[Off-Topic] A Argumentação através da Intimidação

2009 September 12, 09:40 h

Há um certo tipo de argumentação que, na verdade, não é uma argumentação, mas um meio de evitar o debate e extorquir o acordo de um adversário baseado em noções indiscutíveis. É um método de burlar a lógica usando pressão psicológica. Uma vez que é particularmente comum na cultura de hoje e continuará crescendo, é bom aprender a identificá-lo e estar em guarda.

Este método tem uma certa semelhança com a falácia ad hominem, vem da mesma raiz psicológica, mas é essencialmente diferente. A falácia ad hominem consiste em tentar contrariar um argumento acusando o caráter de seu proponente. Exemplo: “o candidato X é imoral, pois seu argumento é falso.”

O método de pressão psicológica consiste em ameaçar a integridade do caráter de um oponente usando seu próprio argumento, então contestando a argumentação, sem debate. Exemplo: “Só o imoral não vê que o argumento do candidato X é falso.”

No primeiro caso, a imoralidade do Candidato X (real ou inventado) é oferecido como prova da falsidade de seus argumentos. No segundo caso, a falsidade de seu argumento é afirmada de forma arbitrária e oferecida como prova de sua imoralidade.

Na selva epistemológica de hoje, esse segundo método é usado com mais freqüência do que qualquer outro tipo de argumento irracional. Deve ser classificado como uma falácia lógica e pode ser designado como “a argumentação através da intimidação”.

A característica essencial da argumentação através da intimidação é o seu apelo à auto-dúvida moral e sua dependência do medo, culpa ou ignorância da vítima. É usado na forma de um ultimato exigindo que a vítima renuncie à sua idéia sem discussão, sob pena de ser considerado moralmente indigno. O padrão é sempre: “Somente aqueles que são maus (desonestos, cruéis, insensíveis, ignorantes, etc) tem essas idéias.”

O exemplo clássico do argumento da intimidação é a história As Roupas Novas do Imperador

Nessa história, alguns charlatães vendem roupas inexistente ao Imperador, afirmando que a beleza incomum do vestuário os torna invisíveis para aqueles que são moralmente condenáveis de coração. Observe os fatores psicológicos necessários para fazer este trabalho: os charlatães confiam na auto-dúvida do Imperador; e ele não põe em dúvida essa afirmação, nem a sua autoridade moral. Ele se rende ao mesmo tempo, alegando que de fato enxerga as peças de vestuário, negando assim a evidência de seus próprios olhos e invalidando a sua própria consciência em vez de enfrentar uma ameaça à sua auto-estima precária. Sua distância da realidade pode ser avaliada pelo fato de que ele prefere andar nu na rua, exibindo as suas vestes inexistente para o povo, ao invés de arriscar incorrer na condenação moral de dois canalhas. As pessoas, motivadas pelo mesmo pânico psicológico, tentam ultrapassar um ao outro com exclamações em voz alta sobre o esplendor de suas vestes, até que uma criança grita que o rei está nu.

Este é o modelo exato do trabalho da Argumentação através Intimidação, como está sendo trabalhado em torno de nós hoje.

Todos já ouvimos e continuamos ouvindo esse tipo de coisa constantemente:

Como exemplo de um campo inteiro de atividade baseada em nada além da argumentação através da intimidação, dou-lhe a arte moderna, onde, a fim de comprovar que de fato possuem o discernimento especial que somente a elite “mística” tem, a população tenta superar um ao outro em exclamações em voz alta do esplendor de alguns pedaço de lona borrados.

A argumentação através da intimidação domina discussões de hoje em duas formas. Em discursos públicos e impressos, ele floresce sob a forma de estruturas longas, envolventes, elaboradas de palavreado ininteligível, que transmitem nada exceto uma clara ameaça moral. (“Só os de mentalidade primitiva deixam de perceber que a clareza é simplificação excessiva.”) Mas, em particular, no dia-a-dia, ele vem sem palavras, nas entrelinhas, sob a forma de sons inarticulados contendo implicações não declaradas. Baseia-se, não no que é dito, mas em como se diz – não no conteúdo, mas no tom de voz.

O tom é geralmente de uma incredulidade beligerante ou desdenhosa. “Certamente você não é um defensor do capitalismo, não é?” E se isso não intimida a vítima em perspectiva, que responde, corretamente: “Eu sou” – o diálogo se segue mais ou menos assim:

Tudo isso é acompanhado de sobrancelhas levantadas, de olhos arregalados, encolher de ombros, grunhidos, e todo arsenal de sinais não-verbais comunicando insinuações sinistras e vibrações emocionais de uma única espécie: desaprovação.

Se essas vibrações falham, se tais debatedores são desafiados, verifica-se que eles não têm argumentos, nenhuma evidência, nenhuma prova, nenhuma razão, nenhum motivo no qual fundamentar – que sua agressividade ruidosa serve para esconder o vácuo – que a argumentação através da intimidação é uma confissão de impotência intelectual.

O arquétipo primordial desta argumentação é evidente (e assim são as razões do seu recurso para o neo-misticismo da nossa era): “Para aqueles que entendem, nenhuma explicação é necessária; para aqueles que não entendem, nenhuma é possível”.

A fonte psicológica do que o argumento é metafísica social.

Um metafísico social é aquele que trata a consciência dos outros homens como superiores aos seus próprios e para os fatos da realidade. Para um metafísico social a avaliação moral de si próprio pelos outros é uma preocupação primária que substitui a verdade, fatos, razão lógica. A reprovação dos outros é tão terrível para ele que nada pode resistir ao seu impacto dentro da sua consciência, assim ele negaria a evidência de seus próprios olhos e invalidaria a sua própria consciência em prol da aprovação moral de qualquer charlatão vadio. Apenas um metafísico social poderia conceber tal coisa absurda como a esperança de ganhar um argumento intelectual insinuando: “Mas as pessoas não vão gostar de você!”

Estritamente falando, um metafísico social não percebe a sua argumentação em termos conscientes: ele acha isso “instintivamente”, pela introspecção, uma vez que representa a sua forma psico-epistemológica de vida. Todos nós já encontramos o tipo irritante de pessoa que não escuta o que alguém diz, mas às vibrações emocionais da voz do outro, ansiosamente traduzindo-os em aprovação ou reprovação para, em seguida, responder de acordo. Esta é uma espécie de argumentação auto-imposta através da intimidação, à qual um metafísico social se rende na maioria dos seus encontros humanos. E assim, quando ele encontra um adversário, quando suas premissas são contestadas, ele recorre automaticamente à arma que o assusta mais: a retirada da sua aprovação moral.

Uma vez que esse tipo de terror psicológico é desconhecido para homens saudáveis, isso pode ser considerado como argumentação através da intimidação, precisamente por causa da sua inocência. Sem entender o motivo da argumentação ou para acreditar que ele é apenas um blefe sem sentido, eles assumem que seu usuário tem algum tipo de conhecimento ou razões para apoiar suas afirmações aparentemente auto-confiantes, beligerantes, dando-lhe o benefício da dúvida – e são deixados em confusão perplexa. É assim que os metafísicos social vitimizam os jovens, os inocentes, a consciência.

Isto é particularmente prevalente nas salas de aula da faculdade. Muitos professores usam a argumentação através da intimidação para abafar o pensamento independente entre os estudantes, para fugir a perguntas que não conseguem responder, para desencorajar qualquer análise crítica de seus premissas arbitrárias ou qualquer desvio do status quo intelectual.

“Aristóteles? Meu querido companheiro” (um suspiro cansado) “Se você tivesse lido o trabalho do Professor Spiffkin” (respeitosamente) “da edição de janeiro de 1912 da revista Intellect, que” (com desdém) “obviamente você não leu, saberia” (levianamente) “que Aristóteles foi refutado.”

“Professor X?” (sendo X o nome de um distinto teórico de economia de livre empresa) “Você está citando o Professor X? Oh não, fala sério!” – seguido de uma risada sarcástica com a intenção de transmitir que o Professor X foi completamente desacreditado. (Por quem? Fim da discussão.)

Esses professores são freqüentemente assistidos pela brigada dos capangas dos “liberais” da sala de aula, que explodem em gargalhadas em momentos apropriados.

Em nossa vida política, a argumentação através da intimidação é o método quase exclusivo de discussão. Predominantemente, os debates políticos de hoje consistem de manchas e desculpas, ou intimidação e apaziguamento. O primeiro é geralmente (mas não exclusivamente) praticada pelos “liberais”, o segundo pelos “conservadores”. Os campeões, neste contexto, são os “liberais” republicanos que praticam ambas: a primeira, em relação a seus companheiros “conservadores” republicanos, a segunda, aos democratas.

Todas as manchas são argumentos de intimidação: eles consistem de afirmações depreciativas, sem qualquer indício ou prova, oferecidos como substitutos das evidências ou provas, visando à covardia moral ou credulidade impensada dos ouvintes.

A argumentação através da intimidação não é nova, tem sido utilizada em todas as idades e culturas, mas raramente em escala tão ampla quanto hoje. Ela é usada mais cruamente na política do que em outros campos de atividade, mas não se limita à política. Ela permeia toda a nossa cultura. É um sintoma de falência cultural.

Como é que alguém pode resistir a esse argumento? Existe apenas uma arma contra ela: a certeza moral.

Quando se entra em qualquer batalha intelectual, grande ou pequena, pública ou privada, não se pode buscar, desejar ou esperar aprovação do inimigo. Verdade ou mentira deve ser a preocupação exclusiva e o critério de julgamento – não a aprovação ou desaprovação de qualquer pessoa e, acima de tudo, não a aprovação dessas cujos padrões são o oposto do seu próprio. (obs: já viram aquelas argumentações que começam “Eu respeito muito você, mas …” – claramente buscando uma aprovação).

Deixe-me enfatizar que o argumento da intimidação não consiste em colocar julgamento moral em questões intelectuais, mas de substituir o julgamento moral pelo argumento intelectual. Avaliações morais estão implícitas na maioria das questões intelectuais; não é meramente permitido, mas obrigatório colocar um juízo moral quando e onde necessário; suprimir tal julgamento é um ato de covardia moral. Mas um julgamento moral deve sempre seguir e jamais anteceder (ou substituir), as razões em que se baseia.

Quando se dá razões para um veredito, se assume a responsabilidade por ele e coloca-se à disposição ao julgamento objetivo: se suas razões são erradas ou falsas, sofre-se as conseqüências. Mas, condenar sem fundamentação é um ato de irresponsabilidade, uma espécie de atropelamento e fuga moral, que é a essência da argumentação através da intimidação.

Observa-se que os homens que usam esse argumento são os que temem um ataque moral fundamentado mais do que qualquer outro tipo de batalha, e quando encontram um adversário confiante moralmente, eles são os mais altos em protestar que “moralização” deve ser mantida fora das discussões intelectuais. Mas, discutir o mal de uma forma que implica a neutralidade, é uma forma de aprová-la.

A argumentação através da intimidação ilustra porque é importante ter certeza das próprias premissas e da própria fundação moral. Ele ilustra o tipo de armadilha intelectual que aguarda aqueles que se aventuram sem uma análise completa, clara e consistente das próprias convicções, totalmente integrada até os fundamentos – aqueles que de forma imprudente pulam para a batalha, armados apenas com algumas noções flutuantes aleatórias em uma névoa do desconhecido, do não identificado, do indefinido, do não provado, e apoiado por nada além de seus sentimentos, esperanças e medos. A argumentação através da intimidação é seu maior inimigo. Em questões morais e intelectuais, não é suficiente estar certo: é necessário saber que está certo.

por Ayn Rand – último capítulo de “The Virtue of Selfishness”, 1964

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