[Off-Topic] Grandes Artistas Roubam

2012 May 13, 11:00 h

A maioria de nós geeks provavelmente ouvimos a frase:

“Good artists copy, great artists steal”

Ouvimos no contexto do Steve Jobs, no contexto da cópia de interface gráfica primeiro da Apple vs a Xerox depois da Microsoft vs a Apple.

Essa frase acabou se tornando meio um cult principalmente depois do famoso filme para TV Piratas do Vale do Silício. Finalmente, e infelizmente, essa frase acabou para muitos erroneamente associada aos temas de “plagiarismo” e “pirataria”. Mesmo para mim, por muito tempo, nunca parei para realmente pensar sobre isso, apenas associei a frase a esses sentidos.

Antes de mais nada, vale a pena nomear o autor da frase, o grande artista Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno María de los Remedios Cipriano de la Santísima Trinidad Ruiz y Picasso, ou simplesmente Pablo Picasso :-)

Quem me conhece há algum tempo e assiste minhas palestras sabe que eu particularmente gasto muito tempo tentando explicar a associação do termo “artista” aplicado a “desenvolvedor de software”, “software craftsmanship” e mais especificamente à “prática de programação”.

Programação não é algo que você lê um livro, exercita uma vez e “boom”, você já sabe programar. Assim como qualquer tipo de arte, pintura, música, dança, programação depende de disciplina e muita prática. Mais do que isso, qualquer um que se dedica a algum tipo de arte sabe muito bem que repetição é uma técnica mas repetir a mesma coisa não leva a lugar algum. O processo de “prática” depende de dominar uma técnica, repetí-la muitas vezes, entender onde está errando, refiná-la e quando estiver dominada, rapidamente seguir para novas técnicas mais difíceis. Continuamente, sem um “fim”. Não existe “ponto de chegada” para quem pratica qualquer tipo de arte. Mesmo lutadores de artes marciais sabem que faixa preta não significa “fim”.

Se eu fosse resumir o que acabei de dizer, seria exatamente com a frase de Picasso:

“Bons Artistas Copiam, Grande Artistas Roubam Tomam para Si”

Note que eu retirei o termo “roubar” para o sentido mais literal “tomar para si”. E aqui é a “pegadinha” que muda o sentido pra mim.

Tudo que temos no mundo hoje, conhecimento, cultura, técnica, tecnologia se deve há séculos de acúmulo meticuloso e refinamento cuidadoso desse material por centenas de grandes homens e mulheres que contribuíram para chegar onde estamos. Literalmente, somos pequenos duendes de pé sobre o ombro de gigantes.

Uma propriedade material, algo físico, quando tomado de uma pessoa, constitui roubo. Para que você tenha, alguém teve que ficar sem. Quando alguém copia uma propriedade, constitui plágio. Porém, com conhecimento, idéias, o “copiar” ou “roubar” tem diversos significados mais abstratos e quero expôr um deles aqui.

Qualquer artista, de qualquer ramo, precisa começar de algum lugar. Um pintor contemporâneo, já inicia anos-luz à frente de seus colegas de prática de alguns séculos atrás. Naquela época, conseguir acesso a tintas não era algo óbvio. De que material da natureza podemos extrair amarelo? Talvez da gema de ovo. E azul ultramarinho? A coisa vai se complicando. Anos e anos de conhecimento acumulados hoje nos dão acesso a todas as tonalidades possíveis de cores sem precisarmos pensar nisso.

Isso vale para todas as técnicas de pintura, pontilhismo, pintura com aquarela, pintura com tinta a óleo. Hoje não precisamos tentar “descobrir” como são essas técnicas. Elas estão todas exaustivamente documentadas. Ou seja:

“Para nos tornarmos ‘bons’ artistas, devemos ‘copiar’ as centenas de técnicas que já foram criadas pelos gigantes antes de nós, até as dominarmos.”

E convenhamos, se um pintor conseguir copiar as técnicas bem o suficiente para serem indistinguíveis dos mestres que os criaram, certamente teremos excelentes bons artistas.

Qualquer prática se inicia copiando o que já foi feito. Repetindo, aprendendo as nuances, aprendendo as razões das técnicas terem culminado no que são hoje. Qualquer profissional de prática que segue essa filosofia, copiar para dominar, sempre seguindo em frente até dominar sua área inteira, está seguindo nos passos dos gigantes do passado.

Agora, existe um passo extra. Principalmente nós, geeks, conhecemos o “chavão” de quando “o discípulo se torna o mestre”. Claro, nos filmes parece muito mais fácil, mas esse passo significa quando o artista não só está copiando o que dominou:

“Para nos tornarmos ‘grandes’ artistas, quando dominamos o que copiamos, podemos adaptá-las, refiná-las e quem sabe, melhorá-las ou inová-las, é quando não estamos mais apenas copiando mas literalmente ‘roubando’ ou tornando efetivamente nossa essa propriedade, tomando para si.”

É quando um Einstein se sucede a um Newton. Quando um Platão sucede um Sócrates. Nesse caso usamos o termo “roubar” no sentido de “tornar a propriedade efetivamente como sua” e não o sentido mais comum de “desmerecidamente retirar a propriedade de quem pertence”.

Todo bom pintor ou artista plástico tem dezenas de gigantes e séculos de material para “copiar” ou “praticar”, Michelângelo, Da Vinci, Picasso.

Pintor de Parede vs Pintor de Quadros

Outra coisa que tenho repetido ad nauseum é que existem programadores-codificadores e programadores-desenvolvedores. Pintores de parede e pintores de quadros.

Codificadores não entendem seu papel nessa história. Entendem como copiar algumas poucas técnicas, talvez dominar algumas delas, e rapidamente se auto-denominar “mestres”. Pensamento absolutamente medíocre, envergonharia os gigantes de eras anteriores, Babbage, Von Neumann, Bob Noyce. São meros pintores de parede.

Desenvolvedores, como gosto de chamar, entendem melhor seu papel na história. Entendem a riqueza do material pré-existente, praticam sem limites e sem acreditar em um fim, dominam técnica atrás de técnica, tentando sempre atingir um nível mais alto do que o que existe atualmente, mas nunca se acharão na posição de querer pintar uma Mona Lisa sem aperfeiçoar o sfumato. Esses são pintores de quadros.

Envergonha-me programadores que leram pouco, praticaram miseravelmente pouco, se achar numa posição de mestre. Assim como envergonharia um pintor ouvir alguém dizer que sabe pintar um afresco sem sequer saber diluir uma base de gesso.

Resumindo minha versão pessoal:

“Bons Artistas Copiam, Grandes Artistas Tomam para Si, Péssimos Artistas são cheios de si.”

tags: off-topic principles career philosophy

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