[Akitando] #19 - Devo fazer Faculdade? (Eu, 22 anos depois)

2018 October 18, 17:00 h

Disclaimer: esta série de posts são transcripts diretos dos scripts usados em cada video do canal Akitando. O texto tem erros de português mas é porque estou apenas publicando exatamente como foi usado pra gravar o video, perdoem os errinhos.

Descrição no YouTube

Continuando no tema de "Devo fazer faculdade?" e de histórias pessoais hoje quero falar um pouco da minha faculdade e meu início de carreira, mais de 20 anos atrás, como era a minha época. E vocês sabendo como eu estou hoje, veja o contraste de como era pra mim e como isso afetou o que faço até hoje.

Os links abaixo não são relacionados, mas são bons assuntos paralelos que eu menciono neste vídeo:

Links sobre Imigração Japonesa:

Internet no Brasil nos Anos 90

Script

Olá pessoal, Fabio Akita

Acho que eu me empolguei em compartilhar histórias pessoais então vou terminar esta semana com mais uma.

Novamente, continuando na vibe do vídeo “Devo fazer faculdade?” Aquele episódio foi feito para um público bem específico: aqueles que já escolheram o que fazer e que tem recursos (dinheiro, tempo) para escolher uma boa faculdade.

Minha conclusão é simples: se você pode fazer, faça. Existem milhares de pessoas que gostariam de fazer e não podem, por inúmeras razões.

O episódio de hoje é praqueles que pelo menos gostam da área, mas pensam em sair da faculdade ou se vêem tensos porque sentem que não tempo pra estudar mais ou estão indecisos sobre o que estudar. Mais especificamente, eu sempre fui uma pessoa introvertida e anti-social. Eu não saberia dizer como é para pessoas extrovertidas ou sociáveis. A idéia não é dar uma resposta ou encher vocês de teorias, vou tentar contar como foi pra mim. Mais de 20 anos depois, o que eu tenho a dizer?

(...)

Como vocês podem ver, eu sou japonês ..., portanto venho de uma linhagem de imigração que começou com meus avós saindo de um Japão em crise lá pelos anos 40 e vindo para cá. Imagine que houve uma época em que um japonês, fugir pro Brasil, fazia sentido!!

A comunidade japonesa assim como muitas outras colônias de imigrantes começou aqui do zero. Na pobreza. Sem posses, sem propriedade, trabalhando na enxada, de sol a sol. É o que muitas famílias aqui e ao redor do mundo fazem até hoje: tentam deixar para próximas gerações uma situação melhor do que a que se tem no momento.

E deu certo! Graças aos esforços dos meus avós, meus pais puderam estudar, frequentar faculdades. Então chegou a vez da minha geração, perdido no começo do anos 90, sem saber exatamente o que fazer. Toda família de japoneses tinha altas expectativas de seus filhos virarem engenheiros ou médicos. O que eu devia fazer?

Sabe qual é o problema de jovens que herdam opções? A gente costuma escolher errado por falta de experiência.

E aqui vai uma informação sobre mim que muitos não sabem porque eu raramente falo sobre isso. Eu não terminei a faculdade. Pois é, também sou um “drop out”. Vamos dizer que quando anunciei isso provavelmente meus pais não ficaram muito contentes.

Como eu expliquei em outros episódios, eu já programava antes, e embora não achasse isso na época, obviamente eu era um amador. Pra mim isso foi o mais importante da faculdade: jogar na minha cara que eu não sabia nada ainda.

Exemplo de choque? Primeiro dia de aula, o professor coloca na lousa uma bibliografia de livros de referência, parte em inglês (!!) E vou dizer que quando eu entrei na faculdade eu male-male sabia inglês. Tinha zero fluência pra falar. E sempre que ia na livraria procurar livros eu escolhia em português. Mais um choque, ver colegas que tiveram formação melhor que eu e já sabiam inglês muito melhor que eu. Obviamente meu ego tomou um nocaute logo no começo. Nada aumenta a motivação mais do que quebrar a cara com força.

Essa história toda foi só explicar um ponto: eu sou um drop-out, porém minha primeira recomendação não é dizer pra largar a faculdade. O que eu experimentei na faculdade me ajuda até hoje.

No meu segundo semestre resolvi virar monitor na sala de computação do CCE na politécnica. O trabalho era basicamente ficar lá sentado, e ajudar a desenroscar papel em impressora matricial. Ganhava na época R$ 50 (equivalente hoje a uns R$ 200). Mas o real motivo era porque antes de entrar na faculdade eu estava envolvido com BBS de pirataria. E ser monitor me dava acesso à rede de banda larga da universidade. Mas tinha um porém, eu só podia usar via terminal remoto numa conta UNIX. Portanto, pra procurar e fazer download das coisas, precisava aprender a usar UNIX. Relembrando, não tinha Google na época, nem tutorial em blog post. Ah sim, Linux era novidade naquela época também e nem de longe tão evoluído como é hoje. Foi assim que aprendi tudo que pude sobre ambientes UNIX. De quebra, tinha Apache instalado lá, e foi assim que sem querer tive meu primeiro contato com Web e como fazer HTML. Naquela época só cientista da computação sabia fazer HTML, imagine só.

Alguns meses depois, um belo dia olhei o quadro de recados da sala, tinha alguém oferecendo emprego numa agenciazinha perto da faculdade. Foi assim que fui aplicar o HTML que tinha acabado de aprender e a fazer CD-ROMs. Outro dia conto mais dessa história, mas foi onde tive acesso a Mac e onde comecei a aprender coisas como Photoshop e algumas noções de design que me são úteis até hoje.

Eu não pensava muito em objetivos de carreira: quero aprender X porque parece que vou ter uma carreira melhor. Eu era simplesmente entusiasmado com tudo. Tudo que aparecia de novo eu queria aprender, pensando assim eu não ficava julgando se o trabalho era “digno” de um bacharel de ciência da computação ou não. Recortar gif? Eu fazia. Consertar a rede do escritório? Eu fazia.

Até o fim do colégio, eu não refletia muito sobre o que eu estudava, simplesmente estudava o que me mandavam, fazia as provas e pronto. Um exemplo besta, que eu vi nas aulas de física. Eu nunca tinha parado pra pensar que as fórmulas de velocidade e aceleração era uma derivada da outra, por exemplo. Ou que as fórmulas de gravitação de Newton poderiam ser derivadas das fórmulas de Relatividade Geral. Óbvio que eu sabia que tinha muito mais no mundo do que só o que tinha nos livros do colégio, mas foi a primeira vez que parei pra contemplar o relacionamento desses conhecimentos onde antes eram só coisas para decorar.

Daí eu criei uma noção na minha cabeça que pretensiosamente eu chamava de Teoria das Pirâmides. Tudo que eu aprendi até o fim do colégio era o pequeno topo de diversas pirâmides. Pirâmide de matemática. Pirâmide de Português. Eu nunca ia saber tudo sobre tudo. Em vez disso eu falava pra mim mesmo que deveria aprender o topo de muitas pirâmides, e à medida que eu fosse avançando, iria descendo nessas pirâmides. E eu pensei em pirâmides meio como a dificuldade, o topo é menor, a parte mais fácil, a base é maior, as partes mais avançadas, quanto mais você desce na pirâmide, mais difícil fica. Muitos pensam em ir completando uma pirâmide inteira de cada vez e eu sempre achei isso ineficiente.

Antes da faculdade, e até talvez o primeiro ano, eu tentava ler os livros inteiros, mas antes dava, porque não tinha muito mais pra se ler. Na faculdade eu vi que isso não iria acontecer mais. Antes meu mundo se restringia a uma dúzia dessas pirâmides de conhecimento. Foi quando eu parei de tentar ler livros técnicos inteiros, eu só lia a introdução. (pegue o livro) E ia avançando se precisasse. Em vez de ler 1 livro inteiro, era melhor ler o começo de 10 livros. E gastava mais tempo praticando do que lendo.3

Em 1997 ou 1998 a febre das ponto com começou, com força. Trabalhar no meio da bolha da internet era super empolgante, claro, a gente nem imaginava que estava numa bolha, é como bolhas funcionam. Naquela época a população em geral ainda se perguntava se essa tal de internet ia vingar ou não. Consegue imaginar isso? Mas eu nunca parei muito pra pensar nisso também, só achava divertido. E mesmo parecendo retórica, realmente nunca foi pelo dinheiro. Era simplesmente que naquela época eu achava tudo que era novo empolgante.

Sair da faculdade, olhando em retrospecto, talvez tenha sido prematuro. Mas naquela época eu estava com DPs em algumas matérias. O curso de ciência da computação da USP é tempo integral, significa que eu ficava com buracos no meu horário: tinha aulas de manhã cedo e depois aulas só no meio da tarde. Era impossível trabalhar no ritmo de agência onde não raras as vezes eu dormia no escritório. Eu tinha um professor que inclusive recomendava que eu deixasse de trabalhar e focasse só na faculdade.

Lembra da parte que eu falei do meu ego inflado? Então, eu me coloquei na seguinte posição: eu ia sair da faculdade, mas não ia parar de continuar estudando. Mas eu ia fazer meu próprio curriculo por assim dizer. Intuitivamente eu sabia do valor de certos conhecimentos, mesmo tendo pouca ou nenhuma aplicação prática naquele momento. A faculdade me ajudou a enxergar a diferença entre conhecimento de base e conhecimento temporário.

Quando eu digo isso parece que eu desenhei um plano detalhado de estudo, mas não é isso. Além do ego, eu sou extremamente teimoso com o que eu acredito, e significa que eu vou tentar provar meu ponto nem que seja por força bruta. Levou anos pra eu aprender a escolher minhas batalhas e ser mais eficiente.

Eu era novo, em 1999 eu ainda tinha 22 anos. Eu comecei a programar de alguma forma 7 anos antes mas eu ainda era muito inexperiente. Essa idéia de focar na introdução das coisas, daí praticar e através da prática voltar pra teoria, indo e vindo, eu tinha confiança que era um jeito mais eficiente do que ficar 1 semestre num único curso aprendendo só a teoria.

Eu nunca li nada sobre carreira. Na verdade eu nunca nem procurei sobre isso. Eu não pensava muito em que tipo de carreira eu queria ou em que tipo de empresa queria trabalhar. Eu nunca fiquei escolhendo, mandando curriculos bonitos. Nunca participei de processos seletivos de trainee em grandes empresas porque eu nunca nem tentei e nunca gastei um dia me lamentando do tipo “essa empresa é pequena eu devia estar numa empresa maior” ou qualquer coisa do tipo.

Mais uma razão de porque eu não me sinto confortável dando muita recomendação de carreira: eu nunca planejei a minha. Eu nunca pensei que era algo que dava pra planejar. Olhando em retrospecto, justamente porque eu não pensava muito, tudo que aparecia eu ia fazendo, sem pensar muito se tinha valor ou não. Não me preocupava se o ritmo de trabalho era insalubre, não me preocupava se estava varando noite aprendendo alguma coisa útil pro futuro ou não.

Na minha época não existiam eventos de programação, conferências. Não tinha meetups. Eu não sabia muito o que estava sendo discutido no mundo. Não existia o conceito de influencer, celebridade, ou algo assim. Então eu não tinha muita referência, por outro lado eu não me sentia perdendo alguma coisa ou indo no caminho errado pelo simples fato que eu nunca parei de aprender coisas novas.

Por conta dessa falta de contatos, por outro lado, eu não tinha muito viés. Eu não julgava tecnologia. Pra mim tecnologia era tecnologia, tudo igual. Eu não era anti-Microsoft ou pró-Open Source ou algo assim. Quando eu estava fazendo ASP eu não ficava pensando, ah isso é inferior a Perl, eu deveria estar fazendo Perl. Eu fazia o oposto, no trabalho alguém falava, tem que fazer em Perl, você sabe? Eu respondia algo do tipo, não, mas posso aprender. Nunca tive aquela sensação de estar fazendo algo inferior ou usando a coisa errada, da mesma forma como eu não tenho julgamentos de valor quando estou usando um martelo ou uma chave de fenda. Tudo era ferramenta que eu não sabia usar, toda oportunidade de praticar era bem vinda.

Existe uma enorme armadilha no começo de carreira: a minha teoria das pirâmides tem outro detalhe: só de aprender o topo da pirâmide, você consegue entregar um projeto. Hoje em dia eu ilustro isso como o problema dos 80/20. Com 20% do conhecimento você consegue resolver 80% dos problemas. Mas pra resolver os últimos 20%, vai precisar dos 80% de conhecimento que ainda não tem.

Com meus pífios 20%, eu entregava projetos. O perigo era eu achar que já era bom, eu entendia isso. O que me mantinha no chão é que pra entregar esses projetos eu varava muitas noites corrigindo bug. Na minha cabeça, se eu não consigo entregar com menos bugs e se eu não consigo entregar só no horário do trabalho, era minha falta de experiência. Esse era meu termômetro de competência.

Ah mas não era culpa do meu chefe que me mandava fazer mais do que eu conseguia? Claro que tinha isso também. Mas por outro lado, se era esse o caso, eu considerava incompetência minha não saber julgar isso antes de começar a fazer. Depois que já deu merda é fácil dizer o que tava errado.

Novamente, não estou recomendando que você seja explorado no trabalho. Muitas vezes eu sabia que devia ganhar mais, eu via que não me pagavam as horas extras que eu fazia, e num dos empregos eu cheguei a ficar 3 meses sem receber salário antes de pedir demissão. Eu ficava com raiva disso, mas não o suficiente pra ficar encanado. Não era R$ 200 a mais ou R$ 1000 a mais que ia resolver minha vida. Eu pensava nos R$ 10 mil, nos R$ 20 mil no futuro. Não lembro de onde foi mas uma vez eu ouvi uma frase de que quem gasta muito tempo pensando nos centavos deixa de ganhar os dólares.

Eu imaginei que se eu realmente merecesse algum reconhecimento isso viria eventualmente. Fazer um trabalho bem feito 1 vez não é motivo pra reconhecimento, fazer um trabalho bem feito por 10 anos começa a ser. E você só vai saber disso se durar 10 anos sendo consistente. Se a única coisa que você faz é reclamar, se justificar, é isso que vai definir o que você vai ser.

Todos os empregos ruins que eu já passei não importa, ficaram pra trás, 10 ou 15 anos pra trás, algumas dessas empresas faliram, as pessoas que eu não gostava já nem sei mais por onde andam. Eu continuo aqui, fazendo coisas que eu jamais tinha imaginado na faculdade. Qualquer plano que eu tivesse feito na época da faculdade, teria falhado.

Aprender a aprender é a única coisa que você precisa. Todo o resto é secundário. Eu não acredito em receitas de carreira, funções bem definidas. Eu não estou nem aí se eu devia ou não devia fazer alguma coisa. Logo no começo eu vi que as pessoas contavam comigo não pelo conhecimento que eu tinha, mas porque com ou sem bugs, eu ia até o fim pra entregar. Ninguém gosta de alguém que acha que sabe tudo mas na hora do vamos ver só tem justificativas. Eu aprendi isso logo no começo e em vez de ficar me questionando toda hora, eu simplesmente fui indo.

E, por hoje já ficou bem comprido! Já me pediram pra falar especificamente de materiais e livros recomendados, estou planejando isso pra outro episódio. E quais são as suas experiências na faculdade? Já tem 10 anos de carreira? As coisas estão indo como você planejou? Não deixe de compartilhar nos comentários abaixo. Se gostaram deste vídeo mande um joinha, assinem o canal e clique no sininho. A gente se vê, até mais!

tags: faculdade dunning-kruger carreira anos 90 akitando

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