A viagem se iniciou 2 semanas depois que retornei de São Francisco, então já dá para imaginar a correria. A viagem iria durar dos dias 9 de outubro a 19 de outubro, 10 dias apertados para visitar 3 países diferentes de uma só vez.
O maior desafio de todos? Infelizmente eu não sei falar holandês, nem alemão, nem hebreu. Felizmente com inglês é possível se virar razoavelmente bem, mas muito se perde em não saber fluentemente a língua local. Felizmente, tirando Berlim, tanto Amsterdã quanto Tel Aviv foram bastante confortáveis para se comunicar somente em inglês. Em Amsterdã eu ficaria do dia 9 ao dia 13 de Outubro.
Ao chegar no aeroporto de Schipol você sente que o lugar está tentando te recepcionar bem. A cidade tem programas como o I am-sterdam que deve ser sua primeira parada se não sabe para onde ir. De lá já descobri que existe um serviço de shuttles (micro-ônibus) que te leva diretamente até seu hotel. Mais cômodo que isso impossível.
O hotel que fiquei, o Arena é muito charmoso, confortável e convidativo. Ela fica na 's-Gravesandestraat 51 (e a primeira coisa que aprendi é que "straat" é "rua") na região Leste em Oosterparkbuurt.
Aliás, parecido com São Francisco a cidade é minúscula. Ela tem área útil de 166 km2 e uma população de pouco mais de 1,300 milhão de habitantes, pouco maior que São Francisco. Mas são cidades completamente diferentes. Amsterdã tem aquele ar "europeu" que vemos em filmes, casas com paredes de tijolos, prédios pequenos, estreitos e baixos. A cidade é bastante organizada, ela tem o curioso formato de um semi-círculo com diversos canais formando seus raios. No centro desse semi-círculo fica o centro.
A parte mais importante da cidade é circundada mais ou menos pela Mauritskade (perto de onde eu estava), seguindo a oeste ela se torna Stadhouderskade, depois Nassaukade. Você normalmente vai estar dentro desse semi-círculo. Nessa região, se tiver a disposição, dá para ir de ponta a ponta a pé em menos de 2 horas. Estamos falando de um diâmetro que deve ter menos de 10 km, pouca coisa mesmo.
No meu caso, era muito simples andar o equivalente a uns 3 quarteirões atravessando o canal de Mauritskade até Saphartistraat, uma paralela interna ao circuito que falei acima, para pegar o bonde (tram) urbano até Leidseplein que é o início da área comercial da cidade. Novamente, não é uma cidade de grandes Shopping Centers como estamos acostumados, mas lojas de ruas em ruas apertadas. Se você é paulista, imagine uma 25 de Março - muito mais limpa e organizada, claro.
É onde você vai encontrar a Apple Store (sim, geek), uma das mais bonitas da Europa. De Leidseplein, novamente tendo o semi-círculo em mente, uma das radiais que vai em direção ao centro é a Leidsestraat. Seguindo por ela e atravessando 5 canais uma hora você chega na Rokin, uma das ruas principais do centro.
Seguindo pela Rokin até o fim chegamos na Dam Square, uma praça histórica famosa que liga a Rokin com a Damrak. Seguindo pela Damrak até o fim vamos cair na Estação Central. Agora, se cairmos para a direita, direção leste, já estamos na região conhecida como Red Light District. Sim, aquela famosa.
Um pouco mais para à direita e estamos na região de Nieuwmarkt de onde eu podia pegar o metrô em direção Sul, passando pela estação de Waterlooplein e descendo em Weesperplein, de volta à Sarphatistraat, que é perto do hotel.
Como podemos ver, é uma região bem pequena para se explorar. Em particular gostei bastante da facilidade de pegar os bondes da GVB, são bondes de superfície, que andam no meio das ruas principais. Não foi muito óbvio entender como o sistema funcionava de primeira, na prática você entra pelo meio do vagão onde encontra um cobrador. Pode comprar um passe de ida, ida e volta, ou por períodos, como diário. Com o cartão em mãos você passa na frente de uma máquina na entrada e na porta de saída para marcar as viagens. Para mais detalhes sobre como se locomover pela cidade leia este excelente blog post, teria me ajudado muito se eu tivesse encontrado antes.
A maioria das pessoas deve ter duas curiosidades, a primeira é sobre a Red Light District, então vamos matar essa curiosidade de uma vez. Sim, ela existe, não ela não é nada demais, pessoalmente achei até muito comportado. Antes de mais nada o termo "Red Light District" serve para qualquer área urbana com concentração de serviços sexuais. Aqui em São Paulo seria como uma Rua Augusta. A de Amsterdã se chama De Wallen. Ela é "Red Light" porque as garotas de programa (profissão legalizada por lá) alugam casinhas que tem porta de vidro pra rua, acendem uma luz vermelha por trás e se exibem em trajes curtos para quem quiser ver.
Tem diversas casas de show como a Casa Rosso, mas não esperem grande coisa. Dentro é basicamente um teatro, você senta e assiste. Os shows? Strip teases, shows de sexo ao vivo. Os garçons (bem impacientes) servem as bebidas pra você e você só fica sentado. É programa leve, vai muito casal, velhinhos e turistas sem noção. Detestavelmente entediante. Não recomendo. Existem outras casas com serviços mais interativos como lap dance, pelo que ouvi dizer, como no Bananenbar. Coisa pra americano, não tem nada mais entediante do que lap dance. Sério mesmo.
E a coisa é bem suave mesmo, em alguns cantos mais movimentados tem até super mercado onde passam mães e filhos e do lado tem as meninas expostas. Não tem muito pra ver mesmo. Falando em mercado uma pequena dica, todo lugar tem uma Albert Heijn. Não é hiper mercado, pra eles é mais como uma loja de conveniência, pra nós é um mercado de bairro. Muito prático pra pequenas compras, recomendo.
Muito mais interessante do que a Red Light District são os Coffeeshops que no centro você encontra um do lado do outro, não tem como errar. Eles vendem tudo menos café, e se prepare pra encontrar os lugares cheios de turistas. Se tiver um bom amigo pra te levar num menos turístico é melhor. Por sorte encontrei com meu camarada Otávio Fernandes que deve estar arrependido de ter me levado lá até agora. Já explico.
Nos coffeeshops você escolhe qual tipo de maconha quer comprar, eles tem um cardápio variado. Pega papelote pra enrolar, um papelão pra fazer o bico (isso foi novidade). Leve uma tesoura pra ajudar. Com o equipamento certo nas mãos, um pouco de habilidade e você enrola o melhor baseado que já fumou. Só que se você for como eu, vá muito devagar! Sério! O Otávio foi amigaço de me aguentar tendo a pior ressaca que já tive, depois de meia dúzia de baforadas! (sim, muito fraquinho, eu sei ...)
E falando do jeito de enrolar, aprendi que a gente enrola do jeito menos prático, aprenda como os holandeses fazem neste vídeo no YouTube. Bem melhor mesmo.
Depois desse episódio embaraçoso, no dia seguinte tive a oportunidade de visitar uma empresa local, a FingerTips (não! não o que você imaginou, melhor). Eles desenvolvem apps para iOS, OS X, web com Rails. São uma empresa de serviços, pequena de 4 pessoas, mas eles são bem integrados na comunidade. Lembram quando você ganhou suporte a Unicode no Rails antes do Ruby 1.9? Agradeça ao Manfred.
Fui almoçar com eles perto do escritório deles e no caminho cruzamos com o croata Mislav Marohnić, que também veio para o BubbleConf. Lembram do bom e velho Will Paginate? Sim, agradeça ao Mislav. Foi um encontro bem interessante porque o Mislav nos contou que já visitou o Brasil, inclusive viajando pelas estradas do interior até Olinda para o Carnaval de rua. Não preciso dizer que ele se divertiu bastante em nosso país.
Aliás, andando por essa região mais ao norte, perto da Estação Central, pude ver como os holandeses gostam de bicicletas. Isso já era notório porque em toda ponte atravessando os diversos canais você vê bicicletas presas, nas praças também, mas esta visão foi surreal.
A brincadeira que me contaram é que os holandeses nem estavam ligando muito pra Segunda Guerra até que os alemães vieram confiscar suas bicicletas ...
BubbleConf
Enfim, para variar eu estava atrasado pra fazer minha apresentação pro evento do dia seguinte então gastei o resto da tarde preparando meus slides. Felizmente não era uma palestra completa, era pra sessão de Lightning Talks então adaptei a palestra que fiz na RubyKaigi do ano passado.
Falando sobre o evento, foi o primeiro organizado pelos garotos da Phusion e devo dizer que sendo o primeiro eles estão de parabéns. Excelente local, ótima seleção de palestras, boa cenografia, boa recepção e programação.
O local foi no Pathé Tuschinski que é um teatro. O ambiente tem uma área principal com palco amplo, excelente infraestrutura de áudio e vídeo digital widescreen HD (foi estranho montar os slides em wide). A sala secundária para a programação paralela de Lightning Talks tinha o tamanho adequado.
A única restrição foi a área da entrada, o lobby, onde teve o almoço e coffee breaks, era um pouco apertado para tanta gente (cerca de 300 pessoas) e por isso a parte de socialização ficou um pouco comprometida. Além disso a programação foi um pouco rígida, e como num teatro quase ninguém fica fora das palestras para socializar como acontece em outros eventos, então ela foi bem orientada no conteúdo apresentado. Único ponto a melhorar.
A seleção de palestras foi interessante mas devo deixar claro que o nível era mais "motivacional" do que instrutivo. Destaque para a presença de Laurent Sansonetti falando sobre sua primeira experiência como empresário de startup.
Outro tema que achei muito interessante terem colocado num evento desses foi apresentado por Egin Lengton um advogado falando sobre a importância de compreender como compor uma empresa, diferenças entre ser um profissional liberal e uma empresa limitada, por exemplo, coisa que muitos empresários "wannabe" não sabem mas deveriam, obrigatoriamente.
Algumas foram um "entretenimento razoável" mas nada de conteúdo como o Mike Lee, da interessante da Appsterdam.
O grande destaque para mim foi o fechamento, apresentado por ninguém menos que Zed Shaw, considerado um dos mais famosos trolls que já fez parte da comunidade Ruby. Alguns levam suas trolagens a sério demais, mas não deveriam, pois por trás do seu estilo de comunicação abrasivo estão argumentações bastante sérias. Eu por outro lado sempre achei que ele fosse uma figura interessante e devo dizer que gostei muito de conhecê-lo pessoalmente.
Espero que ele publique os slides da sua palestra porque ela foi sensacional. Em resumo, ele disse de uma forma bem mais dura, direta e agressiva sobre um mesmo assunto que eu também apresento: as pessoas adoram uma boa história. Boas histórias vendem.
Só que muitos ainda acreditam que "boas histórias" é a mesma coisa que "receitas para o sucesso", e elas não são. Este atual mercado de startups tem várias alegorias, anedotas, historinhas que geraram diversas "receitinhas" que muitos levam muito mais a sério do que elas de fato merecem. Brad Feld, David Cohen, Eric Ries (Lean Startup), Jason Fried (37signals) todos tem excelentes histórias para contar. Porém ninguém deveria comprá-las por mais do que elas realmente valem: apenas como histórias, nunca como receitas, nunca como "boas práticas", muito menos como "dogmas" a serem seguidos.
O problema é que ser entretido por histórias coloridas é muito mais interessante do que aprender de fato a fundação: administração de empresas, contabilidade, economia, marketing, recursos humanos, etc (daí porque achei legal a palestra do Lengton). A fundação é mais chata, entediante, cinza, demorada, porém é o correto. É como querer competir na UFC lendo a biografia do Royce Gracie. Interessante, motivante, mas definitivamente não vai te proteger de quebrar todos os dentes no primeiro passo que der na arena. Simples assim.
Mas estou divagando, não sei se todas as palestras serão disponibilizadas, mas se forem recomendo assistí-las. Depois do evento fomos todos dois quarteirões para baixo, numa baladinha chamada Escape para um open bar. E finalmente um jantar para os palestrantes no Tokyo Cafe, um excelente restaurante para amantes de um bom sushi. Recomendo.
Turismo
Reservei o sábado para um visita mais turística, a manhã começou frio e com garoa. Minha primeira parada foi no Rijksmuseum. Em Amsterdã, existe uma região próxima à Leidseplein que é a Museumplein, uma área que concentra diversos museus. O Rijksmuseum em particular é o museu nacional da Holanda, dedicada à arte, artesanato e história. É um passeio muito interessante que recomendo a todos que passarem pela cidade, mas preparem-se para pegar fila no fim de semana.
Você verá um pouco de tudo da história da arte holandesa, como as famosas casas de boneca miniatura, a precisão no trabalho com prata e com porcelana, influências do comércio com o oriente, e assim por diante.
Outra curiosidade é que nossa tão conhecida Kombi, quem diria, é design holandês.
Eu teria reservado pelo menos meio dia inteiro só para apreciar esse museu como ele merece, talvez mais tempo ainda se pudesse, mas no curto período que eu tinha tive que andar um pouco rápido. Mesmo assim deu para apreciar algumas das obras de artistas renomados como Rembrandt e Vermeer. Rembrandt dispensa apresentações, um dos maiores pintores da história da arte Européia e obviamente o maior da Holanda.
Vermeer em particular para mim era curioso pela cultura pop da sua pintura Girl with a Pearl Earring porque inspirou um livro) e um filme) de mesmo nome estrelando Scarlett Johansson. Se estiver curioso assista agora mesmo a palestra de Tracy Chevalier para o TED.
Eu pretendia visitar o museu de Van Gogh também, que teoricamente era do lado, mas ele parecia estar fechado ou mudado de lugar, não entendi bem. De qualquer forma decidi ir mais pro centro da cidade atrás de outro museu, o Het Sex Museum, afinal estamos em Amsterdã. Nem se compara a um museu de verdade, claro, é mais uma pequena exposição num espaço bastante apertado e, como era fim de semana, bastante lotado de pessoas. Bem difícil apreciar uma exposição com tanta gente esbarrando o tempo todo, portanto reserve visitas a museu durante a semana - lição aprendida.
Este museu não tem nada demais além de ser uma curiosidade. É uma pequena exposição de peças eróticas e curiosidades sobre a história do sexo, peças que você provavelmente já viu alguma vez na vida ou que pode ver em melhor qualidade navegando 5 minutos pela Web. Basicamente você verá como o sexo era expressado através das décadas, desde equipamentos como cintos de castidade para tortura, sexo vintage, garotas pin-ups, pornografia mais explícita (e mesmo assim aquém dos níveis da Web atual). A parte interessante é a simples existência de um museu como esse no meio da cidade, coisa que em lugares mais hipócritas e "puritanos" não seria visto com "bons olhos". Não é um lugar escondido, mas uma área bem no centro da cidade, do lado de restaurantes. E não são só homens pervertidos que visitam, mas muitas mulheres, meninas, famílias, velhos. É simplesmente um museu barato de €4. Pode ser um lugar para se matar o tempo depois de ter passado por um coffeeshop.
Minha próxima parada seria visitar o Anne Frank Huis. Assista o filme O Diário de Anne Frank para se familiarizar, e se for a Amsterdã esse deveria ser o primeiro lugar a se visitar. É mais um capítulo da triste história dos judeus na Segunda Guerra. Infelizmente eu fui tarde demais, havia uma fila enorme literalmente dando voltas no quarteirão. Esperar na fila, no frio e na chuva não estava nos meus planos então acabei não visitando. Uma pena.
Aliás, a mesma recomendação vale para o centro da cidade: o fim de semana atrai muitos turistas. Se você é de São Paulo, imagine a 25 de março num sábado de manhã, é a mesma coisa. Deixe para fazer suas compras e visitas durante a semana se possível, porque as estreitas vielas de Amsterdã ficam com muito mais gente do que você gostaria de esbarrar num dia frio e de chuva.
Terminei o sábado visitando a Dam Plaza, o centro histórico de Amsterdã. Como expliquei antes ela liga as ruas Damrak e Rokin, perto da Red Light District. De curiosidade, o nome "Dam" era justamente da sua função de "represa" do rio Amstel. Um bom lugar para se tirar boas fotos, mesmo num dia chuvoso.
Domingo de manhã só me restava terminar no aeroporto Schiphol para minha próxima parada: Berlim, Alemanha (não perca a Parte 2 desta série). Uma pequena curiosidade para mim que nunca tinha visto foi o sistema automatizado para despachar malas. Um sistema self-service onde você mesmo etiqueta sua mala, coloca num compartimento e pronto, a esteira leva ao lugar correto. Nada de atendimento com pessoas. Muito mais eficiente, gostaria que nossos aeroporto aqui em São Paulo tivessem o mesmo sistema.
E assim termina minha estadia por Amsterdã, uma pequena e aconchegante cidade européia. Como minha primeira vez na Europa foi um lugar peculiar que me causou uma excelente primeira impressão.