vou fazer isso.

Mas, e aqui eu retorno ao tópico deste vídeo. Kaiji. Em 2 curtos episódios essa série explicou esses pontos de maneira mais simples e mais eficaz do que eu conseguiria em 10 vídeos. Claro, é um anime, é superficial, mas talvez justamente por isso seja tão efetivo.

Kaiji é um sandbox, é basicamente um simulador social. Um experimento social tenta colocar as pessoas num ambiente controlado, remover todas as variáveis externas e deixar as pessoas se comportarem em situações extremas. É quando o melhor e o pior das pessoas vem à tona.

Breaking bad é um dos temas do anime. Kaiji é um jovem de 20 e poucos anos, como muitos de vocês assistindo. Sem um tostão no bolso, gosta de procrastinar, não sabe o que fazer da vida, e fica esperando uma grande chance cair no colo. Todo mundo já fez isso.

Kaiji é uma alegoria ou uma parábola, não é pra levar ao pé da letra. Ela serve de perspectiva pra você. Vai rolar um pouquinho de spoilers a partir de agora mas não se preocupe é só de um trecho da série. Não vai estragar a série toda.

Nesse ponto você precisa saber que por diversos motivos Kaiji se endividou com um grupo tipo Yakuza. Das duas uma, ou ele vai ter que viver como escravo da Yakuza e dar praticamente todo o pouco salário que ganha só pra conseguir pagar os juros da dívida pelos próximos 16 anos ou ele participa de uma série de jogos desse grupo, jogos desenhados pra entreter caras ricos e entediados que querem se divertir.

(clip)

Só que esses jogos são tudo ou nada. Se você ganha, se livra de todas as dívidas e ainda pode sair com algum dinheiro. Se você perde, na pior das hipóteses sai com ainda mais dívida ou, na melhor das hipóteses, você morre.

Nesse jogo estão diversos outros caras endividados. No começo eles se simpatizam até porque estão todos no mesmo barco. Mas quando a coisa realmente aperta, no final cada um pensa por si só.

(clip)

Cada etapa desses jogos são decisões de moral, o que eu faço? Morro ou mato? Todo mundo em algum momento se sente numa situação dessas. Todo mundo se acha o bastião da moral e dos bons costumes, menos quando está ele mesmo numa situação ruim, daí o que as pessoas fazem? Acham justificativas. Todo discurso bonitinho de moral cai por terra na primeira dificuldade, por isso eu tenho zero paciência pra quem gosta de cagar regra de moralidade. Nenhum de nós jamais vai ser 100% moralmente perfeito. Julgar os outros pela moral é perda de tempo.

E nessa série, assim como na vida real, quando você acha que venceu a batalha, descobre que a guerra é muito maior. Você acabou de fazer o que achou que deveria, inclusive traindo sua moral. "Foi por um bem maior" você pensa, e vem o balde de água fria, com um desafio ainda pior.

(clip)

Eu comecei a ver essa série porque um dos tops da Crunchyroll agora é o Mr Tonegawa que é um spin off do Kaiji. E o tal Mr Tonegawa aparece aqui também e o cara é sensacional, agora entendi porque ele tem uma série só dele. Eu gosto de pensar que eu tenho um Tonegawa na minha cabeça me dizendo mais ou menos as mesmas coisas. Durante muitos momentos da minha vida eu fui como um Kaiji e tendo um Tonegawa martelando dentro da minha cabeça sempre me ajudou. Vamos ver:

(clip tonegawa)

Eu não sei como funciona pra todo mundo porque eu só conheço dentro da minha cabeça. Mas eu me identifiquei muito. De qualquer forma, de volta ao jogo, nesse cenário de atravessar caminhando na barra entre os dois prédios, você poderia pensar: porque eles só não agarram na barra e vão se arrastando então? Ah esse autor pensou em tudo.

(clip eletrico)

Também me identifiquei com isso porque eu tenho a mania de colocar obstáculos que nem existem só pra ver se eu consigo superar. E são coisas pequenas, às vezes eu me coloco um prazo absurdo. Ou me forço a fazer coisas que nem precisaria, tipo agora, fazer 2 vídeos por semana. É meu Tonegawa eletrificando minha ponte antes de eu caminhar.

Todo mundo deveria ter um Tonegawa. Pra ocasiões onde ficamos empacados:

(clip esperando)

Se ainda não passaram por isso, vocês vão passar, aquele momento em que ou vai ou racha, que não tem mais volta. Você tenta de tudo pra ter pensamento positivo, se animar, "acreditar" que é possível.

(clip acreditar)

Mesmo frente à uma situação quase impossível, você vai encontrar alguém que vai te dizer que é possível. Interessante como um monte de gente que nunca atravessou a ponte de verdade consegue dizer pros outros que vai conseguir. Nunca entendi esses coaches modernos.

Eu dei muita risada ne sse clip porque pareceu um desses coaches, vendedor de metodologia, eu sempre vejo eles dessa forma:

(clip metodologia)

E da mesma forma como quando eu vejo um vendedor de metodologia, coach, guru, especialista, empreendedor serial ... o Tonegawa na minha cabeça pensa a mesma coisa:

(clip tonegawa)

Eu falo com um certo desdém de todos esses títulos pomposos mas na realidade eu não acho que eles estão querendo de fato enganar ninguém, eles estão até sendo sinceros. Como o Kaiji. Mas são ingênuos, porque a realidade é muito pior do que se imagina, como disse Tonegawa, eles vão durar os primeiros 5 metros. E todo coach que se preza fica com as pessoas só durante os primeiros 5 metros da ponte. E vamos ver um empreendedor de primeira viagem querendo atravessar a ponte, agora que ele aprendeu a metodologia.

(clip entrando na ponte)

Todo workshop, evento, meetup, é igual o que acabamos de ver o Kaiji dizer, mas poucos chegam nessa conclusão a tempo e mesmo quando entendem isso, continuam como um bando de Lemmings. Mas dê um pouco de tempo e a realidade bate na sua porta, brutalmente e imediatamente como um demônio. De novo, Tonegawa já sabia disso:

(clip tonegawa)

Quando eu disse no vídeo anterior que é muito difícil só ir aprendendo enquanto você vai fazendo, tipo, acabei de sair da faculdade, não tenho idéia do que estou fazendo mas vou abrir uma empresa, uma startup, vou aprendendo enquanto vou fazendo. Você vai em eventos, vê grupos empolgados como o Kaiji acima, risca seu tênis pra alinhar na ponte, segue a metodologia, mas na hora H é assim que você vai se sentir:

(clip dando pra trás)

Finalmente, a maioria nunca realmente treinou pra isso. É na hora H na zona de pânico de Noel Tichy, que você vai arriscar tudo. É uma aposta, um jogo de cassino. Se você não tiver estrutura pra aguentar, você vai ceder.

(clip oota)

Pra cada uma história de sucesso precoce que você vê publicado num Techcrunch ou Buzzfeed existem dezenas de caras como Ootas que não geram notícia nenhuma, que no começo acharam que poderiam ir até o fim, mas foram derrotados e esquecidos pela realidade.

E aí, você vê outros iguais a você falhando, fracassando, caindo, e você entra em desespero. E é pior ainda se tentar voltar atrás.

(clip voltando atrás)

E agora?

No cenário desse jogo, existe o Tonegawa que representa um grupo de mafiosos Yakuza, e vários ricos que estão assistindo a isso enquanto jantam e bebem, apostando em quem vai ganhar e nem aí pra quem vai perder.

Eu sei que é uma metáfora extrema, mas pensem neles como seus investidores, venture capitalists, fundos de investimento. O que você acha que eles vão fazer se você falhar? Cair com você?

E como Tonegawa disso, 200 mil dólares é muito dinheiro. E você acha que soltando fogos de artifício de segunda categoria e clamando frases de efeito, vai fazer jus a esse investimento? Se cair, você cai sozinho.

E se você já se comprometeu até o pescoço, e no meio da travessia descobre que não tem peito suficiente pra continuar, que opções você tem?

(clip pede pra desistir)

Pior ainda, sabe o que começa a acontecer na maioria dos grupos de amadores que se juntam só com frases de efeito e palavras bonitas mas que tem pouca ação?

(clip todo mundo caindo)

Como eu disse, o caminho pra grandeza é solitário. Por mais que seria bacana se fosse possível que todos andássemos juntos e ritmados pro mesmo lugar, a realidade é que cada um trilha seu caminho.

(clip solidao)

Cada um trilha seu caminho. O caminho pra cima é solitário, o caminho do empreendedor - e quando eu digo empreendedor não quer dizer só quem abre empresa, é qualquer um que decide empreender qualquer coisa, incluindo você mesmo. Esse caminho é o mais solitário de todos.

Mas voltando pra realidade. Essa alegoria é terrivelmente cruel. É cruel mas é uma boa ilustração do que os espera no mundo real.

Se você conseguiram se engajar na história do Kaiji, talvez se sintam tensos agora, estejam torcendo pra que eles consigam atravessar, talvez estejam com raiva do Tonegawa por ser tão frio.

Mas não se esqueçam de uma realidade: o Tonegawa e esse grupo não forçou ninguém a estar nessa situação. Os jogadores se colocaram nessa situação sozinhos. Na verdade, esse jogo é uma benção pra eles. Lembram do que o Tonegawa disse? Todas as más decisões que eles tomaram na vida os levou até aquele ponto. Vítimas da sociedade? Não, isso é só uma desculpa.

Mesmo que não seja verdade, encare dessa forma: onde você está nesse exato momento é o resultado de todas as decisões que você tomou até agora. Só porque você não consegue imaginar outros caminhos alternativos, não quer dizer que eles não existem. Onde eu estou neste momento é o resultado de todas as boas e de todas as más decisões que eu tomei, sozinho. Se eu tenho problemas, não é culpa de ninguém a não ser de mim mesmo, e o mesmo vale pra todos vocês.

A vida real é injusta. Ela não foi feita pra ser justa. Alguns começaram com muito mais vantagens que nós; e muitos deles, mesmo com todas as vantagens também estão atravessando a ponte como nós. Não importa o que você tem se não consegue tomar as decisões que precisa, no momento que precisa.

Sua vida é o conjunto de todas as suas decisões. Livre arbítrio tem essa desvantagem: se tudo der errado, a culpa é sua, e só sua. Não importa quantos tweets mal criados você poste apontando dedos pra todo mundo.

Mas a vantagem do livre arbítrio é que nunca é tarde. O Tonegawa não é o vilão da história. E é essa uma das coisas que eu mais gostei dessa série até agora. O vilão da história são as más decisões dos protagonistas. O Tonegawa representa a consciência que você deveria tentar ouvir. Ele diz só a verdade. A verdade cruel que nós não queremos ouvir.

Eu também sinto dó de mim mesmo algumas vezes. Quando eu explico coisas como no vídeo anterior, fica parecendo que eu fiz o caminho certinho, passo a passo sem errar nada. É o contrário, eu só sei que aquele funciona porque eu tentei outros que não funcionam como o Kaiji. Eu também atravessei aquela ponte. Eu vi com meus próprios olhos as pessoas caindo dela. E eu me vi no mesmo desespero quase caindo também. E não quer dizer que eu não vou ter que subir nessa ponte de novo. E acredite, você nunca está preparado o suficiente.

No vídeo anterior eu disse o seguinte: "Os melhores fixam objetivos que não são sobre o resultado mas sobre o processo de chegar no resultado." Pois bem, eu não quis dizer o processo só de uma atividade isolada como programar ou fazer academia. Sua vida inteira é um processo em andamento.

O objetivo? Chegar no dia da sua morte sabendo que você não deixou de fazer o que deveria ter feito, seja lá o que isso for.

Ufa, esse episódio ficou dark né? A realidade não é sempre colorida, mas é melhor entender isso antes do que depois. Você já teve que atravessar essa ponte? Como foi pra você? Compartilhe com a gente nos comentários abaixo, se curtiram mandem um joinha, assinem o canal e clique no sininho. A gente se vê, até mais!

tags: kaiji tonegawa mad house anime prática deliberada vida real empreendedorismo startup akitando

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