[Akitando] #21 - Entendendo Blockchain em São Francisco

2018 October 25, 17:00 h

Disclaimer: esta série de posts são transcripts diretos dos scripts usados em cada video do canal Akitando. O texto tem erros de português mas é porque estou apenas publicando exatamente como foi usado pra gravar o video, perdoem os errinhos.

Descrição no YouTube

Finalmente, para finalizar minha "Peregrinação Blockchain" pelo mundo, eu termino em São Francisco. Participei do evento Epicenter do SF Blockchain Week nos dias 8 e 9 de Outubro de 2018.

Neste episódio, além de descrever a situação atual dos Estados Unidos do ponto de vista de investidores ocidentais e orientais, vou explicar conceitos que NINGUÉM explica da forma certa em nenhum canal do Brasil. Os evangelistas brasileiros precisam aumentar o nível.

Esqueça canal de YouTuber financista, não sabem o que estão dizendo. Vamos aumentar o nível dessa conversa neste canal.

Neste episódio vamos falar de alguns dos problemas da discussão de Proof of Work e Proof of Stake e inclusive mencionar outras formas de consenso como Proof of Space-Time.

Vamos entender o que são secure enclaves, zero knowledge proofs, porque isso é importante.

Vamos também conhecer quem são as pessoas importantes que você deveria seguir (dica: nenhuma do Brasil) como Michael Arrington, Ella Zhang, Chengpeng Zhao, Vincent Zhao, Alex Shin e muitos outros, prestem atenção.

No final deste vídeo quero compartilhar com vocês minha enorme frustração com quem está representando o mercado de criptomoedas no Brasil: não temos ninguém aqui que tem uma fração da visão dos gigantes que eu vim conhecendo da Ásia, Europa e Estados Unidos.

Compartilhem este vídeo com todo mundo que você conhece que está interessado nesse mundo de blockchains e criptomoedas. Já passou da hora de alguém começar a separar o joio do trigo aqui no Brasil.

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Script

Olá pessoal, Fabio Akita

Terça falei de Malta, hoje é dia de São Francisco. Esta é a última parte da minha peregrinação blockchain. Em vez de quebrar em muitos episódios, preferi colocar tudo num único vídeo pra facilitar quem está interessado. Peço um pouco de paciência porque este vídeo vai ser mais longo que o normal.

(...)

Originalmente eu estava planejando ir só pra Malta e até ia descansar um dia em Roma voltando a tempo pro Brasil Game Show semana retrasada. Mas aí fiquei sabendo que iria ter o Blockchain Week em São Francisco então mudei o itinerário em cima da hora e aí virou uma zona. A viagem de Malta pra São Francisco foi terrível. Era pra ser um simples vôo de Malta pra Roma, de Roma pra Dallas e dali pra São Francisco. O Vôo de Roma pra Dallas atrasou, me ofereceram pra Londres e dali direto pra São Francisco. Daí esse vôo atrasou, tive que ir pra Chicago e de lá pra São Francisco. Daí esse vôo também atrasou e eu tive que passar a noite em Chicago. No total levou mais tempo do que ir do Brasil pra Coréia do Sul.

O Blockchain Week foi uma semana inteira de vários eventos. Eu participei de apenas um deles, o San Francisco Blockchain Week Epicenter, mas antes teve o ETH San Francisco e na sequência teve o CESC que foi o Crypto Economics Security Conference, e ao redor deles diversas empresas fizeram meetups próprios, empresas como a Ultrain, ICON, ou Shyft.

Eu só posso falar do Epicenter. E mesmo o Epicenter foi um evento dividido em 5 trilhas paralelas. Eu fiquei no Main stage que era o auditório maior e com os nomes mais pesos pesados, mas teve em paralelo a trilha Titans of Tech e Building Blocks que me pareceu mais voltado à apresentação das empresas patrocinadoras e painéis com investidores. E ainda teve 2 trilhas mais de workshop técnico chamado Blockchain Academy que era hands on nas diversas soluções que os patrocinadores estavam apresentando.

Pelo que foi explicado, o evento aconteceu ano passado também, e teve cerca de 300 pessoas. Por causa do boom do fim do ano passado o interesse cresceu muito, este ano parece que chegou a ter quase 2000 inscritos.

Um grande contraste com todos os outros eventos de blockchain, em Seoul, em Malta, e mesmo os do Brasil, o de San Francisco tinha um peso muito maior de programadores e produtos centrados em tecnologia. Só o fato de ter 2 trilhas inteiras de workshops técnicos já diz muito de porque Silicon Valley ainda é Silicon Valley.

Infelizmente foi impossível assistir todas as apresentações, então vou compilar as principais idéias que eu ouvi.

Assisti só 2 palestras na trilha de Titans of Tech. Uma empresa que eu ficaria de olho é a chinesa SV Insight. Eles fizeram uma pesquisa sobre o mercado global de criptomoedas, aplicações de blockchain em diversas indústrias e ICOs. Eles disseram que iam liberar o whitepaper completo dia 15 de Outubro que já passou, até o momento onde gravei este episódio ainda não achei pra baixar. Não ajuda muito que o site deles é em chinês, se alguém encontrar o report, não deixe de mandar nos comentários.

Um exemplo do problema do mercado geral de tech startups usando blockchains foi a sessão sobre TCR ou Token Curated Registries. Na prática imagine qualquer registro editado publicamente como Wikis ou mesmo listas de recomendação como Yelps ou similares. No caso a idéia vem de listas de ICOs que publicam endereços de wallets para enviar tokens para participar desses ICOs, uma lista editável podia ficar à mercê de agentes maliciosos colocando endereços falsos induzir as pessoas ao erro e roubar os tokens. Em vez de correr esse tipo de risco tiveram a idéia de inventar um registro público onde a edição é baseada em stake. Ou seja, se você quer editar uma informação você coloca seus tokens como garantia, se sua informação for votada como falsa, você perde seus tokens. Ë como o Proof of Stake para votos que muitos blockchains tem perseguido mas no caso para editar registros públicos. O painel teve representantes de duas startups a Dirt Protocol e a Messari. Ambos estão ainda em desenvolvimento, a Messari está em fase de protótipo. Ou seja, ainda não existem de verdade. E muito da falta de credibilidade do mundo de ICOs é justamente esse: muitas promessas mas muito pouco pra realmente se ver.

Do painel um insight que eu já ouvi antes: o maior problema desse tipo de solução é como conseguir adoção em massa? Um dos maiores problemas é a falta de usabilidade para uma pessoa comum. Já é difícil pra uma pessoa não técnica entender a idéia de custodiar suas chaves privadas. Mais difícil ainda fazer essas pessoas instalarem plugins como Metamask em seus navegadores para conseguir usar Dapps como esses baseados em TCR. Usabilidade é um dos problemas mais graves pra adoção em massa e a razão de porque exchanges centralizadas e custodiantes em forma de wallets centralizadas meio como uma Coinbase ainda vão fazer sentido e porque soluções como Exchanges Descentralizadas, as chamadas DEX, ainda tem um longo caminho a perseguir.

As sessões na Main Stage foram estruturadas na maioria como Fireside chats, basicamente painéis moderados com vários nomes e empresas conhecidas como John Burbank da Passport Capital, Jeff Schumacher da BCG Digital Ventures, Michael Arrington da XRP Capital e assim por diante. Não vou descrever um a um mas no geral os temas eram os mesmos que já ouvi em outras conferências.

Esses temas giram em torno das regulamentações, security tokens e tokenização de assets, blockchain sendo usados como balas de prata onde não precisa, governança das blockchain públicas e os problemas de credibilidade e adoção em massa.

Investidores como Michael Arrington deixam muito claro que odeiam regulamentações, em particular porque nos Estados Unidos a SEC classifica todo token como uma security e isso dificulta todo o ecossistema. O Arrington disse em alto e bom som: Fuck the SEC. Se não me engano foi Naval Ravikant da Angellist que explicou isso melhor. Ano passado as criptomoedas quase conseguiram quebrar a barreira pra se tornar mainstream, pagamentos quase aconteceram, Wall Street quase entrou. Mas o bull run rápido demais foi péssimo. A febre incentivou ICOs ruins que falharam e queimaram o dinheiro de muito investidor.

O objetivo era correto, mas como tudo aconteceu rápido demais, o mercado caiu em busca de correção e todo mundo entrou em modo de defesa. China baniu ICOs. Coréia do Sul não chegou a banir as ICOs porque tem tanto investidor que mais de 200 mil fizeram um abaixo assinado ao governo para não banir, mas eles mantiveram uma recomendação para desencorajar ICOs. Japão também baniu ICOs e os Estados Unidos classificaram quase tudo como security, ficando à mercê da SEC.

Initial Coin Offerings tem como objetivo baixar a barreira de entrada para investidores individuais. Eu falei isso em outro episódio mas em Initial Public Offerings ou IPOs o investidor de varejo, as pessoas comuns, só tem a oportunidade de entrar depois que todos os grandes VCs e fundos de investimentos já fizeram a compra inicial mais barata e estão protegidos. Com ICOs qualquer um poderia entrar no começo. Mas com todas as incertezas regulatórias, nenhum ICO pode mais arriscar lançar em público, então a única outra saída é fazer lançamento privado, entre quatro paredes, somente para os grandes investidores, então os ICOs acabaram indo pelo mesmo caminho das IPOs e o investidor comum novamente ficou sem acesso. Esse é o resultado de regulamentação restritiva, as pessoas comuns são “protegidas” tanto de perder dinheiro quanto de ficar mais rico.

A idéia dos blockchains é que qualquer um pudesse ser um nó na rede e minerar via proof of work. Mas tanto Bitcoin como Ethereum acabaram crescendo rápido demais e a dificuldade de mineração por PoW centralizou o controle da mineração na mão de poucos pools que usam hardware caro e não acessíveis, que você compra de empresas como Bitmain. Então um usuário em casa não tem mais a possibilidade de participar do processo de mineração. Substituir proof of work por proof of stake significa que em vez de hardware específico você precisa colocar seus tokens em stake pra participar da votação da mineração, mas se esses coins não podem ser adquiridos por qualquer um e só podem ser obtidos por private sales, significa que nesse caso também vai haver centralização de quem teve possibilidade de adquirir muitos tokens na fase de pré-venda fechada.

Além desse problema da quebra da descentralização ainda tem o problema da credibilidade. Como eu expliquei nos episódios de Seoul, lá eles criaram uma estrutura informal conhecida como Syndicates. A forma de levar os tokens pras mãos das pessoas é via listing, ou listagem desses tokens nas principais exchanges como Bithumb ou Binance. Todo mundo quer ser listado. Mas pra isso você precisa passar pelos syndicates. Um dos painéis mais interessantes foi de novo com Michael Arrington fazendo perguntas à Jack Lee da HCM Capital, Alex Shin da Hashed, Shinhae Lee da GBIC, David Lee da Refactor Capital. Era um painel de investidores do Ocidente vs investidores do Oriente. E o Arrington, como sempre sem travas na língua, levantou de cara essa questão: nós sabemos que existe essa estrutura, quanto vocês cobram pros ICOs listarem seus tokens? E de fato, o fee pode ir de 500 mil ou 1 milhão de dólares, e os syndicates chamam isso de budget de marketing (!!) Na prática, pra você conseguir listar sua startup numa Nasdaq também não vai sair nem um pouco barato. Achei engraçado porque nesse mercado existem várias estruturas desse tipo que todo mundo sabe que existe mas ninguém comenta oficialmente. É como uma máfia mesmo.

Também achei interessante o Alex da Hashed dizer que eles são uma crypto fund que investe em cerca de 65 startups mas somente 5 são da Coréia do Sul e dessas umas 3 são de amigos de faculdade dos fundadores. Faz você pensar sobre como os asiáticos estão investindo, onde estão investindo.

Nessa discussão também soltaram que por causa das pressões governamentais muitas empresas saíram da Coréia pra outros países como Singapura. Mas eles não recomendam Cingapura a menos que você seja asiático, não é um lugar fácil para abrir empresa, você só vai pra lá se não tem outra opção. Novamente, a falta de regulamentação clara tem causado várias empresas a peregrinarem de país em país, como eu disse no episódio anterior com a Binance relocando pra Malta onde as leis ficaram mais flexíveis. E isso porque na Coréia do Sul ganhos em cripto não são taxados.

Em paralelo, em outro painel tivemos Ella Zhang co-fundadora da Binance e a cabeça da Binance Labs, um fundo de investimento de 1 bilhão de dólares que estava anunciando uma incubadora em São Francisco, que já recebeu 500 aplicações e selecionaram 50 para iniciar no programa e estão filtrando pra 8 que devem ver se vão se tornar investimento ou não. Eles tomam 7% de equity por um seed de 100 mil dólares. No mesmo painel estava Vincent Zhou da famosa FBG Capital da Coréia do Sul. Vincent é exatamente o que os coreanos perseguem: ele era um trader que iniciou com um capital de 10 mil dólares alguns anos trás e transformou esse investimento em 100 mil dólares antes de 2017, chamou amigos pra investir mais e transformou isso em 200 milhões, e com isso abriu a FBG Capital onde 50% dos lucros ainda é em trading.

Eu achei interessante a quantidade de asiáticos nessa conferência, de sul coreanos a chineses até alguns japoneses. A Ásia não está ignorando o Ocidente, pelo contrário, eles querem um pedaço do jogo agora. Apesar dos Estados Unidos ser um dos lugares menos amigáveis pra ICOs eles precisam estar lá para influenciar o mercado e, por consequência, as agências reguladoras. Isso porque apesar de tudo o Japão, por exemplo, tende a querer jogar mais seguro e no final seguir o que os Estados Unidos fazem. E a Coréia do Sul tende a seguir o Japão.

Muitos tem restrições com lugares como Malta ou Chipre por conta da corrupção e lavagem de dinheiro. Então parece que a chave de tudo vai voltar a ser Silicon Valley. No momento em que os Estados Unidos conseguirem colocar uma regulamentação clara, o Japão, a Coréia do Sul e talvez a própria China sigam mais rápido na sequência, causando um efeito dominó do Ocidente para o Oriente. Então o mundo neste momento parece estar em estado de espera.

Apesar de não ser muito prático o que me fascina mais nessas conferências todas é ver a disputa de forças entre investidores ocidentais e orientais, a parte macroeconômica da coisa. Mas pra sair um pouco dessa discussão, vou rapidamente falar de outros assuntos diversos que ouvi por lá.

Ainda sobre modelos de negócio com blockchain, teve outro painel bacana com duas pessoas do mundo do entretenimento. A ex-youtuber Michelle Phan que as mulheres devem conhecer já que foi uma das mais famosas no mundo de estilo e maquiagem e o DJ Justin Blau. A Michelle explicou sua carreira e como os primeiros youtubers tiveram a vantagem de começar numa plataforma nova, mas depois dos primeiros 10 anos hoje youtubers de audiência similar a deles na época recebem 75% menos receita de ads. Por isso o modelo não é mais faturar com ads e sim com patrocínio tradicional, plataformas externas como Patreon. Justin também explicou os custos envolvidos no mundo da música, pesquisas dizem que o artista acaba levando no máximo 12% de tudo que gera. Aliás, eu acho fascinante ver artistas como Justin com um bom conhecimento de blockchains e token economics, coisa que eu nunca vi por aqui. Enfim, existem muitos intermediários entre os geradores de conteúdo e os patrocinadores e por isso a discussão em plataformas como a Ara Blocks onde a idéia é meio como um security token, eu já falei isso nos vídeos da Coréia.

Falando em mais casos de uso, outro interessante foi o painel com Stephane de Baes da Elevated Returns e o Slava Rubin da Indie Gogo. O Stephane faz parte de um grupo que tem diversos imóveis. Justamente imóveis como o próprio nome diz, é um dos maiores armazéns de valor do mundo, trilhões de dólares. Mas eles são imobilizados, altamente Ilíquidos. Eles fizeram uma das primeiras tokenizações de um imóvel de verdade. Eles pegaram um resort que tem em Aspen, gerenciado pela Merriot, e tokenizaram uma porcentagem, não lembro se falaram 10%. Usaram o Indie Gogo pra fazer isso. Foi um negócio de uns 20 milhões de dólares sobre um imóvel lucrativo de 200 milhões, podem até pagar dividendos aos compradores dos tokens. A curiosidade é que 40% dos compradores são da Ásia, o raciocínio é que as pessoas da Ásia também querem se proteger e uma das formas de fazer isso é escolhendo comprar partes de um resort de Aspen, que é um imóvel americano, é mais ou menos a mesma coisa que estar num país de moeda fraca (como a nossa) e se proteger via exposição a dólar, mas desse jeito tem muito menos intermediários e qualquer um pode participar. É justamente uma das idéias de se usar tokens e blockchains para securitizar ativos, o que chamamos de digital assets.

Outro painel interessante foi novamente moderado pelo Arrington, tendo a participação da Cred, Uphold e Pricewaterhouse anunciando mais uma stablecoin, a Universal Dollar. A idéia é competir com moedas como o Tether e assim como ele estar lastreado no dollar. A Gemini se não me engano também tem uma assim e mais e mais empresas estão indo nessa direção. A parte interessante é que somente grandes fundos podem fazer isso porque você precisa garantir a liquidez desse token. Cada token emitido precisa ser auditado - e por isso a pricewaterhouse - pra garantir que ninguém está imprimindo dinheiro sem lastro. Cada 1 token precisa de 1 dollar. A vantagem? Nesse formato é como se você pudesse trafegar dollar livremente pelo mundo sem passar por bancos ou outras instituições. Todo mundo menos os Estados Unidos gostam dessa idéia. Fora isso você pode usar stablecoins como essa pra ser a moeda de meios de pagamento, eu falei disso nos vídeos da Coréia. E nesse caso específico eles tão mirando no mercado de crédito e empréstimos. Com isso você consegue encontrar no mundo todo quem quer emprestar e também no mundo todo quem precisa de crédito. Além disso eles querem padrozinar tudo no padrão ERC20 pra tokens via smart contracts na rede do Ethereum, e coins como Bitcoin poderiam ter um wrapper de ERC20 por cima deles, novamente convertendo 1 bitcoin pra 1 token deles e assim tudo trafegaria pelo mesmo protocolo, facilitando a interoperabilidade.

Pra quem é da área técnica um aspecto constantemente discutido é o problema da velocidade dos blockchains. Está claro que nenhum blockchain como Bitcoin, Ethereum ou derivados jamais vai ter capacidade pra ser de fato um meio de pagamento viável pra maioria das pessoas. Seja porque a velocidade é muito baixa, seja porque as taxas ficam caras demais quando há muito volume. Existem pesquisas e tentativas para melhorar isso direto nos protocolos. Por exemplo, o Ethereum quer lançar a versão Casper daqui algum tempo, que promete, entre outras coisas, substituir o atual Proof of Work por Proof of Stake ou pelo menos um híbrido entre os dois.

Eu expliquei acima porque Proof of Stake não é uma bala de prata. Mas uma solução mais prática que não requer modificação direta nos protocolos é a utilização de side-chains ou layer-2 como os projetos da Plasma em Ethereum ou Lightning Network pro Bitcoin que, sim, continua em beta por mais algum tempo ainda. A idéia é simples: segurança e performance costumam ser um trade-off, eles são mutuamente exclusivos. Você não pode ter segurança absoluta e performance máxima ao mesmo tempo. Então você precisa diminuir a segurança pra ganhar performance. Numa rede como Lightning você pré-carrega um canal secundário com alguns dos seus coins favoritos, mas não tudo, o montante maior fica no layer-1 que é o protocolo original, mais lento, como Bitcoin. É que nem carregar um cartão pré-pago. Nesse layer-2 você tem alta performance, mas corre um risco maior de perder essa pré-carga, mas não tem problema, é o custo do negócio. É impossível ter zero risco em tudo, isso é gerenciar o risco e conseguir performance sem mudar o blockchain.

Falando nisso, começa a aparecer uma coisa meio óbvia: Proof of Work é caro demais mas é extremamente seguro, em particular nos casos excepcionais. Muitos estão forçando a substituição por Proof of Stake, mas isso eu acho barato demais ao ponto que é inseguro. Proof of Stake funciona no geral mas é muito fraco nos casos excepcionais Stake é basicamente colocar seu dinheiro na linha pra ter direito de assinar o bloco, se for votado que você fraudou, então você perde esse Stake. Vale a pena eu fazer uma tangente porque muita gente que só sabe ler headline assume que “ah, quando o Ethereum mudar de proof of work pra proof of stake, ele vai matar o bitcoin que consome energia demais”.

A maioria das pessoas é péssimo em pensar nos cisnes negros. Um sistema que tem a pretensão de ser usado pelas próximas décadas e ter garantias de integridade dos seus dados precisa ser resistente ao futuro e proteger o passado. Bitcoin de fato atinge isso. Na prática, todo nó minerador é um mini-fork da rede. A rede se reconcilia o tempo todo e a cadeia mais longa de blocos costuma vencer e os outros sincronizam dele. E podemos confiar no processo porque pra assinar um bloco alguém precisou gastar muito dinheiro para calcular o hash. Em proof of stake quem assina o bloco é quem tem o maior stake. No caso do bitcoin seria o equivalente a quem tem 51% do hash power da rede, que são atualmente os 3 maiores pools do mundo. E mesmo assim, não é possível reescrever a história fácil, é necessário recalcular o hash de todos os blocos do passado até o ponto que você quer, isso não só custa muito dinheiro mas custa muito tempo. 1 bloco hoje leva 10 minutos. Imagine recalcular 10 mil blocos. É bom ter um Fukushima no quintal pra isso. Em proof of stake você não tem essa proteção, qualquer um que controle o maior stake - apesar de muito improvável - tem poder ilimitado de reescrever a história se a rede não tem checkpoints ou pode causar um split da rede no caso de redes que tem checkpoint como o Casper do Ethereum. Em ambos os casos, proof of stake se mostra inferior ao proof of work em manter a integridade dos dados e da rede. O custo de energia não é à toa como muitos pensam e nem é tão caro assim se levar esses pontos em consideração. O próprio Vitalik, no seu painel, já fala em um possível 99% de Proof of Stake e 1% de Proof of Work para balancear melhor esse trade-off. E outras equipes estão procurando alternativas a Proof of Work e Proof of Stake como Proof of Space-Time.

Outras palestras técnicas interessantes falaram mais sobre outros aspectos da segurança de blockchains, nas palestras de David Chaum da Elixxir e Dawn Song da Oasis Labs. Por exemplo, por se falar em criptografia, dá impressão que os dados são “privados” mas na verdade é o contrário: o blockchain é transparente e público, é possível tirar muita informação somente pelos metadados e pelo rastreamento. Mais do que isso, um blockchain é um registro preciso de tempo, baseado em timestamps, então existe outro dado muito importante: a ordem das transações. É um dos motivos de porque blockchains não são bons pra eleições com voto secreto. Por isso existem outros tipos de blockchains como Dash, Zcash ou Monero que tentam adicionar uma camada a mais de anonimidade. Fica dica que em Zcash você precisa escolher fazer um wallet ser anônimo, ele não é anônimo por padrão. E no mundo do Ethereum, por causa disso existem as tentativas para implementar algo similar como zero knowledge proofs, particularmente zkSnarks. O conceito parece simples, onde você consegue saber se uma pessoa tem determinado segredo sem trafegar o segredo. Imagine um sistema que sabe que você sabe a senha sem que você precise dizer a senha. Mas a matemática e a implementação disso é extremamente difícil. Se você é cientista da computação, eis um excelente desafio.

Além disso você tem outros conceitos pra vocês pesquisar. Por exemplo, Homeomorphic encryption, pense um tipo de encriptação onde você pode realizar operações no dado encriptado e o resultado será igual às mesmas operações realizadas no texto não-encriptado. Dessa maneira você não precisa decodificar a encriptação e ainda assim pode operar nele. E isso sem falar em hardwares de segurança, como as instruções Intel SGX que permitem lidar com dados de segurança mesmo em computadores que foram comprometidos. Pense um lugar onde você poderia guardar sua chave privada no seu computador que não estaria vulnerável a nenhum vírus ou exploit porque está totalmente fora do controle do sistema operacional. A chave ficaria numa área de memória isolada que o sistema operacional simplemente não tem acesso, são os enclaves. E isso já existe hoje, caso vocês não saibam. Como cientista da computação essa é outra área que me atrai muito porque ficamos falando só de web, web e não vemos como existem várias outros algoritmos e hardware à nossa disposição que nunca nem discutimos a respeito.

Como podem ver, os painéis da San Francisco Blockchain Week foram bem mais interessantes do ponto de vista técnico do que o Delta Summit de Malta ou o Beyond Blocks de Seoul. Pelo menos em San Francisco eles estão mais preocupados com a implementação das coisas, nos outros países eles estão muito ainda em “o que é possível”. Por isso eu reitero o que disse no vídeo anterior de Malta: não existem experts nesse mercado. Ignore qualquer um que se entitule expert. Estamos ainda no estágio de early adopters. Eu venho repetindo isso faz tempo e ouvi sendo repetido nos eventos: é como se estivéssemos no começo dos anos 90, antes da invenção do browser, antes de saber que vai existir Amazon ou Facebook. Se você acredita em futuro, é um dos lugares mais fascinantes pra se estar.

Infelizmente o Brasil, pra variar, está atrasado e ficando mais e mais atrasado. Um dos maiores problemas é que os “top influencers” desse mercado são completamente diferentes de tudo que eu vi pelo mundo. Assim como na Ásia e norte da Europa, muitos aqui tiveram a sorte de apostar antes do bull run e ficaram ricos com criptomoedas. Porém diferente do que eu vi, eles não estão reinvestindo num ecossistema, e em vez disso estão com a cabeça minúscula de se fechar em seus próprios feudos. Um exemplo disso? Nós já temos perto do mesmo número de corretoras que se tem em Seoul ou Japão. Só que o volume de cripto negociado em todas as corretoras do Brasil é uma fração de somente 1 corretora da Ásia. É um número ridículo. E essa fragmentação acontece porque nenhuma das corretoras com maior volume tem a mínima noção de tecnologia. E todo mundo sabe disso, tanto que eu por exemplo acho mais fácil fazer a minha própria corretora do que confiar em qualquer uma que é lider do mercado, e pelo jeito eu não estou sozinho. E também por causa disso o exemplo que a população em geral tem é essa: pessoas que deram sorte mas não sabem o que estão fazendo. Completamente diferente de um CZ da Binance ou Vicent Zhao da FBG Capital. Outro exemplo? Nenhuma crypto fund foi fundada no Brasil ainda. E mesmo nesse estágio primário que estamos já existem fundos de investimento tradicionais vendendo fumaça como se fosse criptomoeda, sedimentando ainda mais a noção que os principais envolvidos no mercado de criptomoedas do Brasil estão interessados em dinheiro rápido e tem zero interesse em realmente criar uma economia de criptomoedas. Eu sou empresário, e por causa de exemplos como o que temos nesse mercado do criptomoedas do Brasil, eu não consigo discordar de quem fala mal de empresários brasileiros no geral. O que eu vi no mundo não tem nada nem parecido por aqui ainda. E isso porque eu disse que eles mesmos se consideram ainda early adopters num mercado que está só começando. Agora aqui o que eu vejo? Experts.

Enfim, isso conclui meus relatos sobre essa peregrinação blockchain. Vejam meus vídeos sobre a Coréia do Sul se ainda não assistiram, pra ter uma visão mais completa. Coloquem nos comentários se vocês já sabiam de tudo que eu relatei. Se gostaram do vídeo mantem um joinha, assinem o canal e cliquem no sininho. A gente se vê, até mais!

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