[Off-Topic] Tech Startups, superlotação de B2C. Boring.

2013 November 14, 14:29 h

Quando estive em São Francisco em 2012, participei da Techcrunch Disrupt (pessoalmente, boring). De qualquer forma, dentre as poucas coisas que me lembro, foi uma coisa que Reid Hoffman, fundador do LinkedIn, mencionou. Não lembro a frase exata mas em resumo foi algo como:

"Todos estão fazendo startups B2C, quase ninguém está resolvendo o problema 'Enterprise', o mercado B2B de bilhões de dólares."

Me deixe simplificar, estou considerando "B2C", business to consumer, como todos os sites comuns que vemos hoje: redes sociais, instant messaging, content management, enfim, tudo cujo público alvo final é a massa de consumidores pessoas-físicas. E estou considerando "B2B", business to business, como todas as soluções baseadas em software que resolvem problemas tanto internos de uma corporação quanto problemas que interligam múltiplas corporações, ou seja, soluções onde o público alvo final são pessoas jurídicas. É uma simplificação, mas ajuda meu propósito.

Vou repetir uma coisa que twitei recentemente: "empreendedor" não é uma carreira e não é sequer uma profissão. É um estado. A irrelevância é que qualquer pessoa, física ou jurídica, por definição, é um empreendedor. Até mesmo um estudante está empreendendo, empreendendo a construção do seu conhecimento para resolver algum problema no futuro. Uma diarista é uma empreendedora, e hoje algumas ganham até em escala subcontratando outras e distribuindo serviços. Não são apenas desenvolvedores de software que, por acaso, ganharam esse "privilégio". Na prática, não há nada de especial em ser empreendedor, basta não ser um procrastinador.

Muitos jovens, muitos inclusive ainda nem na faculdade, estão iludidos pelo falso "glamour", deste curto período que pode até ser considerado uma bolha, ou pelo menos uma anomalia temporária de mercado. Se ainda você está neste grupo, recomendo que leia meu artigo anterior, a tradução do post de Alex Payne, Carta para um Jovem Programador Considerando uma Startup.

O exercício aqui é simples, porque vocês acham que a maioria esmagadora de tech startups está investindo em aplicações Web B2C? Em particular, porque todas elas são muito parecidas entre si? Basicamente se você mudar o logotipo, o nome e algumas cores, muitas delas são praticamente idênticas. Ecommerces são óbvios. Redes sociais verticais. Misture um componente de rede de conhecidos a verticais como empregos, classificados, transporte (táxi), exercícios e saúde, etc.

A resposta é assustadora em sua simplicidade: porque isso é tudo que uma pessoa inexperiente conhece. Seu dia a dia se resume a usar Facebook, Instagram, Medium e Tumblr. Se resume a pegar ônibus, metrô. A ir num pronto socorro ou fazer alguns exames. A ir na academia. A frequentar uma universidade. E tudo isso, do ponto de vista de um consumidor, nunca do provedor ou produtor. Portanto, tudo será mais ou menos igual.

O Mundo Corporativo é Muito Chato

O efeito colateral mais assustador ainda, é que as "tech startups" e a pseudo-carreira de "empreendedor", chegam como a salvação daqueles que leram blogs e tweets e posts em Facebook falando como é 'horrenda' a vida de um trabalhador numa agência, numa grande empresa, numa corporação. A burocracia, a politicagem, a estrutura hierárquica. Tudo isso foi pintado como que se arranjar um emprego fosse equivalente a andar pelo corredor da morte e como se estar num emprego numa corporação fosse estar sendo diariamente torturado de maneira cruéis.

E o pior: a maioria dos jovens e inexperientes acreditam nisso. TL;DR: não é inteiramente verdade.

Para piorar a situação que já é ruim, de fato aparecem Cisnes Negros pelo caminho. Facebook, Tumblr, Snapchat, Twitter. E isso dá a impressão que é possível repetir. Não entender o que é a Lei dos Grandes Números pode ser fatal. Em resumo: dado milhões de pessoas tentando ganhar na loteria, eventualmente um ganha. Mas não há nenhum processo repetível que leva a isso. É um beco sem saída da aleatoriedade. Agradecimentos a Bernoulli e Poison por nos avisar disso, embora poucos saibam disso hoje.

Não quero dizer que não exista valor em B2C, claro que há, porém muito mais limitado do que se imagina. O outro lado da moeda, o mundo corporativo, é quase imune às startups. Conhecemos os grandes nomes, SAP, Oracle, Microsoft, Totus. Sabemos que do lado 'puramente técnico', são softwares de baixíssima qualidade que - 'magicamente' para alguns - movimenta bilhões de dólares. E é um mercado que vê pouca ou quase nenhuma disrupção em décadas.

E o motivo disso é simples: poucos pararam para entender como esse mundo funciona. Por exemplo, quem está tentando entrar no mundo de ecommerces. O entendimento simples é que um ecommerce é uma "loja virtual". Eu vejo diferente, eu entendo ecommerce como mais um canal de distribuição. Por trás existem inúmeros processos consolidados, que qualquer um que tenha trabalhado em varejo ("retail") conhece muito bem. Centros de distribuição, Supply Chain, estratégias de precificação, tributação e transporte de materiais, aprovação de compras, inventório e warehouse management, etc. Como disse, território para qualquer um que tenha trabalhado com Sales and Distribution. Alienígena para qualquer outro.

Sites de empregos. Poucos entendem o que isso significa mas é uma pequena perna na área conhecida como HR, Recursos Humanos. Significa entender CLT, entender o que significa liability trabalhista, benefícios, recrutamento e seleção, treinamento, folha de pagamento, timesheet, viagens, etc.

Entenda: você não tem a mínima condição de oferecer qualquer coisa ao mercado corporativo sem ter participado ativamente do mundo corporativo. Para quem nunca esteve nesse mundo, uma corporação é uma caixa preta. E o problema é que a maioria das pessoas imediatistas costuma se afastar daquilo que não entende, em vez de tentar explorá-la. Um "hacker" faz exatamente isso: quebra caixas pretas. Quem apenas consome não é um hacker, é apenas um script kid achando que é mais do que é.

Quando se passa por diversas empresas, diversos contextos e situações, diferentes processos em diferentes etapas, só então começa-se a entender o domínio do problema. Faça isso algumas vezes e possivelmente você pode começar a enxergar como melhorar ou, melhor ainda, "inovar" nesse segmento. Inovação no mercado corporativo se inicia com otimização simples de processos, e pode terminar com a substituição completa de um processo antigo por um novo ou a criação de uma vertical inteiramente nova que não existia antes. Mas inovação, por si mesma, é um processo, com etapas que precisam ser ultrapassadas uma por uma. E a primeira etapa é invariavelmente 'adquirir conhecimento'.

Não há atalhos. Mesmo no mundo B2C me admira alguém tentar criar um produto para massas de consumidores sem entender as técnicas de convencimento de massa acumuladas sobre o corpo de conhecimentos conhecido como "marketing".

O atalho dos jovens de se criar tech startups copy-cats acreditando cegamente numa promessa inexistente está criando uma geração que desconhece todos os processos que regem este enorme mercado. E algumas coisas são dependentes de tempo. Eu me vali dessa vantagem ao entrar cedo no mercado com o objetivo de descobrir como funcionam suas engrenagens. Quando se é o mais novo, erros são considerados menos ruins, acertos são supervalorizados. Quando se passou da idade, erros são intoleráveis e acertos são considerados o normal. E quanto mais tarde for, menos chance você terá de entender como o mundo funciona, mais e mais portas estarão fechadas.

Obviamente estou generalizando, existem casos - excepcionais - onde isso funciona diferente, mas se você não sabe se é um caso excepcional ainda, as chances são que você não é.

Serendipidade só acontece quando você se expõe à maior quantidade de situações diferentes possíveis, criando oportunidades. Em um único "produto", uma única startup, uma única idéia não provada, as chances de serendípede são reduzidas. A vantagem de uma SAP nas suas várias décadas de existência, foi acumular o conhecimento de todos os processos, de todas as indústrias, varrendo praticamente tudo que existe de importante do mundo corporativo. E mesmo assim há áreas que ela não consegue tocar direito ainda, o que possibilita uma Salesforce.com de se sobressair, por exemplo. Imagine quem está artificialmente se limitando.

Mais do que isso, ao não se ter conhecimento nenhum e com a ilusão que "erros" são bons porque viram aprendizado, estamos esquecendo o óbvio: errar é humano, errar o que já é notório que é errado é burrice. Pura e simplesmente assim. Cobrar um cliente por um serviço sem ter assinado um contrato antes e depois chamar o cliente de desonesto por não pagar tudo - apesar de errado - demonstra estupidez de quem não assinou o contrato. Gastar o dinheiro antes do tempo como "investimento" e depois ter problemas com folha de pagamento, novamente, é amadorismo por desconhecer o básico de fluxo de caixa. Reescrever sistemas inteiros sem saber quanto vai custar não só as horas de desenvolvimento, mas o treinamento de todos os usuários, as integrações com outros sistemas, a migração de dados, o custo de oportunidade, etc, é outra enorme burrice de quem não sabe fazer análise básica de custos. Tudo isso é simples burrice, não precisa errar pra aprender. Bastava ter visto isso acontecendo uma vez para saber que existe, toda empresa faz isso, há décadas, muito antes de você nascer.

Isso é inexperiência, que é algo normal, ninguém nasce sabendo tudo. Por isso adquirir experiência é tão importante, ou você estará sempre em desvantagem porque quis um atalho que acharia que economizaria 5 anos e vai fazê-lo ficar 10 anos atrasado.

O mundo B2C está super-saturado. O mundo B2B vai permanecer isento de startups importantes por mais alguns anos já que esta geração também está desperdiçando tempo e esforço de maneiras ineficientes, desperdiçando tudo que já sabemos há anos. E lembre-se: evitar desperdícios - que eu me lembre - é o pilar do "Lean".

tags: off-topic startups carreira

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