[Off-Topic] Segunda Impressão do iPad

2010 April 06, 11:45 h

Ontem escrevi uma análise em duas partes sobre o iPad, se ainda não leram, acompanhem:

Tentei ser o mais completo possível e mesmo assim ainda esqueci de algumas coisas que pretendo cobrir neste artigo. Se você tem alguma dúvida extra, não deixe de comentar e respondo nos comentários. No final do artigo tento cobrir um pouco a questão polêmica sobre a “loja fechada” também, vejam o que acham.

Aquecimento

Uma coisa que os Macbooks e mesmo os iPhone/iPod Touch sofrem é de aquecimento. Mesmo com o chassi de alumínio, ainda não é suficiente para dissipar a quantidade de calor gerado. Isso diminuiu muito nos últimos anos, mesmo assim ele pode ficar quente o bastante para ser desconfortável de usar no colo. Os processadores Intel Core 2 esquentam. E mesmo o iPhone, depois de um uso prolongado fica quente na orelha.

O iPad, por outro lado, não sofre esse problema. Mesmo com uso prolongado, assistindo filmes ou outras atividades intensas de processamento, permanece no máximo na temperatura ambiente. O novo processador A4, baseado no ARM Cortex 8, segundo rumores, está rodando em velocidade menor do que é capaz, e pelo visto foi bastante otimizado para se manter frio. Ajuda o fato do aparelho ser maior que um iPhone, facilitando a dissipação. Portanto, o iPad não sofre do problema de super-aquecimento e não vamos ver vídeos de ovos sendo fritos em cima dele tão cedo.

iPhone vs iPad

Isso deve variar de pessoa para pessoa, mas como o iPhone e o iPad compartilham o mesmo DNA de sistema operacional, é uma sensação estranha usar um iPhone logo depois de ter experimentado o iPad por algum tempo. Literalmente dá a sensação de estarmos usando um “iPad Mini” porque a interface é quase idêntica e tudo mais.

O iPhone tem resolução de 480×320 e o iPad tem 1024×768, ou seja, o iPad tem 5.12 vezes mais pixels na tela. O iPhone tem tela de 3.5" (na diagonal) e o iPad tem 9.7", ou seja mais de 60% maior na diagonal. Você conseguiria colocar 4 telas inteiras de iPhone empilhados 2 a 2 e ainda sobraria pixels. Não é pouca coisa. Compare as fotos do site The Gadgeteer entre o iPad com o Kindle pequeno e o iPhone:


O que acaba acontecendo é que muitas coisas que era ruins no iPhone passam para o iPad e separamos melhor as tarefas onde cada um é melhor. Por exemplo, no iPhone existem aplicativos como iVerse, Comics, e o próprio Marvel Comics para quadrinhos, além de Stanza, Barnes & Noble e Kindle para eBooks. Para anotações e referência existem o Evernote, o Instapaper Pro.

Esse tipo de aplicativo sofre demais no iPhone porque a tela simplesmente é pequena demais para uma leitura confortável. Você acaba tendo que aumentar muito as letras e aí sequer cabe um parágrafo inteiro na tela. O iPhone nunca foi projetado para isso, ele é do tamanho ideal para colocar no bolso e não deveria ter tela maior mesmo.

Já o iPad tem a tela ideal para isso. Como disse no artigo anterior, ele tem o mesmo tamanho de tela do Kindle DX, 9.7", com boa densidade de pixels. Além disso, o formato escolhido foi 4:3 em vez do widescreen 16:9. Para filmes que tem o formado 16:9 isso pode não ser ótimo, mas para um eReader é exatamente o formato perfeito pois é similar a uma folha de papel e ao formato da maioria dos livros em papel. Por isso a sensação é muito natural. Aplicativos como Instapaper, Marvel Comics e Kindle foram feitos para esse aparelho. Na imagem abaixo você pode ver a tela principal do Instapaper Pro, que é excelente:

Portanto, eu desinstalei aplicativos eReader do iPhone e agora eles ficam no iPad. Apenas aplicativos como Instapaper continuam nos dois pois foram feitos para anotações que eu posso querer consultar rapidamente enquanto estou na rua. Porém, o Safari do iPhone, o Mail.app continuam sendo excelente aplicativos porque eles não foram feitos para usos prolongados. Várias vezes eu estava na rua, querendo achar um restaurante, por exemplo, e a combinação de GPS com Google Maps, 3G com Safari facilitaram muito encontrar novos lugares e os caminhos para chegar lá. Para isso o iPhone é perfeito.

Já falei tanto do iBooks quanto do Kindle.app para iPad. Ambos excelentes, permitem ler os formatos proprietários do iBookstore e da Amazon Kindle Store, além de formatos abertos como EPUB. Porém nenhum dos dois consegue ler PDF nativamente sem conversão. Eu não gosto de converter PDF para eBook porque perde-se muito da formatação, pois PDF não foi feito para sofre reflow adequadamente, ele foi feito como formato de saída de editoração eletrônica, para prova de impressão.

O próprio sistema operacional do iPhone OS, como é baseado no Mac OS X, tem suporte nativo a PDF. Inclusive o sistema composite de janelas da interface gráfica é toda baseada em PDF (assim como o NeXTStep antes dele era baseado no avô do PDF: o Display Postscript). Portanto o OS X é extremamente eficiente para lidar com PDF. Mas o iPhone OS não vem com nenhum aplicativo para isso além do QuickLook que serve para ver PDFs enviados como anexo em e-mails no Mail.app.

Existem já alguns leitores de PDF na App Store. Eu testei o Papers, o MyPDF e o GoodReader. Esqueçam os dois primeiros, achei perda de tempo. O GoodReader foi o que se deu melhor. Tem várias maneiras de jogar arquivos PDF nele. A mais direta é via iTunes, como falei no artigo anterior, pois na aba Apps aparece um local para Compartilhamento de Arquivos e você pode arrastar PDFs nele. Outra alternativa é de dentro do GoodReader habilitar um servidor HTTP que pode ser montado como disco no OS X ou Windows e aí você arrasta PDFs diretamente para dentro do aplicativo via WiFi.

O GoodReader tem boa performance, conseguiu abrir PDFs grandes de mais de 400Mb sem engasgar. A navegação é quase tão boa quanto um iBooks ou Kindle. Suporta zoom via “pinch” com os dedos. Acho que é uma boa alternativa para carregar PDFs. Porém, se você quiser colocar PDFs que vieram como anexo de e-mail, infelizmente por enquanto é necessário ir ao seu desktop, salvar o anexo e depois empurrá-lo para o GoodReader. Não é perfeito, mas é adequado o suficiente. Como disse antes, a estratégia de como lidar com arquivos no iPad não é boa e eu espero que a Apple refine esse processo, porque por enquanto é um dos seus maiores pontos fracos.

Para jogos, os dois funcionam bem, mas jogos para iPhone ficam no iPhone e para o iPad prefiro comprar jogos novos feitos para ele. Eu não gosto muito do estilo de pixel-doubling com anti-alias, a experiência não é boa o suficiente. Jogos como o Super Monkey Ball 3 e o Need for Speed: Shift, feitos especialmente para iPad, são excelentes. Diferente de programar para um PSP, a tela do iPad é basicamente uma TV HD inteira. Ele é capaz de jogos em resolução de 480p ou 720p (com formato 4:3). Com a CPU ARM Cortex A8 e a GPU Power VR GSX, esse aparelho é um monstro que – especula-se – tem capacidade similar a de um Playstation 2. E mesmo sendo primeira geração, o Need for Speed é um ótimo exemplo do que se pode fazer. Eu consigo facilmente visualizar um Gran Turismo 4 feito para o iPad.

O iPhone, por sua vez, também especula-se, tem quase a capacidade de um Dreamcast, mas a tela menor limita as possibilidades. Ambos são excelente plataformas de jogos portáteis que não deixam nada a dever frente ao PSP ou Nintendo DS. Agora é uma questão da Apple não pisar na bola e fechar boas parcerias com nomes conhecidos como Square Enix, Ubisoft, Blizzard, Activision e outros dos grandes.

Vídeo

Outra coisa que o iPad é muito melhor que o iPhone é para assistir vídeo. Seja um filme (você precisa converter em mp4, H.264 com som em AAC. No Mac procure pelo Handbrake), seja video podcasts ou YouTube!

Como o iPad suporta Wifi 802.11n comparado ao 802.11g do iPhone, os vídeos de YouTube! iniciam e carregam mais rapidamente, o que torna a experiência muito melhor. Obviamente, assistir vídeos numa tela de 9.7" com certeza será melhor que 3.5".

Portanto pretendo assistir menos vídeos no iPhone, com exceção de vídeo podcasts, que são curtos, pré-carregados no aparelho (não depende de conexão) e posso assistir em intervalos quando não estou em casa e nem estou carregando notebook ou iPad. Músicas e Audiobooks continuarão no iPhone, pois não me imagino carregando um iPad embaixo do braço com um fone de ouvido. O iPhone, assim como o iPod ainda são ideais para áudio portátil.

Porém, o consumo de YouTube e Video Podcasts vai aumentar no iPad, definitivamente. Como a tela é confortável, dá para ficar horas assistindo vídeos sem cansar. E como é uma tela IPS, pelo menos duas outras pessoas conseguem assistir do lado, sem problemas.

Teclado

Ontem falei no outro artigo que o teclado na tela é ruim e provavelmente a melhor opção é usar o teclado bluetooth. E isso continua sendo verdade porém menos do que eu imaginava.

Recapitulando, o teclado digital não tem maneira simples de acentuar letras. Você precisa deixar o dedo em cima da vogal até aparecer um submenu. Isso simplesmente mata digitação rápida. Isso não seria ruim se o iPhone OS já viesse com dicionário em Português do Brasil para a auto-correção funcionar. Daí na maioria dos casos eu poderia digitar sem acentos e automaticamente o texto seria corrigido. Mas como o iPad ainda não foi lançado em todo o mundo, ainda não tem suporte a todas as linguas e isso é culpa minha mesmo por ter me antecipado :-) Mas em algumas semanas deve sair a atualização com mais dicionários.

Até lá, digitar no teclado digital é muito ruim. Porém, eu tentei digitar em inglês, que independe dos acentos. A surpresa foi que eu consegui manter um ritmo muito bom, praticamente sem olhar para o teclado, quase chegando perto da velocidade num teclado físico mesmo. De vez em quando um dos meus dedos não levantava o suficiente e acabava encostando numa tecla errada, mas foi muito pouco. O interessante é que o teclado digital foi capaz de manter alta velocidade de digitação sem “enroscar” teclas.

Portanto, eu imagino que assim que o dicionário em Português sair, o iPad será perfeito para escrever textos médios e não apenas tweets curtos. Eu imagino que facilmente conseguiria escrever artigos deste tamanho sem problemas. E o mais importante: eu consegui digitar muito mais rápido no teclado digital do iPad do que nas porcarias de teclados miniaturas da maioria dos netbooks. Aqueles teclados não foram feitos para quem quer digitar com os cinco dedos e as duas mãos, foi feito apenas para quem “cata milho” com dois dedos.

Lojas Online

Como disse, eu passei muitas horas navegando pelo iTunes Store, App Store e iBookstore. É um perigo para seu cartão de crédito. Para quem não sabe, o iTunes tem lojas localizadas por país. Se você escolher Brasil, encontrará uma loja muito mais limitada e com pouca coisa. Esse problema não é uma exclusividade da Apple, é o mesmo problema com Playstation Network e outras lojas online. O problema são leis internacionais de copyright e outras bobagens do tipo que, na prática, significa que o Brasil sempre tem menos acesso. Por outro lado eu sentir falta disso significa que o Brasil é muito pobre em geração de conteúdo próprio de boa qualidade. Ou seja, eu sinto falta do conteúdo americano porque não tem quase nada nacional que eu queira consumir.

Enfim, o truque que eu uso é me registrar no iTunes usando um endereço dos Estados Unidos. O CEP mais fácil que me vem à mente é o bom e velho Bervely Hills 90212 (quem assistia TV nos anos 80 vai lembrar disso). Qualquer pesquisa rápida no Google vai ter dar endereços de qualquer lugar do mundo. Agora, não cadastre nenhuma forma de pagamento.

Em vez disso compre iTunes Gift Cards. Você pode pedir para algum amigo seu que está nos EUA comprar ou você pode pagar uma porcentagem extra e comprar no Maximus Cards (que também vende cards para PSN, Wii, WoW e iTunes). O cartão de US$ 50 vai custar US$ 58.49. É mais caro mas pelo menos isso me dá acesso ao conteúdo que eu quero comprar. (Produtores nacionais de conteúdo, vejam isso: eu estou disposto a pagar até 20% mais caro por um conteúdo americano do que comprar um conteúdo nacional 50% mais barato).

Existem outras formas (e agradeço se alguém conhecer alguma forma mais barata – e que não precise fazer malabarismos demais) mas esse funciona para mim. E com isso meu pobre cartão de crédito vai estourando …

Falando sério, é muito legal comprar nessas lojas, dá vontade de clicar “comprar” o tempo todo, precisa se controlar muito. Se você tem filhos, cuidado :-) Dá para ficar um tempão assistindo trailers, ouvindo trechos de músicas e assim por diante. E esse é o modelo de negócios da Apple: vender conteúdo. E se minha experiência é alguma indicação, eles estão no caminho certo. Outras empresas estão fazendo a mesma coisa, como a Marvel Comics, o próprio Kindle, ou seja, cada aplicativo é uma potencial loja online. Meu iPad e iPhone parecem mais shopping centers virtuais. O dia que eu puder fazer reservas de restaurante via aplicativo do iPhone, puder comprar ingressos online, passagens de avião e tudo mais, eu faria.

As empresas brasileiras estão extremamente atrasadas em relação a isso. E não estou falando de páginas web (muito feias, por sinal) para e-commerce, estou falando aplicativos bonitos, elegantes, simples de usar e que funcionem com 1-click-buy como o iTunes Store e a Amazon.

Enfim, o iPad é muito divertido, assim como o iPhone. O iPhone continuará preso ao meu bolso como sempre, é o companheiro perfeito para acessar a web, ler e-mails, consultar mapas e outras informações rapidamente. Já o iPad será um companheiro menos frequente, para ambientes mais controlados como em casa, escritório, reuniões, casas de amigos ou estabelecimentos comerciais confiáveis, jamais na rua.

A Questão da Loja Fechada

Outra das grande críticas a todo o modelo de lojas do iTunes, desde a de música até a de aplicativos, é o fato dela ser “fechada”. Para quem não sabe você precisa pagar US$ 99 por ano para a Apple para ser um desenvolvedor. Depois disso você pode cobrar quanto quiser pelo seu aplicativo, se for de graça a Apple não te cobra nada, qualquer outro preço e a Apple leva 30%.

Mas nem é essa a parte que mais incomoda mas sim que a Apple “filtra” o que entra e o que não entra na loja. E os critérios e o tempo de espera são completamente arbitrários e determinados pela Apple.

Muitos desenvolvedores gostariam de enviar o aplicativo e ele imediatamente aparecer na loja, sem filtros. O Android Marketplace parece que permite isso e ainda precisamos esperar mais tempo para ver se isso funciona. Porém quero oferecer outra metáfora:

O mercado de smartphones é como um shopping center. Cada um tem uma loja nele, a RIM, o Google, a Nokia, e a Apple. A Apple não controla o shopping center, apenas a sua própria loja. Para ilustrar, em qual das duas lojas abaixo eu me sentiria melhor visitando?


E assim como qualquer loja de verdade, ela precisa e deve filtrar o que vai ser vendido e mostrado nas vitrines e prateleiras. Deixe qualquer coisa entrar e logo sua loja não será mais do que um brechó. A Saraiva funciona assim, a C&A funciona assim, qualquer supermercado funciona assim. Simplesmente porque existe alguém produzindo não significa que ela deva ter espaço onde bem entender. Espaço físico custa dinheiro e alguns podem achar que espaço digital não custa nada, porque é “digital”.

Não necessariamente, porque se o usuário final precisar navegar páginas e mais páginas com centenas de aplicativos que não são mais do que “barulho”, a experiência será uma droga e com o tempo a loja perde relevância. Exatamente por isso e-Commerces, lojas online, operam como lojas físicas.

Uma versão online que é diferente são leilões digitais como eBay, Craigslist, Mercado Livre. Mas todos vão concordar que o modelo de negócios é diferente. E também vão concordar que, mesmo que o negócio seja um sucesso, ainda a sensação é justamente essa: de entrar num brechó.

Eu entro em uma loja porque sei que vou encontrar as coisas facilmente, porque estará tudo organizado, porque vou me sentir confortável. Eu detesto ir em feiras livres, detesto ir em outlets, prefiro mil vezes frequentar um shopping center. Não vou encontrar 100% porque as lojas filtram, mas vou encontrar o suficiente.

O modelo de negócios de uma iTunes Store não é diferente de uma C&A ou Renner. Essas lojas não fabricam roupas, apenas revendem de fabricantes menores. Elas pagam uma porcentagem sobre o que vendem a partir de 90 dias depois do produto entregue. Se você é um fabricante pequeno, é possível que entre em períodos de problemas de fluxo de caixa. Nesse caso você se vira pra Renner ou C&A e pede um adiantamento do pagamento. Eles dão, mas cobram juros por ele! Entenderam? Eles ganham duas vezes cobrando juros sobre o pagamento que já lhe era devido.

Parece ruim mas não é. É assim mesmo que o comércio funciona, porque por outro lado, eles estão comprando um risco. Ninguém compra risco a preço zero. A App Store é parecida, se aplicativos maliciosos, de baixa qualidade ou polêmicos entram na loja e isso se torna um problema, quem arca com o risco é a Apple, qualquer um em sã consciência vai querer controlar isso. Só quem não pode fazer isso são governos e instituições não-lucrativas, justamente porque não existe esse fator risco envolvido.

A questão não é necessariamente simples, mas o que eu quero dizer é que não há nada de extraordinariamente ruim ou diferente que a Apple está fazendo, ela está apenas fazendo o que todo comerciante faz: cuidando da sua loja. Porém, se fosse uma empresa usando crianças escravas na Ásia, queimando florestas indiscriminadamente, ou qualquer coisa desse tipo contra a humanidade, aí sim todos deveriam boicotá-la e lutar contra ela. Mas tirando isso, é tudo uma questão de gosto e de bolso.

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