[Akitando] #26 - Talento: Matando Semi-Deuses (Parte 1)

2018 November 13, 17:00 h

Disclaimer: esta série de posts são transcripts diretos dos scripts usados em cada video do canal Akitando. O texto tem erros de português mas é porque estou apenas publicando exatamente como foi usado pra gravar o video, perdoem os errinhos.

Descrição no YouTube

Finalmente vou começar a estruturar um pouco minha idéia sobre "Aprendendo a Aprender" que eu venho soltando nos vídeos anteriores. Esta semana vou contar algumas histórias e matar alguns conceitos que vocês talvez ainda tenham.

Antes de começar, você precisa esvaziar seu copo, e a única forma de fazer isso é quebrar algumas coisas que você acreditava que eram verdade até agora, e só então construir em cima disso.

Muitos acreditam na noção de talento natural, alguém que já nasce com o tal "dom" ou "gênio". Neste video quero responder uma pergunta: e se Einstein ou Darwin não tivessem existido? Teríamos ficado sem a Teoria da Relatividade e a Teoria da Evolução??

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Script

Olá Pessoal, Fabio Akita

Se você ainda não viu meus vídeos sobre faculdade e linguagens veja a playlist linkada acima e nas descrições.

Um tema que eu repito constantemente é que você aprenda a aprender. Bom, todo vídeo que fala sobre carreira fala algum clichê desse tipo: O importante é se esforçar. O importante é nunca parar. O importante é estudar isso ou estudar aquilo. O importante é a disciplina. Fuck that. Eu sei disso, você sabe disso, que diferença isso faz? Qual é a chave de verdade?

Se não ficou claro ainda, todos os meus vídeos mostram pequenos aspectos disso na prática. Daqui algum tempo vocês vão poder ver todos os meus vídeos em sequência e vão ver que eles vão se encaixando.

Mas hoje quero fazer uma pausa e contar uma história diferente.

No ano passado em 2017 eu fiquei numa discussão com o povo do escritório acerca de talento. É uma coisa que me irrita pessoalmente. Neymar, Mozart, Einstein, pense em grandes nomes do esporte, das ciências, da música, ou qualquer coisa produtiva. Você sempre vai encontrar nomes absurdamente fora dos padrões, muitos elevados ao status de semi-deus.

São nomes inalcançáveis. Se você assistir um filme biótipo ou qualquer documentário ou mesmo biografias, vai parecer que você está lendo sobre alguém que sequer poderia ser um Homo Sapiens, um Hiper Sapiens??

Eu tenho um sério problema com esse conceito. Pessoalmente eu não acredito em talentos naturais. Esse vai ser o tema do próximo vídeo

O outro ponto que muita gente levanta principalmente nas discussões políticas sobre pró ou contra aborto - que aliás, pros propósitos deste canal, não me interessa muito pra que lado você pende nessa discussão, me interessa a implicação: imagina se um Einstein não tivesse nascido. Ou se um Darwin não tivesse nascido. Você certamente já pensou isso ou ouviu isso. E se eu te disser que se Einstein ou Darwin não tivessem existido, ainda assim teríamos a mesma Teoria Geral e Especial da Relatividade e a Teoria de todas as Teorias, a Teoria da Evolução das Espécies via Seleção Natural?

(...)

Este episódio é sobre o livro do físico Roger Schlafly intitulado "How Einstein Ruined Physics" ou "Como Einstein arruinou a física". Citando o artigo de Mark Green de 2012 para o site Sott.net. Vamos lá.

Einstein é considerado o maior gênio do mundo por ter criado a teoria da relatividade. O livro de Schlafly explica sobre a relatividade, como ela foi descoberta e como ela se encaixa na longa história de tentar entender movimento e simetria. O livro mostra que o papel de Einstein é terrivelmente mal interpretada.

Ele é famoso por ter unificado o espaço e o tempo na teoria da relatividade, e por ter revolucionado a ciência somente com puro pensamento. De fato, seu famoso paper de relatividade meramente postulou o que havia sido previamento provado, e ele mesmo nem entendia porque espaço e tempo estavam sendo unificados.

Milhões acreditam que Albert Einstein foi o maior cientista que já viveu. Obviamente soa uma enorme redundância dizer isso, certo?

O que tornou Einstein tão grande? A história é mais ou menos assim: Albert Einstein, um jovem funcionário de um escritório suíço de patentes, sozinho transformou a física de uma ciência tridimensional estática para um incrível universo de espaço-tempo quadridimensional através de brilhantes e solitários experimentos de pensamento envolvendo gravidade, movimento, espaço e tempo. Einstein também fez incursões no entendimento da natureza da luz e energia e foi o primeiro a compreender a equivalência entre energia e massa. As descobertas de Einstein não só transformaram a física moderna mas nossa visão de como vemos o universo.

Schlafly discorda. "É tudo um mito. Einstein não inventou a relatividade ou a maioria das coisas que lhe dão crédito". Wow!

Relatividade é a culminação de uma procura antiga para entender o movimento da Terra. A história nos leva da Grécia antiga como Aristóteles, através de debates medievais sobre Copérnico e Galileo, até a procura recente por matéria negra e energia.

Schlafly faz uma revisão impressionante de contribuições que foram meio esquecidas de físicos notáveis e matemáticos. Uma pequena lista de grandes figuras incluem o matemático francês e prêmio Nobel Henri Poincare (que o filósofo britânico Bertrand Russell chamou do maior homem que a França já produziu), o pioneiro físico holandês e prêmio Nobel, Hendrik A. Lorentz, e o físico e matemático escocês James Clerk Maxwell. De acordo com Schlafly, Maxwell foi o primeiro a cunhar o termo "relatividade" e criou a primeira verdadeira teoria relativista de massa e energia. Maxwell escreveu o massivo 2 volumes Treatise on Electricity and Electro Magnetism em 1873, que na opinião de Schlafly gerou "as mais importantes equações da história da ciência".

O tratado subsequente de Poincare sobre relatividade dá os teoremas que foram "matematicamente idênticos ao de Einstein", diz Schlafly, e a maioria do trabalho de Poincare precede Einstein. Lorentz e Poincare tiveram todos os maiores aspectos da teoria da relatividade, e publicaram antes de Einstein", ele diz.

E mesmo assim esses monstros da ciência foram quase totalmente esquecidos enquanto a reputação de Einstein atingiu status de semi-deus, por que?

E=MC2

Como um jovem, Albert Einstein não somente viveu num tempo de explosivo crescimento na ciência de física teórica, mas seu trabalho como um físico em um escritório de patente suíço lhe deu acesso único às emergentes descobertas científicas. Durante esse tempo, Einstein aprendeu sobre o que constitui direito de propriedade intelectual. A famosa equação de Einstein E=MC2, por exemplo, na realidade foi publicado por Olin to de Pretto, um obscuro jornal italiano 2 anos antes de Einstein. Mas Einstein vai dizer que ele pensou na equação independentemente. Mas Poincare também publicou sua equação antes de Einstein.

De fato, Schlafly argumenta que Einstein pegou emprestado muitas idéias de outros e clamou para si, incluindo o postulado que a velocidade da luz é constante e também a relatividade especial, a idéia que energia e massa são intercambiáveis. "O entendimento de Einstein sobre relatividade especial .. era inferior à de Poincare". Em cada ponto essencial da relatividade especial, Poincare publicou a mesma idéia anos antes, e de forma melhor.

Claro que ele está brincando, certo? Não, Isso Não é piada.

A timeline das descobertas que antecedem o paper de 1905 de Einstein sobre relatividade especial, no mínimo, é ampla evidência do progresso durante essa era. Isso pode explicar porque Einstein nunca recebeu um prêmio Nobel pelo seu trabalho em relatividade, já que ele nem cunhou o termo e nem fez avanços no conceito. De fato Lorentz recebeu o Nobel por seu trabalho em relatividade 3 anos antes. Não foi até 1921 que Einstein ganhou o Nobel, e foi primariamente por suas contribuições no entendimento do efeito fotoelétrico.

O conceito de movimento e tempo sendo uma "quarta dimensão" precedeu Einstein por pelo menos uma década, H. G. Wells especulou o conceito no seu romance de 1894 The Time Machine. Nesse mesmo ano Lorentz escreveu um paper cientítico onde "ele propôs o conceito de tempo local num objeto em movimento". Poincare escreveu um tratado em 1898 e 1900 explorando o relacionamento entre movimento e tempo.

Uma popular bolha de desentendimento é que a equivalência de massa-energia expressa na famosa equação E=MC2. O relacionamento da equação com o projeto Manhatan na segunda grande guerra é um exemplo desse desentendimento.

E=MC2 não é sequer necessário para a bomba atômica. Ela não dá nenhuma pista em como dividir o átomo, ou como criar um reação nuclear em cadeia, ou qualquer dos passos necessários para fazer a bomba atômica. Relatividade não é sequer necessário para entender a liberação de energia numa bomba de urânio ou plutônio, já que essa liberação pode ser amplamente explicada por considerações eletromagnéticas. Previsões sobre massa relativistica estavam sendo testadas pelo alemão Walter Kaufmann em 1901, antes de Einstein escrever qualquer coisa a respeito.

Ufa, essa história é bizarra, certo? Leiam o livro de Schlafly para a história completa e todas as evidências. O principal: claro que Einstein era muito inteligente. Qualquer um menos equipado jamais teria entendido os trabalhos que Schlafly diz que ele pegou emprestado. Mas, isso tira muito da mitologia sobre Einstein e o trás de volta pra Terra.

Pra finalizar, vou contar outra história um pouco mais curta.

Em maio de 1831 Robert FitzRoy tinha acabado de perder ume eleição. Ele tinha esperança de um novo posto para organizar um projeto missionário à Tierra del Fuego. Em junho de 1831 ele conseguiu ser re apontado como comandante do Beagle.

Ele estava ciente do stress da solidão do comando. Ele conhecia as histórias do suicídio do Capitão Stokes e de seu tio Viconde Castlereagh, que cortou o próprio pescoço em 1822. Fitzroy falou com seu amigo Francis Beaufort, hidrógrafo pedindo para encontrar algum cavalheiro para companhá-lo na viagem. Essa companhia deveria compartilhar do mesmo gosto científico e usar a oportunidade da viagem para pesquisar história natural. Mas alguns que o Beaufort tentou recrutar recusaram, incluindo o professor J. S. Henslow da Universidade de Cambridge.

A jornada do Beagle duraria 5 anos e iria vasculhar as costas da América do Sul, eventualmente até pararia no Brasil, na Bahia, por exemplo. Beaufort conseguiu encontrar um estudante jovem, de 22 anos, que ainda estava planejando uma carreira como clérigo. FitzRoy eventualmente aprovou esse jovem Charles Darwin pra posição.

FitzRoy e Darwin ficariam nessa jornada até 1836. Essa viagem e as inúmeras pesquisas que ele faria culminariam num trabalho de uma vida inteira depois da volta. O talvez mais importante livro de todos os tempos On The Origin of Species só seria publicado 23 anos depois, em 1859.

E como diria o dito popular: o resto é história.

Ou não?

Não há dúvidas que Darwin chegou à sua conclusão de forma independente, tendo ficado 20 anos escrevendo em privacidade. Mas em paralelo a isso, também de forma independente, outro pesquisador contemporâneo estava chegando às mesmas conclusões. Este é Alfred Russel Wallace, que chegou a enviar cartas a Darwin, datadas de 10 de outubro de 1856, que incluem o artigo “On the Law which has regulated the Introduction of New Species” ou “Sobre a Lei que regulou a introdução de Novas Espécies”.

Isso causou uma crise de consciência em Darwin e o incentivou a acelerar a publicação das suas próprias pesquisas. Calma, nesse caso ninguém roubou a idéia de ninguém. E na prática a versão de Darwin estava bem mais avançada. O próprio Wallace disse que sente que Darwin merece o crédito que recebeu.

Na história recente, graças ao massivo acesso a informação - seja de boa ou má qualidade das redes sociais por exemplo - vocês vêem mais discussões acaloradas a respeito. Steve Jobs vs Steve Wozniak. Thomas Edison vs Nikola Tesla. Bill Gates e Paul Allen.

Quem é o verdadeiro gênio?

Eu gosto de grandes estórias tanto quanto qualquer um. Mas eu encaro tudo como estórias. Toda estória enaltece um personagem protagonista. Documentários também são estórias.. A História formal deve ser desprovida de julgamento e relatar fatos, mas documentários e biografias contam uma estória, um folclore, uma semi-ficção, a visão pessoal do autor do documentário ou do autor da biografia.

Lembre-se disso: uma biografia não é um relato factual, um livro de 400 páginas raramente vai ser suficiente pra relatar todas as nuances de 60 anos ou mais da vida de alguém. Eu escrevi mais de 2000 páginas sobre mim mesmo, e eu não sou ninguém, e mesmo se escrevesse mais 10000 páginas, não seria suficiente. Biografias e documentários escolhem meia dúzia de eventos e amarram num folclore, é muito simplista.

O problema disso, ao longo de décadas contando e recontando a mesma história, e reduzindo tudo em resenhas, um parágrafo aqui e ali, referências em filmes e cultura popular, e acabamos criando mitos e semi-deuses. Já diria Joseph Goebbels: “se você contar uma mentira grande o suficiente e continuar repetindo ela, as pessoas eventualmente vão começar a acreditar nela.”

Steve Jobs é nosso contemporâneo e ele já tem status de semi-deus. Resultados impressionantes? Inegável. Mas ele foi um homem do nosso tempo, longe de um semi-deus.

Meu ponto é que a história real normalmente é bem menos glamurosa.

De Einstein, ou Darwin não tivessem existido? Ainda tínhamos Poincare, Lorentz, Wallace e outros contemporâneos que não estavam num lugar certo na hora certa. Conhecimento não é algo que nasce espontaneamente, magicamente, na cabeça de um único indivíduo. Normalmente é a consolidação de décadas ou séculos de pesquisas independentes feitas por centenas ou milhares de pessoas ao longo da história. Alguém eventualmente consegue condensar esses trabalho num momento Eureka e isso cria a ruptura pra uma nova era. Se não fosse Darwin, seria Wallace, ou outra pessoa completamente diferente, em outro lugar, em outro ano, mas é impossível parar o conhecimento.

Inovação nunca é o resultado do trabalho de somente uma pessoa isolada numa caverna. Inovação, genialidade, talento, são apenas momentos numa história ininterrupta da humanidade que resolvemos apontar um nome e uma data para representar um momento de ruptura para uma nova era.

O status de semi-deus não é inatingível. Algumas vezes é uma questão de serendípede. Algumas vezes é uma questão de trabalho árduo e no próximo episódio vou definir o que esse trabalho árduo realmente significa através de um livro do pesquisador Geoff Colvin que, aliás, deixa uma frase que sumariza este episódio, de seu livro Humans are Underrated: “O tipo certo de narrativa dita por uma pessoa é mais poderosa que a lógica”

O que acharam desse episódio? Vocês já tinham esse ponto de vista? Não deixem de mandar seus comentários abaixo, se gostaram desse vídeo mandem um joinha, assinem o canal e cliquem no sininho. A gente se vê, até mais!

tags: einstein darwin relatividade evolução seleção natural física poincare lorentz wallace akitando

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