A Apple resolveu isso de diversas formas. Ela repensou o processo todo de construção da bateria, possui engenheiros e cientistas especializados em química e montagem de baterias. Ela as constrói em formatos customizados que utilizam o espaço da forma mais otimizada possível. O fato de torná-las não-removíveis é para retirar o desperdício dos mecanismos móveis, baias, mecanismos de encaixe, abertura, etc. Isso permite uma área muito maior. Fora tudo isso, colocaram inteligência na forma de chips que alteram a voltagem de recarga dinamicamente, evitando com que a bateria se vicie prematuramente.
É uma coisa que pode passar despercebido mas eu quis comentar aqui – e recomendo que vocês assistam ao vídeo deles. O que eles fizeram foi inteligente. Eliminaram desperdícios que eram considerados “normais” em qualquer notebook. Eles repensaram algo que já era considerado maduro. Quebraram paradigmas considerados senso comum como “óbvio que baterias tem que ser removíveis” e com isso criaram um produto que entrega mais valor ao cliente. Pessoalmente, eu acho que isso é um pensamento bastante Lean.
Eu gosto de pensar em Lean não como um processo – mesmo porque ele não é. Lean é uma filosofia e uma cultura – assim como Agilidade. No centro dela está o pensamento de fluxo contínuo, uma das formas de atingir isso é eliminar desperdícios. Por outro lado, existem outras filosofias envolvidas, uma delas é o Kaizen, melhoria contínua e, como objetivo final de tudo, levar o máximo valor ao cliente e remover tudo aquilo que não leva benefício direto ao cliente. Em tudo que a Apple faz, é exatamente isso que eu vejo: inovação é o resultado desse tipo de pensamento, ao mesmo tempo conseguindo um processo mais enxuto, eficiente e que leva o máximo valor direto ao cliente.
É a mesma coisa que leva a coisas como o Magsafe, o touchpad MultiTouch, o teclado luminoso, a integração íntima do sistema operacional com o hardware – e isso é muito mais importante do que muitos acham -, e assim por diante. O que justifica o acabamento superior dos notebooks Apple. E isso não é fanboyismo, é fato, o valor de um notebook Apple é indiscutivelmente superior.
Zara
Esse tipo de pensamento me relembra os livros de James Womack. Não lembro se foi em Lean Thinking onde li sobre o case da Zara e que depois revi numa palestra da Mary Poppendieck, da Agile 2007, sobre Liderança, o mesmo case. Eu gosto desse caso porque, por coincidência, a Zara é uma das lojas que eu mais gosto de frequentar.
Zara é uma grande rede de lojas de roupas, pelo menos em 2007 eles tinham mais de 990 lojas pelo mundo, principalmente na Europa, e faturamento de 5 bilhões de euros, nada pequeno. Eles tem capacidade de ir do design das roupas até a loja em 2 semanas, esse é o tempo de produção deles.
A premissa deles é simples – e óbvia – de que eles não sabem o que os clientes querem. Portanto dependem dos gerentes nas lojas constantemente reportando à matriz o que os clientes mais procuram. Por exemplo, numa determinada cidade talvez os locais queiram mais roupas de cor vermelha porque é a cor do time local de baseball que acabou de ganhar um campeonato. A resposta da Zara é entregar o que eles querem o mais rápido possível, e eles conseguem fazer isso em 2 dias. Para isso eles fabricam pequenas quantidades de cada ítem e não grandes lotes. Mais do que isso, indo contra o que muitos considerariam “bom senso”, eles não terceirizam a fabricação em massa para a China ou outros países asiáticos porque a logística para entregas rápidas seria muito mais cara e não compensa a mão de obra mais barata. Portanto eles tem fábricas no Leste Europeu mesmo.
Por causa disso, a Zara fabrica cerca de 11 mil ítems por ano, contra uma média da indústria de 3 mil peças apenas. A Zara consegue vender cerca de 85% de tudo que fabricam ao preço cheio, enquanto o resto da indústria vende 60%, no máximo 70% a preço cheio. Isso é por causa do desperdício de fabricar demais – novamente, forecasts não funcionam. Podemos ver isso o tempo todo com “queimas de estoque”, “liquidações”, “outlets”. A Zara fica com menos de 10% de ítens não vendidos, enquanto os outros ficam com pelo menos 20% de ítems não vendidos. Com isso você vê de onde a Zara tira seu lucro, não é fazendo economia porca e terceirizando para a Ásia para mão de obra barata, é em tendo um processo de produção mais eficiente. Esse é mais um exemplo do pensamento Lean. (obs: Infelizmente acho que a Zara do Brasil não segue o mesmo processo, tem muita peça velha e pouca novidade ultimamente.)
A Zara e a Apple não descobriram nenhuma fórmula mágica. Nem mesmo a Toyota quando criou o famoso Toyota Production System, o melhor exemplo do pensamento Lean. “Entregar valor ao cliente” parece óbvio e a maioria das empresas acha que está fazendo isso, quando na realidade não está. Focar em entrega rápida ao cliente é bastante difícil e não é algo que estamos acostumados a fazer.
Padrões
Isso me leva a outra coisa que vi na palestra da Mary e nos livros do Womack. Na maioria das empresas temos coisas como “padrões” ou “políticas” ou simplesmente “regras”. Independente da palavra, vou usar “padrão” para significar a mesma coisa.
Para a maioria dos gerentes, “padrões” são feitos para que qualquer novo funcionário consiga trabalhar como todos os outros. Padrões foram feitos para serem seguidos, e não questionados.
Esta é a maneira mais idiota de se pensar em padrões. Para Taiichi Ohno, pai do TPS, padrões são outra coisa. Padrões são o “as-is”, ou seja, como as coisas funcionam hoje. Não são visões de como as coisas deveriam ser, mas uma descrição fiel de como se trabalha e se produz no presente, sendo certo ou errado.
O trabalho de um líder de produção lean é garantir que os padrões não permaneçam fixos por muito tempo. Se depois de um mês o padrão ainda for o mesmo, seu chefe poderia lhe fazer até a pergunta “você trabalhou no mês passado? porque os padrões não mudaram.” Numa cultura de melhoria contínua, a equipe deve estar constantemente procurando maneiras melhores de fazer a mesma coisa, e não apenas idioticamente seguir o que o padrão diz. Padrões são “baselines”, são pontos de partida que devem ser constantemente questionados e melhorados. O padrão de hoje tem que ser melhor que o padrão de ontem.
A partir do momento em que você tem na cabeça “é assim que sempre fizemos e portanto é assim como vou fazer hoje e é assim como vou fazer amanhã” você criou um funcionário estagnado, desmotivado, conformado e, pior de tudo, que não evoluiu. Funcionários que não evoluem significa uma empresa que não evolui.
Empresas que tem departamentos que devem ficar criando novos padrões, processos ou políticas para empurrar goela abaixo no resto da empresa são empresas que considero “burras” ou, pelo menos, “cegas” porque eles ignoram os seus verdadeiros olhos: os seus funcionários. Ao mesmo tempo ela sinaliza uma cultura onde ninguém deve tentar se destacar, todos devem ser iguais, se vestir iguais, chegar nos mesmos horários, almoçar na mesma hora, até ir no banheiro em horários constantes. É uma empresa que valoriza a média – meus velhos inimigos, as curvas gaussianas, ou “normais” – uma empresa que valoriza, por definição, a “mediocridade”.
Empresas Lean, por outro lado, valorizam a meritocracia. Valorizam espaço para erro que, no processo correto de Hansei e Kaizen, levam à melhoria contínua. Por sua vez, isso eleva os padrões de forma cumulativa.
Este artigo segue a linha do anterior Conselhos para Gerentes, sugiro que leiam este também.